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O que você mais “gostou” da greve?

O que podemos tirar de positivo com esta greve? Repensar nosso meio de produção e de distribuição. Uma diminuição das emissões relacionadas ao aquecimento global. Repensar nosso consumismo, nossa necessidade de ter tudo aqui agora. Ouvir o silêncio mesmo numa cidade tão barulhenta como São Paulo. Curtir nossa casa e nossa família. Nos aproximarmos da vizinhança tão perto, mas antes tão longe. Valorizar e cuidar do nosso bairro. Gastar a nossa energia andando a pé e pedalando – e reletir, “como podemos melhorar nosso ir e vir”? Observar os motoristas dirigindo com mais calma, respeitando o próximo sem “colar” no carro da frente ou fazer ultrapassagens perigosas. Consumir o que temos no nosso quintal (se possível) ou o que é cultivado próximo a nós e em seu tempo. Viver a vida no ritmo que é genuinamente nosso: o da natureza.

Muuuito além da economia verde

*Este post é uma participação especial, foi escrito pelo jornalista Gustavo Mendes Nascimento (@gustamn). 

Terminei esses dias de ler o livro “Muito além da economia verde”, do Ricardo Abramovay (Editora Planeta Sustentável). O título diz tudo. Caberiam até mais alguns “us” nele, como fiz de brincadeira acima, de tão além que o autor foi em sua competente reflexão sobre a incapacidade do atual modelo econômico de dar respostas efetivas ao esgotamento dos recursos naturais. Segundo Abramovay, nem mesmo uma economia verde, nos moldes da que é pregada atualmente, seria capaz disso. Por economia verde, leia-se: luta contra a pobreza, melhora na ecoeficiência e responsabilidade socioambiental corporativa. Apesar de parecer uma fórmula razoável, ela tem seus limites. Se a economia global não for além disso, não vai ter (água, alimentos, petróleo etc) para todos. Vejam o gráfico com a previsão de extração de recursos do planeta até 2050 (notem o salto na curva a partir de 2010).

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Fonte da imagem: Sustainability Europe Research Institute

O problema central do atual modelo, defende Abramovay, é o estímulo a um consumo desenfreado e ao crescimento econômico a qualquer custo, que tem pressionado os recursos naturais do planeta. Além disso, o aumento da população mundial, o crescimento dos países emergentes e a redução da pobreza exercerão uma pressão de consumo nos próximos anos que será insustentável. O livro mostra muito bem isso, com dados alarmantes. Veja, por exemplo, o caso do consumo de carne vermelha: “Para produzir um quilo de carne de gado estabulado, por exemplo, são necessários 9 quilos de produtos vegetais. (…) generalizar para o conjunto da humanidade o padrão americano de carne (120 quilos por ano) (…) consumiria tal quantidade de produtos vegetais que conduziria inevitavelmente a um colapso na oferta de alimentos”. O caso dos combustíveis fósseis, da água, da produção agrícola entre outros, é semelhante. Há quem argumente que os saltos na eficiência produtiva contornariam esse problema da escassez. Será? Não é o que a história recente tem mostrado. De que adianta ter ganho de eficiência, se ele é anulado pelo consumo desmedido. Veja o caso dos automóveis, citado no livro. Eles hoje são mais eficientes no consumo de combustível, mas também são maiores, mais potentes e com recursos tecnológicos que aumentam o consumo. Usando licença poética: não adianta passar do fusquinha beberrão para uma eficiente SUV 3.5 com quase duas toneladas (e muitas vezes levando apenas uma pessoa de 70 quilos).

Em suma, como disse o  secretário-geral das Nações Unidas, Ban Ki-Moon, “o atual modelo econômico mundial é um pacto de suicídio global”.

Tem jeito?

É difícil pensar em uma economia que não meça o seu sucesso pelo crescimento do PIB (Produto Interno Bruto). Ou seja, é difícil pensar em uma ordem econômica que não seja voltada para o crescimento e, consequentemente, consumo crescente de recursos naturais.

Assim como é difícil imaginar empresas que não pensem no lucro a qualquer custo, acima de (ou até mesmo desprovidas de) questões éticas. Parece forte dizer isso, mas quantas pessoas não são excelentes cidadãos fora da empresa, mas quando entram lá, desrespeitam leis, comunidades vizinhas, destroem o meio ambiente, e por aí vai? A boa notícia é que o livro mostra sinais de que a ordem das coisas já está mudando.

Abaixo, cito dois exemplos, resumidamente.

Ética no centro do negócio – Sei que muitos sentem sono com o clichê “ética no centro do negócio”. Mas a postura de muitas empresas está realmente mudando, lentamente, mas está. Grandes empresas estão colocando a sustentabilidade e tudo que a acompanha (direitos humanos, respeito ao meio ambiente, ética etc) no centro das suas estratégias de negócios de longo prazo. Sustentabilidade, para muitas, não tem sido mais encarada como um setor à parte, uma subdivisão. Algumas empresas já estão redesenhando suas estratégias de negócios pensando não apenas em mercado consumidor, lucro, risco etc, mas em quais problemas da sociedade elas podem resolver (mobilidade urbana, geração de energia limpa etc).

Desmaterialização da economia – Outro ingrediente para a mudança é a desmaterizaliação da economia, algo que se torna cada vez mais viável com o avanço as tecnologias de informação. Por exemplo, as tecnologias de comunicação de vídeo conferência hoje permitem uma redução brutal no número de viagens a negócios. Parece pouco, mas as emissões de carbono numa viagem de avião são altíssimas. Mas, muito além disso, as tecnologias de informação permitem inovações em diversos campos, como logístico, gestão urbana, etc.

Mas será que essa nova economia, que leva o planeta em conta, vai se desenvolver na velocidade necessária? O livro não responde à questão, pois esse movimento ainda é incipiente. Mas terminei a leitura convencido de que: 1) o atual modelo econômico não dará conta de prover bem estar nos próximos anos se nada mudar; 2) os recursos naturais não serão suficientes se a economia continuar como está; e 3) essa mudança já começou, só resta saber se será na velocidade necessária. Se você não ficou convencido disso nessas poucas linhas, garanto que lendo livro ficará ao menos balançado. E se já ficou convencido, leia o livro para se aprofundar no assunto.

O “Muito além da economia verde” representou, para mim, uma completa mudança de paradigma. Ele modificou completamente minha forma de ver a economia e o mundo. Recomendo!

Documentário analisa o mundo capitalista em que vivemos

Está com vontade de ver um filme grátis sem sair de casa e, ainda de quebra, ganhar argumentos para uma visão mais crítica sobre o mundo capitalista em que vivemos? Indico o “The Corporation”, vencedor do prêmio de melhor documentário no Festival Sundance de Cinema.

Resumidamente, o documentário conta como as grandes empresas multinacionais que conhecemos hoje se formaram, qual a força política delas e mostra para onde devemos caminhar. Afinal, essa “cultura” de extrair as matérias-primas da natureza, utilizá-las e, em seguida, descartá-las poderá acelerar o fim do homo sapiens.

Abra a sua mente, prepare a pipoca e ajuste as nádegas no sofá porque o documentário tem quase 2h30 (com legenda em português):

[youtube_sc url=”http://www.youtube.com/watch?v=Zx0f_8FKMrY”]

Obs.: Enquanto eu via esse documentário, feito basicamente nos Estados Unidos, eu me perguntava, “será que no Brasil conseguiríamos produzir um documentário desses sem sofrermos represálias”? Pense nisso.

Não existe a igualdade entre gêneros

Foto feita pela @PolineLys

Não quero ser igual aos homens. Aliás, nem se quisesse conseguiria. Nasci com os dois cromossomas “sexuais” femininos XX – e não os XY masculinos. Vim ao mundo com os órgãos reprodutores femininos, tensão pré-menstrual, tenho menos força física que a maioria dos homens da minha própria estatura. Poderia amenizar essas características para me tornar mais parecida com um homem? Sim, mas não quero – e nada contra quem tem esse desejo. As pessoas por essência, por nascença, por vontade, são diferentes. Devo ser respeitada pela mulher que sou.

Nossa cultura brasileira está muito, ainda, presa às dicotomias. Ou se é feminista, ou se é machista. Se parece atraente, não deve ser inteligente. Se gosta de se cuidar, é fútil. Se se diverte com futilidades, não tem conhecimentos gerais. Recebo muito, mas muito e-mail de homens reclamando da minha posição neste blog dizendo que sou feminista radicalmente exagerada. Pleonasmo. Eu sou mulher, sinto minha condição feminina na pele e quero alertar contra o preconceito que sofremos diariamente – sim, todo dia – nessa bola de neve calorenta.

Recentemente, uma amiga foi a uma entrevista de emprego feita pela pessoa que seria o chefe dela. Uma semana depois, ele ligou pedindo para que retornasse à empresa para conversar mais uma vez. No local, o tomara-futuro-chefe revelou que, entre os mais de 100 currículos recebidos e sabe-se lá quantas entrevistas feitas pessoalmente, ficou em dúvida entre três mulheres. Após duas semanas de expectativa, recebeu o telefonema: um homem foi contratado. O diretor do tomara-futuro-chefe não aceitou uma mulher preenchendo o pretendido cargo de chefia. Pensava que ela – uma mulher! – não conseguiria liderar os subordinados homens.

Segundo pesquisa do IBGE, o salário médio mensal das mulheres (R$ 983) é cerca de 30% menor que o deles (R$ 1.392). O curioso é que, segundos o mesmo Censo 2010, as mulheres estudam mais que os homens. Essa discriminação é tamanha que a “bancada feminina” quer votar um projeto de lei para multar as empresas que pagarem salário menor para as mulheres que realizam a mesma atividade dos homens. E, isso, acontece em diversas áreas do conhecimento. Já li muita pesquisa sobre mulheres que pensam em abandonar a profissão voltada às pesquisas científicas devido à impossibilidade imposta pelo mercado de ter filhos e continuar trabalhando – veja algumas matérias aqui e ali.
Não sou café-com-leite por ser mulher. Não sou boneca de luxo. Sou fera, sou bicho, sou anjo e sou mulher. Eu sou de ninguém. Sou contraditória. E, como toda mulher, sou meio Leila Diniz. Mas tenho vontade própria, não faça algo com o outro porque imagina que ele queira e não assume explicitamente. Eu sou minha, só minha e não de quem quiser.

O Pablo e o mar

Aqui estão duas, hoje e amanhã, breves dicas para quem aproveita o carnaval para programar viagem ainda sem destino ou ao hermano Chile. A primeira delas é o museu Isla Negra, localizado na cidade litorânea El Quisco – apesar do nome, ele não está instalado em uma ilha. Fiquei emocionada ao visitá-lo por ser uma das casas do poeta Pablo Neruda e por sentir pertinho a proximidade do escritor com o mar. Relação que já conhecia por meio de seus livros, mas pessoalmente se revelando uma surpresa marejada.

Pablo Neruda amava o mar e sentia por ele um grande respeito. Brandava ser um marinheiro em terra firme. No quintal de sua casa encravada em uma praia pedregosa, com o constante estrondoso barulho das ondas se chocando contra elas, colocou um velho barco comprado em certa ocasião. Nunca levou-o de volta às águas, dizia que não precisava. Gostava de beber com os amigos sentado em seus bancos e, ao levantar, já saía mareado da embarcação.

Dentro de todos os cômodos da “casa-barco” repleta de personalidade, reutilizava diversos objetos principalmente remetentes, claro, ao mar como as esculturas inseridas na frente das embarcações – não lembro o nome dado a elas em português, em espanhol se chamam “mascarón de proa”. Vou me segurar nos detalhes sobre a decoração para evitar estragar as surpresas. Apenas ressaltar que, para Neruda, as residências deveriam ser lúdicas. E destacar sua consciência ambiental já naquela época, antes da década de 1970.

Certa vez, ao observar um dia agitado do mar, o poeta viu um objeto boiando próximo às pedras. Pediu a Matilde, sua última esposa, ajuda para retirar o que se relevou um pedaço maciço de madeira. “O mar me deu de presente o tampo de uma mesa”, disse. Depois de muito esforço, o casal levou para dentro de casa a peça a ser instalada em seu escritório caseiro.

Essas são poucas – e descritas neste post de maneira muito simples para um poeta tão grandioso – de muitas impressões e histórias guardadas em minha memória após visitar o abrigo de Neruda e ler as suas obras. Sua vida é um exemplo de respeito ao meio ambiente, amor às artes e compaixão ao próximo. Se tiver oportunidade de visitar sua residência que hoje é o museu Isla Negra, agarre-a firmemente.

Enquanto isso, do meu “apartamento-barco”, esta simples mortal que agora, mais ainda, se sente parte de uma versão feminina do poeta – alguém que me entende -, resiste a mostrar para outros os poemas que escreveu relacionados ao tema e deixa um registro do legado de Neruda para você se marear com ou sem o balanço das ondas:

El mar

 

Necesito del mar porque me enseña:
no sé si aprendo música o conciencia:
no sé si es ola sola o ser profundo
o sólo ronca voz o deslumbrante
suposición de peces y navios.
El hecho es que hasta cuando estoy dormido
de algún modo magnético circulo
en la universidad del oleaje.
No son sólo las conchas trituradas
como si algún planeta tembloroso
participara paulatina muerte,
no, del fragmento reconstruyo el día,
de una racha de sal la estalactita
y de una cucharada el dios inmenso.

 

Lo que antes me enseñó lo guardo! Es aire,
incesante viento, agua y arena.

 

Parece poco para el hombre joven
que aquí llegó a vivir con sus incendios,
y sin embargo el pulso que subía
y bajaba a su abismo,
el frío del azul que crepitaba,
el desmoronamiento de la estrella,
el tierno desplegarse de la ola
despilfarrando nieve con la espuma,
el poder quieto, allí, determinado
como un trono de piedra en lo profundo,
substituyó el recinto en que crecían
tristeza terca, amontonando olvido,
y cambió bruscamente mi existencia:
di mi adhesión al puro movimiento.