Prosa entre amigos


Piet Mondrian

Há poucos dias, entre amigos e conversas, perguntaram-me qual o romance que mais mexeu comigo. É claro que essa questão é muito vaga, pois os bons livros podem e devem mobilizar, no leitor, os mais diversos sentimentos e reações.  Permitindo-me, dentro da ressalva prévia, responder à indagação, lembrei-me imediatamente de um livro, e, poucos instantes depois, do outro. Vamos a eles. O primeiro foi um romance do Carlos Heitor Cony, Antes, o verão (Alfaguara, 198 páginas). Fui acometido por uma avassaladora tristeza, capaz de enegrecer a mais albina das biles, a cada página virada. De peito dilacerado e olhos marejados me vi quando findei a sua leitura. Fiquei mudo, indisfarçavelmente mudo. Mutismo digno apenas do infante Cony. Decepcionado, caro leitor? Não por mim, mas para me reabilitar com você, vamos ao segundo livro: Crime e castigo. A história de F.M. Dostoiévski me chacoalhou de uma maneira diferente, não só pela tensão do texto mas principalmente pela onipresença de Rodion Românovitch Raskólnikov. Acordava, respirava e trabalhava com o protagonista. Tinha certeza, todo o tempo, que Raskólnilov estava ao meu lado. Podia sentir, em alguns momentos, o cheiro do casaco sujo, molhado pelo tempo úmido e marcado pelo tempo pobre de São Petersburgo. Cheguei a temer o poder de convencimento de seu discurso e, não tenho vergonha de agora assim o confessar, sem toga, eu o inocentei de seu duplo homicídio qualificado. Talvez traído pela memória, que sempre nos prega peças, tenha negligenciado alguns outros livros. Mas sei que com Cony e Dostoiévski não estou em má companhia.

Escreveria sobre a influência de determinados livros, do poder que eles têm de modificar, subliminarmente, o clima e o desfecho de nossas ações práticas durante a leitura. Citaria  Dante Alighieri e o “Inferno” da Divina Comédia -será que alguém também notou momentos infernais invadirem a sua vida durante a leitura ou eu fui o único amaldiçoado? Não me senti capaz e abandonei a ideia em detrimento do post acima. Ganhei eu. Ganhamos nós.
                                     

Discussão - 2 comentários

  1. Talvez esse seja um efeito causado com mais força por um determinado grupo de autores. Tive a mesma sensação de ser acompanhada pelos personagens durante a leitura de Irmãos Karamazov, A Insustentável Leveza do Ser e Cem Anos de Solidão, 1984. Será que é por isso que todos são clássicos? (risos)

  2. Amigo de Montaigne disse:

    Fernanda,
    sim, certos autores, e eu incluo Dostoiévski aqui, criam personagens tão intensos e verossímeis que passamos a enxergá-los. A paisagem, o pano de fundo não humano, é quase irrelevante. Vide ainda outro clássico, Dom Quixote.
    Abraço e obrigado pela visita!

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