Ode à distração
La Chascona, por Diego Rivera
Viajando, com menos tempo do que gostaria para este blog. Cheguei de Santiago ontem. Frio, bons vinhos e trabalho. A capital chilena sempre me causa boa impressão, ares de maior civilidade, motoristas que entendem que a faixa de pedestre é território de – pasme! – pedestre, comerciantes cujo equívoco contra turistas é fortuito e não intencional. Após o sul do país ter sofrido com um terremoto seguido por um maremoto – tragedia doble -, as coisas parecem rumar para o normal, ainda que muito precise ser feito. Alguns passeios são obrigatórios quando estou por lá. O Mercado Central, por exemplo. O fedor de peixe é rapidamente esquecido diante do saboroso congrio servido pelo Donde Augusto. Visitar La Chascona (palavra que significa “a despenteada”, em quechua, e que o poeta usava para se referir a Matilde), casa em que viveu Neruda e que virou museu, me proprociona uma grande e nostálgica alegria. Neruda é um daqueles autores cujos versos possuem uma beleza datada. Aos vinte anos, devorei todas as páginas que pude, decorei versos soltos, poemas inteiros, ganhei algumas admiradoras recitando, em espanhol, trechos de Farewell y los sollozos (Amo el amor de los marineros/ que besan y se van…). Quando retornei ao poeta, já com mais idade, o encanto se desfez. Versos banais, argumentos pueris, beleza opaca. Sentei-me no agradável café do Museu. Sozinho, no mais absoluto silêncio, era o perfeito ouvinte de 4’33”, de Jonh Cage. A infância, cada vez mais distante, me visita cada vez mais. E como disse João Anzanello Carrascoza, “depois que crescemos, a felicidade a gente só a tem se o destino se distair um minuto”.
Discussão - 2 comentários
E depois que crescemos perdemos o brilho dos olhos da infância? Uma distração o traz de volta em um minuto?
Diria que não o perdemos, mas o encontramos mui raramente...