Náufrago de mim mesmo

Acabo de ter uma ótima experiência: uma viagem pela leitura de “A Hora dos Náufragos”, romance inusitado – pela forma, principalmente- de Pedro Maciel (Editora Bertrand Brasil, 192 páginas). O livro pode ser lido aleatoriamente, sem, no entanto, perder a sua força narrativa. Acho que isso pode ser comprovado pelo comentário de Ivan Lessa, que disse ter vontade “de pinçar uma ou outra coisa e tacar lá numa carta minha”. Muito me tocou a passagem que descreve um momento de epifania, em que o personagem se dá conta de sua solidão no mundo e percebe “que o mais verdadeiro e impiedoso tribunal na vida é a nossa própria consciência”, como já disse Montaigne: ” O que aconteceu comigo naquele dia? A lua desatava a noite alta, um som longe ou um ruído descompassado me rondava e todos os entes que choravam eram meus, todos os momentos transfigurados eram meus, maldito dia, maldito dia em que estas figuras conhecidas me cercaram, se bem que não me lembro dos rostos, busco um rosto que possa refletir o acontecido e não encontro ninguém”. Há outras passagens igualmente densas, que adquirem contornos existencialistas, como “A idéia de ainda estar vivo não me deixa suicidar-me”. Em resumo, uma leitura que em princípio se revela despretensiosa e acaba por evocar os mais complexos e recônditos fantasmas de nosso subconsciente. Já não era sem tempo de enfrentá-los…

Discussão - 10 comentários

  1. Paulo Lima disse:

    E vivam os fantasmas inconscientes...nossos maiores intérpretes da realidade. Provocadores que nos leva ao crescimento ou ao entorpecimento.Grande abraço

  2. Paulo Lima disse:

    em tempo: corrigindo a frase "nos levam ao crescimento..."abraços,

  3. amigo de montaigne disse:

    Caro Paulo, não perca essa leitura! Abração!

  4. luiz damasceno disse:

    Não conheço o escritor, mas fiquei interessado. um abraço!

  5. amigo de montaigne disse:

    Abraço,Luiz!

  6. Lacques disse:

    O livro, se não me engano, é de um colega de quarto do Glenn Gould, alguém tão genial e solitário que, seguramente, afetaria quem partilhasse a intimidade da sua vida de tão perto quanto o autor do livro...Você escolheu esta descrição epifânica, quase messiânica, quando o mundo todo nos toca e nos perdemos neles a ponto de ficarmos nos sentindo solitários de nós mesmos, tão diluídos na dor do mundo que estamos. Essa experiência me parece sugerir mesmo uma solidão pela falta de reflexo de um outro porque, na dimensão em que se dá, não há mesmo um outro em espelho. Só o mundo!Abraaaaaço

  7. Lacques disse:

    Misqueci da citação:"A lua desatava a noite alta, um som longe ou um ruído descompassado me rondava e todos os entes que choravam eram meus, todos os momentos transfigurados eram meus, maldito dia, maldito dia em que estas figuras conhecidas me cercaram, se bem que não me lembro dos rostos, busco um rosto que possa refletir o acontecido e não encontro ninguém..."

  8. Anonymous disse:

    Jacques, meu caroO que nos impede de construir pontes sobre os vazios? Metafísica é recordar o mundo; física é lembrar do mundo o tempo todo.abraçosempre,pedroPS: Bernard Shaw diz que 'não existe gênios, eu sou um deles e sei que não existe'.

  9. Lacques disse:

    Olá, Pedro!Um ponto de vista interessante: metafísica como "recordação" do mundo, ou seja, com um jeitinho de Platão & Sócrates. Lembro-lhe aquela linha poética da Emily Dickinson, a propósito das pontes e dos vazios: "Fé é uma ponte sem suportes", ou seja, temos vazios duplos e uma ponte metafísica. Ou também uma ponte física, se lembrarmos de uma cena do Indiana Jones na qual ele precisa dar um passo em frente ante um abismo cheio de tijolos marcando a profundidade do perigo e quando ele ousa avançar no vazio, surge uma ponte sob seu pé que estava disfarçada pelos quadriculados.Abracadabraço

  10. Anonymous disse:

    errata:PS: Bernard Shaw diz que "não existem gênios. Eu sou um e, portanto, eu sei.abraçosempre,Pedro

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