Leitores em potencial
As feiras literárias nunca estiveram tão em alta como agora. De Passo Fundo a Belém, a derrocada do livro impresso – ou, para usar uma expressão de Vila-Matas, o funeral da era de Gutenberg – parece um devaneio onírico pueril. A pergunta que me faço é se, na mesma proporção das feiras, os leitores também estão crescendo. A consolidação da democracia e a construção de uma sociedade mais justa passa por cidadãos letrados. Não é por acaso que a raiz da palavra “livre” é a mesma de “livro”. Se estamos formando mais leitores e engendrando um novo país, não sei dizer. Mas gostaria de falar de um grave problema: os leitores em potencial. Compartilho da opinião de Ana Maria Machado e João Ubaldo Ribeiro: quem não lê e pode fazê-lo é burro. A semente que quando semeada gera o leitor é o exemplo. Pais alfabetizados que não lêem não podem exigir filhos leitores. Como desejar que o filho goste de legumes e vegetais se o pai não gosta e não come? Outro problema adicional é que não ler literatura estreita os horizontes e reduz o prazer. Explico melhor. Ouvi uma conversa de alguns prováveis leitores em potencial após a saída do cinema. O filme? Meia-noite em Paris, de Woody Allen. Os casais diziam que o filme havia sido muito chato, até que uma mulher do grupo, em torno de 40 anos, disse: “acho que o filme foi chato porque não conhecíamos as pessoas que lá apareciam”. Bingo! Só quem conhecia Ernest Hemingway, F.S. Fitzgerald e sua mulher Zelda, Gertrude Stein e Luis Buñuel podia aproveitar plenamente o filme de Woody Allen e perceber o sentido de invejar a vida na Paris dos anos 20. Pai, mãe: peguem um livro. Pai, mãe: dêem o exemplo. Pai, mãe: um livro pode ser melhor que um prédio com espaço gourmet. Pai, mãe: ler é mais prazeroso que um apartamento com churrasqueira na varanda.
Discussão - 7 comentários
E ler na varanda com churrasqueira com vista para o parque?
Karl,
ótima pedida! Estou achando que somos vizinhos...
Muito bom! Pelo menos fico mais aliviada de não ter uma varanda. Em compensação, minha biblioteca...
"Pai, mãe: peguem um livro. Pai, mãe: dêem o exemplo."
Lembrei dessa historinha:
A menina que odiava livros: http://migre.me/5JlA4
Engraçado que, mesmo numa casa repleta de livros e pais amantes da leitura, a menininha dessa animação não gostava de ler, o que ocorreu por outras vias (na animação, um tanto quanto fantasticamente).
Mas pergunto, meu Amigo: apenas o exemplo dos pais basta, num mundo onde as influências vão muito além da família, e mesmo começando dentro do próprio lar - pela televisão?
Sibele,
acredito que o exemplo seja um instrumento fomentador da leitura, embora não seja sempre garantia.
Os pais são importantes, a escola é importante. Aos pais cabe a tarefa de mostrar aos filhos como a literatura é mágica e capaz de transportá-los aos mais diversos mundos.
Você já teve um professor que ensinava com paixão? Pais amantes da literatura acabam contaminando os filhos de maneira muitas vezes não intencional.
Obrigado pela visita na "nova casa".
Abraço, Amigo de Montaigne.
Eu lia escondido, do meu ex marido, atrás da porta de meu quarto; pode??? ele sentia ciumes até das viagens e imaginações que a leitura me proporcionava, me fazia mais feliz, do que meu casamento com ele, enfim: continuei na melhor "desobediência", criei meus filhos, incentivando-os à leitura, passando este exemplo para netos e dai por diante...,"Pais, tenham livros em suas mesas, bancos, banheiros,etc...
_ até ao lado da televisão; porque, muitas vezes, ao enjoar daqueles programas de mal gosto, existe alí, bem ao lado, outra opção, aliás, a melhor opção...
Como dizia Confucio: "nem todos os caminhos são para todos os caminhantes" Ler em uma varanda com churrasqueira, com vista para o mar, são para alguns caminhantes...