Borges, além do escritor
Jorge Luis Borges lecionou Literatura Inglesa na Universidade de Buenos Aires. Suas “clases” viviam lotadas de ouvintes, hipnotizados pelas palavras do mestre argentino que, sem nenhum esforço, por meio de sua prosa fluente, com pitadas de ironia e, possivelmente, de pequenas meias-verdades, mantinha a platéia entretida por mais de três horas consecutivas. Para despertar um pouco a inveja do caro leitor, uma de suas aulas, ministrada em 16 de novembro de 1966, teve como tópicos: “Vida de Samuel Taylor Coleridge. Un cuento de Henry James. Coleridge y Macedonio Fernandez comparados. Coleridge y Shakespeare. In Cold Blood, de Truman Capote”. A aula se iniciou da seguinte maneira: “Uma das obras mais importantes de um escritor – quiçá a mais importante de todas- é a imagem que deixa de si mesmo na memória dos homens, muito além das páginas escritas por ele”. Sorte dos que puderam estar entre seus alunos, que tiveram o privilégio de captar a imagem de Borges além do escritor…
Discussão - 6 comentários
Para mim é muito forte a idéia do Borges cego, da ironia da vida. Li uma vez que ao ganhar umas enciclopédias, ele disse que podia "sentí-las", tocá-las, mas...
Caro Anônimo, veja mais panglossianamente: foi a cegueira de Borges que nos deu um Alberto Manguel, que ainda pré-adolescente lia para Borges os seus autores prediletos: Shakespeare, Wordsworth, Coleridge, Homero, dentre outros.Esse ofício, sem sombra de dúvida, forjou Manguel. em segundo lugar, a alteração da visão fez com que Borges nos presenteasse com o seguinte poema: “(...) Pedir que não anoiteçam meus olhos seria loucura; sei de milhares de pessoas que vêem e que não são particularmente felizes, justas ou sábias (...)”. Escreveu ainda em seu livro de poemas “A Rosa Profunda”: “(...) Não sei qual é o rosto que me mira/(...)Mas penso ainda nas letras e nas rosas/Penso que se me visse a face clara/Saberia quem sou na tarde rara”.Ele, sem visão, era melhor que muito lince por aí...
aula imperdível!
João Cabral de Melo Neto também ficou cego. Acho que não pode haver maior ironia e castigo do que esse para um escritor, para alguém que ama a leitura acima de todas as coisas.
Acho castigo um palavra muito forte. Por que ele teria que ser castigado? Foi uma doença que poderia ter acontecido com qualquer pessoa, como gari, encanador, lavrador, advogado,...
o importante é que ele reafirmou a potência da vida quando nos brindou com belos trabalhos "mesmo estando cego".