O prurido de Enrique
Herisau, 1956
Sua coceira atrás das orelhas, paroxística, intermitente, o incomodava desde criança, mas a nova namorada insistira tanto que lá estava ele. O consultório ficava no primeiro subsolo. A recepcionista não era velha. Sorrindo, perguntou o seu nome e disse que esperasse. O doutor estava um pouco atrasado. Ao acaso, folheou a primeira revista que encontrou. Turismo em Funchal. Preços imbatíveis partindo de Barcelona. Tinha amigos na Madeira e já andava saudoso das tertúlias lá desfrutadas. Próxima página. Paris, ótimos preços, pacote completo para escritores frustrados e que nunca foram outra coisa senão vontade
de desaparecer. “Três noites, café da manhã e capa estilo detetive entregue no momento do check-in”, dizia o anúncio do Hotel Montano, 45 Rue Vaneau. Na sala asséptica, solitário e sem noção do tempo que aguardava, mirou um calendário na parede e reconheceu a cidade que ilustrava aquele dia 16 de junho: Herisau, Suiça. Pediu uma caneta emprestada. Reclamaria. Anotaria o nome da editora responsável por tamanho descuido. Ponderou que uma folhinha de consultório não é um livro, um remanescente da quase morta era de Gutenberg. Não, não passaria em branco. Herisau em 16 de junho? Dublin era a única resposta possível. A secretária anunciou a sua vez. Levantou-se e seguiu por um largo corredor. Já na porta da sala, arrependido do favor cedido à namorada, teve vontade de recuar. O doutor esticou o braço e cordialmente se apresentou: “Pasavento”.
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