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Como as Torres del Paine foram esculpidas

TORRESdelpaine
Fonte: Google Maps

Nem todas as montanhas gigantes que estão no Chile fazem parte da Cordilheira dos Andes, por mais incrível que pareça. Ou… por mais perto que elas estejam da Cordilheira, como é o caso das belíssimas montanhas do Parque Nacional Torres del Paine (Chile). Se não me perdi na navegação, o considerado mais belo parque da América do Sul (não duvido) está a cerca de 20 quilômetros próximo à Cordilheira dos Andes. E, apesar dos maciços de Torres del Paine alcançarem quase três quilômetros de altitude (!), eles não foram formados como a gigante Cordilheira – o avião parece que vai bater no Aconcágua, maior montanha dos Andes com quase sete quilômetros de altitude. Torres del Paine foi criada graças à força de “vulcão interno” (eu que inventei este nome, rs, o correto é vulcanismo intrusivo, que acontece dentro da terra)!

É, querido leitor, nossa América do Sul foi um ninho de lavas (O Brasil que o diga). A cordilheira Paine das famosas torres é um sistema montanhoso formado, principalmente, por rocha sedimentária (depositada, como pelo vento) na parte mais alta e por granito – curiosidade, a maioria daquelas montanhas lindas do Rio de Janeirocomo o Pão-de-Açúcar, também tem origem no granito. A rocha que sempre está visível no maciço Paine é o granito, que tem origem no magma. A mais escura em cima do Los Cuernos (aquela que parece ter dois chifres) é argilito – como o próprio nome aponta, ela contém argila. Na parte oeste das montanhas, há outras rochas plutônicas além do granito (como este, elas também se formam do magma que resfria dentro da terra) e sedimentárias como o arenito (derivado da areia).

Assim, as três torres do parque, marca registrada do lugar, são feitas de granito! Elas foram esculpidas pelo avanço e retirada dos glaciares há mais de 12 milhões de anos. Afinal, o clima da Terra é inconstante. O planeta já esquentou e esfriou inúmeras vezes – lembra-se do filme “A Era do Gelo”? -, aumentando e diminuindo a quantidade e o tamanho dos glaciares. A cada resfriada, as “pedronas” de gelo se arrastavam entre as montanhas desgastando o granito. Desenhando, dessa maneira, as três famosas torres.

Ah, e a Cordilheira dos Andes? Segundo o geólogo Hélio Shimada, ela foi formada pelo encontro de duas placas tectônicas, a de Nazca e a Sul Americana. Na “colisão”, a Placa de Nazca começou a descer sobre a Placa Sul Americana (subducção é o nome científico desse fenômeno) causando um “amarrotamento” das rochas sedimentares acumuladas sobre a Placa de Nazca, lá no fundo do Oceano Pacífico, contra a borda da Placa Sul Americana. Esse “amarrotamento” das rochas sedimentares gerou a Cordilheira dos Andes. É por isso que encontramos fósseis marinhos lá em cima dos Andes. O mesmo acontece no Himalaia, com a Índia entrando sob a Placa Eurasiana.

Mais curiosidades ditas pelo geólogo Shimada:

  • A parte da Placa de Nazca que desce sob a Placa Sul Americana acaba se fundindo devido às enormes pressões e temperatura na astenosfera (camada que se situa logo abaixo da litosfera, ou seja, da camada sólida mais externa do planeta, constituída por rochas e solo), produzindo o magma. Este pode esfriar lá em baixo e dar origem a rochas plutônicas como o granito ou sair à superfície na forma de vulcões (rochas extrusivas);
  • Do lado leste, no Oceano Atlântico, a Placa Sul Americana se afasta da Placa Africana em uma expansão que começa na cordilheira meso-oceânica (no meio do oceano!), por onde sai continuamente magma que vai empurrando as bordas para leste e para oeste.

Sobre o parque

O Parque Nacional Torres del Paine foi criado em 13 de maio de 1959 e declarado Reserva da Biosfera em 1978 pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO). Ele protege 227.000 hectares – o que corresponde à 227 mil campos de futebol. Ele tem 17 ecossistemas diferentes – e alguns muito visíveis devido às distintas vegetações mais secas ou úmidas. Animais selvagens e flora subantártica única habitam o local.

Fonte: Dados disponibilizados pelo próprio parque. As fotos abaixo são de minha autoria e do @gustamn.

aconcagua
Aconcágua, montanha mais alta à esquerda
lagogrey
Maciço Paine visto do Lago Grey
granito
Granito refletindo o Sol
loscuernos
Los Cuernos
torresdelpaineperto
Torres del Paine: repare o “raspado” causado por glaciares

Picos dos Andes aparecem em frente ao avião

Sempre quando estou nos ares, literalmente e não em pensamento como gosto de me deixar levar, procuro saber o local que o avião sobrevoa. Primeiro, porque a curiosidade faz parte do meu âmago. E, além das paisagens aéreas incríveis, essa é a chance de visualizar a geografia do nosso belo planeta. Um conhecimento a mais sobre o mundo em que vivemos. Antes de embarcar para o Chile, em dezembro, eu estava ansiosa: queria ver de pertinho a Cordilheira dos Andes! Um acontecimento por si só.

Sem exceção, todo mundo que sobrevoa os Andes fica admirado com sua altura e extensão. Nunca esqueci o que uma amiga comissária de bordo, acostumada com as paisagens aéreas, me disse: “Depois de sobrevoar os Andes, percebemos que um avião pequeno teria muita dificuldade para fazer essa travessia. Seria difícil ele conseguir”. Essas palavras ficaram por cerca de cinco anos no meu imaginário. E, enquanto esse tempo passava, todos os meus amigos – conhecendo minha paixão pela geografia do mundo – voltavam maravilhados desses mágicos minutos sobre a maior cadeia de montanhas do mundo em comprimento. Eu perguntava o porquê. “Parece que o avião vai encostar nelas”, diziam eles.

Observando as fotos, como as que ilustram este post (clique nelas para ampliar), parece mesmo que os Andes estão próximos da aeronave. Mas há uma distância muito grande entre quase encostar nas montanhas e estar perto delas. Apenas voando consegui entender o que todos me diziam. E olhe que não foi fácil, eu apresentava o início dos sintomas de uma infecção intestinal. Tremia com febre. Estava em um tempo paralelo dentro daquele avião lotado com dez fileiras de assentos. Sabe quando você toma vários remédios, alguns contra enjoo, e não se sente nem acordada e nem dormindo? Era nesse limbo que me encontrava. Mesmo assim, tenho certeza que as pontas das montanhas aparecendo na telinha em frente à minha poltrona não eram alucinações.

O avião levava uma câmera na parte de baixo dele. Eu poderia sintonizar o canal dessa câmera na tela em frente ao meu assento. Ao menos seis vezes, naquela câmera que mostrava o horizonte em frente à aeronave, eu vi os picos das montanhas mais altas dos Andes. Toda vez que um pico aparecia, o avião fazia uma leve curva para a direita ou esquerda. Tirei forças da minha curiosidade para ficar em pé no corredor – na ida ao Chile, estava no assento central, na volta, vim na janela (!) – para olhar a infinita cadeia de montanha.

Antes de sobrevoarmos os Andes, por um momento consegui segurar os sintomas da infecção para olhar pela janela. Lá fora, só nuvens. Um avião voa em torno de 11 mil metros de altura. Imagine, de repente, um paredão subir praticamente em sua frente. Em Cajón del Maipo, uma região dos Andes distante cerca de uma hora de Santiago (indo de carro), a altura das montanhas passam os 5 mil metros. A capital chilena está aos pés dos Andes. Portanto, os pilotos começam o procedimento de pouso sobre a Cordilheira. Sim, realmente, sobrevoamos pertinho dos picos e essa sensação é indescritível. Todos olham pelas janelas. Todos comentam. Todos soltam um “uau” ao mesmo tempo.

 

Na volta, recomposta da infecção intestinal e no assento ao lado da janela, pude me deliciar com aquelas imagens dignas de um documentário em alta definição. Lá de cima, consegui distinguir o Aconcágua creio ser o pico à esquerda da foto superior, montanha mais alta das Américas com 6.962 metros de altitude, entre toda a cadeia. E suspirar muitas vezes. Parece besta, simples, ordinário, se encantar com os 20 minutos sobrevoados. Mas, para mim, a Cordilheira dos Andes é indescritível. O voo já paga a viagem.