Neurocriminologia



Adrian Raine: criminologista da Universidade da Pensilvânia

Está na moda. Foi capa de prestigiosas revistas. A nova ciência se chama neurocriminologia. Há, inclusive, departamentos recém-criados em universidades do hemisfério norte. O advento da tomografia por emissão de pósitrons (PET), método que permite o estudo do metabolismo dos tecidos em geral, revolucionou a oncologia e a maneira como enxergamos o cérebro em atividade. De maneira simplificada, o PET avalia áreas de maior atividade metabólica. Imagine, por exemplo, um câncer. As células cancerosas estão em intenso processo de multiplicação, o que exige energia, leia-se oxigênio e glicose. Assim, o aparelho de PET acusará e fotografará as áreas de maior atividade metabólica, identificando as células malignas. No caso do cérebro, pode-se comparar o metabolismo das diferentes áreas cerebrais entre grupos de indivíduos. Em 1997, pesquisadores norte-americanos estudaram por PET o cérebro de 41 assassinos confessos e 41 indivíduos normais. O resultado do estudo demonstrou que áreas fundamentais para a boa interação e bom funcionamento social – córtex pré-frontal e amígdala cerebral – apresentavam menor metabolismo no grupo dos asssassinos. Curiosos, esses mesmos pequisadores dividiram o grupo dos asassinos em outros dois grupos, agora de acordo com o tipo de procedência remota, bons lares e maus lares (pobreza, negligência, abuso). O grupo proveniente dos lares piores mostrou um metabolismo ainda menor do córtex pré-frontal e amígdala. Na última semana, quando fui convidado a participar de um congresso no sul do país, o pesquisador responsável  pelo estudo citado, Adrian Raine, defendeu que, baseado em seus achados, criminosos com menor atividade metabólica do córtex pré-frontal e da amígdala devem ser isolados definitivamente do convívio social. O problema maior, levantado por alguns dos presentes, é a utilização pré-mórbida desses recursos. Para uma infelicidade, suponha que o seu filho de 12 anos é uma criança cruel, que gosta de fazer mal aos animais, que bate nos colegas de classe e agride furiosamente os seus professores, que se regozija com pequenas maldades. Eis que, por exigência da escola ou de alguma autoridade competente, você deva submetê-lo ao exame de PET  e, bingo: o padrão de funcionamento metabólico é similar ao dos psicopatas, dos assassinos confessos de Raine. Destino traçado e inamovível? E o papel do ambiente – estaria completamente descartado, secundário? O que veio antes, o cérebro “ruim” que determina um comportamento psicopático? Ou um ambiente psicopático – pobreza extrema, violência doméstica, abuso sexual – que “molda” o cérebro tal qual o vemos em serial killers? A velha máxima mendeliana “fenótipo é o resultado do genótipo mais o ambiente” está morta? Estaríamos caminhando, mais uma vez na história, para uma versão moderna e pseudocientífica de eugenia? Penso que não estamos preparados  para responder essas questões, seja ainda do ponto de vista científico ou, de modo mais importante, da perspectiva ética. O assunto deve ser debatido pela sociedade cada vez mais e mais. Plagiando Miguel Nicolelis, não podemos ser  ignorantes em ciência, pois corremos o risco de, por desconhecê-la, tornarmo-nos vítimas de suas limitações e imprecisões metodológicas.                     

Discussão - 5 comentários

  1. Karl disse:

    Me lembrou um conto de Machado, dizem, fundacional quanto a teoria psicanalítica pois anterior aos trabalhos de Freud e Breuer: A Causa Secreta.
    Machadismos à parte, isso parece mais um daqueles determinismos com roupagem new-age. E fique tranquilo quanto plagiar Nicolelis: o tal dito foi também plagiado da política.

  2. João Carlos disse:

    Lombroso ex-machina...

  3. Amigo de Montaigne disse:

    João Carlos,
    talvez seja isso mesmo.
    Lombrosianos, avante!
    O pior de tudo é reduzir o substrato neurofisiológico à dimensão humana. Será que ninguém percebe isso?

  4. Amigo de Montaigne disse:

    Karl,
    que boa surpresa!
    Eugenia, bem-vinda ao século 21! Mas com roupagem elegante, RM, RM funcional, PET...

  5. J disse:

    Pré maneira disfarçada, uma pré organização de justificativas futuras, de eliminarem os pobres, por ser sustentado futuramente, argumentações em tais supostos estudos científicos, aonde devido a super população,indivíduos excluídos, catalogados com, previsões de incompatibilidade sociais futuras. Imaginem no futuro, baseado nestes estudos, abortos sendo realizados, sustentados por tais ideias, e apoiados por governos desumano, um moderno Hitler.

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