O espectador como ator

“A arte torna-se uma generalidade, um processo antes de mais nada existencial e, conseqüentemente, filosófico”. Vilém Flusser (Praga,1920-São Paulo,1992).

Poucas obras de arte exigem mais reflexão e são dotadas de tantos significados como Las Meninas, de Velásquez. Para quem quiser saber um pouco mais, recomendo “As palavras e as coisas “, de Michel Foucault. Só para instigar: divida o quadro a partir de uma linha diagonal que se inicie no canto superior direito; note que há um nítido predomínio de linha curvas na metade inferior direita, enquanto predominam as linhas retas na outra metade. Está iniciado o primeiro debate filosófico que a obra sugere…

Moacyr Scliar, ou…

Nunca viajem pela COPA Airlines. Esta foi a segunda vez que viajei pela tal companhia e, pela segunda vez também, tive problemas – atrasos, falta de tripulação, despreparo do pessoal de solo. Enquanto esperava, finalmente, pelo tão anunciado vôo, li uma entrevista de Moacyr Scliar, que falou sobre o seu novo livro, “O Texto, ou: a vida”, para a revista Cult. Gosto do jeito como Scliar escreve e acho “Saturno nos Trópicos” e “A paixão transformada” suas grandes obras. Como acabo de chegar da Colômbia, que se orgulha de ser mais lembrada por Gabo e a qualidade do café do que pelo narcotráfico e as FARC, com toda justiça, reproduzo aqui um fragmento de seu novo livro que fala do ofício de escritor: “Uma ocupação que não parece trabalho mobiliza arcaicos sentimentos de culpa; afinal, e ao menos no Ocidente, ainda vivemos sob a influência do bíblico ‘ganharás o pão com o suor do teu rosto’. Isso talvez explique um curioso ritual do Nobel Gabriel García Márquez. O escritor colombiano conta que, quando se senta para escrever, coloca sobre a mesa os mais variados objetos, lápis, tesoura, cola, borracha, grampeador – para se sentir como um operário”. Sim, um operário, que transpira para nos deleitar com a sua gran ópera.

Enfim, o cheesecake de uísque

La Cava Cocina e Vinoteca
Cartagena de Índias, Colômbia, 15/03/2007.

Borges e o cheesecake de uísque

Lembro-me de Alberto Manguel entrevistando o velho J.L. Borges. Lá pelas tantas, após várias considerações sobre a poesia de Coleridge e Wordsworth, a prosa de Proust e, claro, Martín Fierro e Beowulf, Manguel perguntou a Borges o que ele achava de James Joyce, eleito “o maior escritor do século XX”. De maneira bastante irônica, própria, disse: “Um escritor que obriga o seu leitor a ler duas vezes (ou mais) a mesma frase para entendê-la não pode ser considerado bom. Essa é a minha opinião”. Talvez, essa afirmativa seja a resposta para a existência de livros impossíveis de se passar das primeiras páginas…
P.S.: Continuo na Colômbia, em Cartagena. Há uma parte da cidade, chamada Cuasco Antiguo, que é toda murada: casas coloridas, ruas limpas – em sua maioria – e bons restaurantes. Experimentei um exótico cheesecake de uísque, que estava muito bom, acreditem. Os insistentes vendedores ambulantes, que te agarram pelo braço oferecendo os mais estapafúrdios “regalitos” são um ponto negativo. O maior orgulho local é Gabo, por supuesto.

Yes, nós temos Godiva!

Caros amigos, pelos próximos dias este blog estará sem novas postagens. Estou, neste exato momento, no aeroporto da Cidade do Panamá, onde aguardo conexão para Cartagena de Índias -obrigações acadêmicas, apenas. É digno de nota que, em toda a área de embarque deste aeroporto, que é repleta de lojas de perfumes, bebidas, bolsas, roupas de grife, chocolates (Godiva, aqui no Panamá!) e afins, não há uma “bookstore” sequer!

As camadas de Carpeaux

Philosopher in Meditation , byRembrandt van Rijn, 1632

Pode parecer uma heresia, mas eu poderia dedicar todo o tempo da minha vida a conhecer, estudar e redescobrir a obra de apenas dois pintores: Rembrandt e Velásquez. Escrevo isso porque hoje é sábado, raro dia de ócio contemplativo, em que aproveito o dolce far niente para apreciar, sem pressa, o insuperável mestre holandês. É curioso como nesses momentos sempre rememoro um ensaio de O.M. Carpeaux, que falava das três “camadas” da arte. A primeira camada é constituída pelo ambiente social do artista e, por isso mesmo, está sujeita à dialética histórica. Já a segunda, diz respeito ao talento individual, às qualidades pictóricas, ao gênio do pintor. E a última, para citar Georges Braque, “é a arte em si, a arte que apresenta o aspecto visível de mundos invisíveis”. Ave Carpeaux!

Ecos de Marx

A edição deste mês da revista EntreLivros traz um interessante ensaio assinado por Umberto Eco. O escritor e também professor de semiótica na Universidade de Bolonha descreve o papel do jornalista em tempos de revolução digital. A internet, com a sua capacidade de difundir informação de maneira rápida e ampla pelo mundo, está provocando o arrefecimento do jornalismo informativo, que passará a ser, em grande parte, pelo menos, substituído pelo jornalismo opinativo. A argumentação é bastante simples: imagine que o presidente da Somália seja assassinado às 2h00, horário de Brasília. Nesse horário, a maioria das redações de jornais já “rodou” os seus exemplares, que não incluirão a notícia sobre o soberano somali. É óbvio que, alguns minutos após o ocorrido, a notícia já circula por todos os “sites” noticiosos da rede. Assim, não há sentido algum em repetir a tal informação no próximo número do jornal impresso, exceto se houver o comentário, a opinião do jornalista. Fico curioso em saber qual seria a opinião do velho Marx, que ao definir a história disse: “ (…) podemos concluir que a história em processo é a história dos homens, o modo como eles produzem socialmente a sua vida, ligando-se ou opondo-se uns aos outros, de acordo com a sua posição nas relações de produção, na sociedade e no Estado, e gerando, assim, os eventos e processos históricos que evidenciam como a produção, a sociedade e o Estado se preservam ou se alteram ao longo do tempo”. Bem unidos façamos/Desta luta a final/De uma terra sem amos/A Internacional…

Fuga de cérebros

Há alguns dias, os principais jornais do Brasil e do mundo alardearam os esforços que a União Européia empreenderá na tentativa de frear a fuga de cérebros para os EUA. As razões apontadas pela maciça debandada são a incapacidade de enxergar os cientistas como profissionais e não como eternos estudantes e, como não poderia deixar de ser, a baixa remuneração aliada a um futuro incerto. Um boletim da SBPC de 2005 já assinalara esses problemas. Conversando com um amigo brasileiro que vive em Amsterdã, percebi que há também outro problema: os holandeses – é claro que quando digo “holandeses” estou ciente de excluir os imigrantes, que são um problema à parte – se queixam do excesso de igualdade social. É, é isso mesmo! Para eles, a divisão de renda mais equânime, o acesso universal (e de qualidade) aos serviços sociais básicos e o elevado nível educacional, dentre outras benesses, provocam uma sensação de homogeneidade, de perda da individualidade (pasmem!) que é maléfica para a sociedade e desestimula a formação de cérebros privilegiados.Vai entender esse mundo…

A crise de Foucault

Michel Foucault, na década de 80, deu uma palestra no Collège de France direcionada aos alunos que haviam terminado a graduação universitária. Salvo engano meu, a maioria da platéia era composta por estudantes das áreas de humanidades, mas o que foi dito serve para qualquer indivíduo recém-formado. Em seu discurso, Foucault definiu o termo “crise do conceito”. Tal idéia se baseava no grande aumento do conhecimento, que deveria ser assimilado durante a graduação, em seu currículo obrigatório. No entanto, ao entrar em contato com o imenso volume de informações, o aluno tornava-se incapaz de apreendê-lo em sua totalidade e estabelecer relações profícuas. Segundo o filósofo, o verdadeiro aprendizado teria de surgir após o término da faculdade, quando o bom profissional entraria na chamada “crise do conceito”. Por exemplo: o que significa dizer que as peças de Samuel Beckett são minimalistas? O que é minimalismo? Como o construtivismo russo pode se relacionar com Beckett (se é que se relaciona)? Na área médica, as perguntas “críticas” seriam outras: o que é febre? É somente a medida da temperatura axilar acima de 37,50 C ? . Por isso, sem nenhuma intenção de ser preconceituoso, perguntaria: será que nosso ilustre Luis Inácio Lula da Silva possui ferramentas mentais para entrar na “crise do conceito” do governante?

Cri-cri

É muito comum que nós tenhamos idéias, impressões e noções a respeito de uma série de coisas, embora nem sempre sejamos capazes de definí-las em palavras. Quando alguém pronuncia a palavra “médico”, por exemplo, é certo que evocaremos a figura de uma pessoa de branco, com um olhar entre o severo e o bondoso, que pode aliviar o sofrimento das pessoas e, quando possível, curá-las. Mas qual é a idéia que se forma em nossa cabeça quando pensamos no papel do crítico? Qual a sua função? Ele tem alguma serventia? A palavra “crítico” se enquandra naquelas de díficil definição. Gosto de uma definição citada pelo Jean Claude Bernardet que li em algum número dos Cahiers du Cinéma: “A função do crítico não é trazer numa bandeja de prata uma verdade que não existe, mas prolongar o máximo possível, na inteligência e na sensibilidade dos que o lêem, o impacto da obra de arte”. O próprio Bernardet disse: “Em hipótese alguma, a crítica – a que pratico – tem caráter normativo: não julga, não avalia, não analisa, não compreende fora das propostas que faz a obra. (…) Crítica é pôr a obra em crise. E pôr em crise a relação da obra com outras obras. A relação do autor com a obra. A relação do espectador com a obra. A relação do crítico com a obra”. Fiquei satisfeito, embora conheça outras opiniões um pouco divergentes. E viva o bom crítico!

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