“Sou ateu”

Acabo de ler no caderno “Aliás” do Estadão de hoje matéria da jornalista Patrícia Campos Mello. O título escolhido não poderia ser melhor: “Ateus saindo do armário? Graças a Deus!”. O artigo comenta a declaração do deputado americano Pete Stark, da Califórnia, que foi o primeiro político da História a declarar publicamente: eu sou ateu. Nunca antes a sociedade dos EUA foi tão reacionária e fortaleceu tanto as organizações da direita cristã como no governo Bush. Dessa maneira, a declaração de Stark foi vista com entusiasmo pelos mais de 30 milhões de americanos ateus (14% da população) que se sentiam sufocados pelo discurso criacionista fanático, responsável pelo retrocesso na pesquisa com células-tronco e pela disseminação da abstinência sexual como método anticoncepcional, sem falar da negação das teorias- mais que certas – de Darwin. O grande problema criado pela declaração, paradoxalmente, foi a debandada, de dentro do armário, de alguns ateus radicais, evangelistas da não-religião. Esse ateus xiitas podem pôr tudo a perder, talvez. Torço (pois não rezo) pelo contrário. Que Darwin nos salve!

A boa dor de Heine

Heinrich Heine, litografia, 1851

Recebi dois e-mails comentando o “post” anterior. Fui indagado a respeito da emoção provocada pela língua pátria. Escreveu o missivista: “Sou brasileiro e fiquei muitos anos vivendo no interior da Austrália, em Darwin, Northern Territory. Lá a população era muito miscigenada, com muitos asiáticos. Falava inglês a maior parte do tempo e nas raras ocasiões em que encontrei brasileiros, começava a falar o português desenfreadamente e me sentia feliz, renovado por falar a minha verdadeira língua. Isso tem a ver com o pensamento? (…)”. Acho que a melhor resposta para essa pergunta já foi respondida pelo poeta alemão Heine: “Quando escuto falar alemão,/Sinto uma emoção diferente./Me parece que o meu coração/Sangra deliciosamente.” O último verso exigiria algumas elucubrações que prefiro deixar para cada um de vocês. Até!

Como você pensa?

A linguagem pode ser entendida como um processo mental de manifestação do pensamento. Para alguns ilustres estudiosos da linguagem, como Wittgenstein e Nietzsche, por exemplo, a linguagem mal utilizada pode criar problemas filósoficos e, mais importante ainda, desnudar a maneira como o falante organiza e estrutura o seu pensamento. Há outra conseqüência que pode ser facilmente apreendida: cada idioma produz indivíduos com maneiras particulares de pensar. É fácil perceber isso por meio de comentários bastante comuns: “o alemão é muito frio, direto ao falar”; “o inglês é objetivo”; “o espanhol é muito prolixo”; “os orientais têm um jeito muito diferente de pensar e é por isso que eles são bons em matemática e desenho”, dentre outros. Essas observações me vieram à cabeça ao ouvir o dinamarquês, o norueguês e o sueco durante a minha viagem pela Escandinávia. Ficava tentando descobrir alguma excentricidade ou particularidade que pudesse justificar a maneira de ser, de agir, de raciocinar desses povos. Curiosamente, lendo J.L.Borges ontem, após uma ida à magnífica e tumultuada nova-velha Livraria Cultura, encontrei as seguintes palavras: “Nada sabemos sobre a sua origem (da linguagem). Sabemos somente que se ramifica em idiomas e que cada um deles consta de um vocabulário indefinido e mutável, e de uma qualidade imprecisa de possibilidades sintáticas”. Gracías, Borges.

Knut Rumohr: nem mais uma palavra

A xilogravura é técnica bastante antiga, precursora do famoso e simples carimbo. Utiliza a madeira como matriz e, uma vez o trabalho de entalhe pronto, é só vislumbrá-lo na folha de papel ou outro material escolhido pelo artista. Foi um de meus primeiros contatos com a arte, ainda criança, a xilogravura. Lembro-me de minha fracassada ousadia até hoje: fazer uma xilogravura com os jardins, em perspectiva, é claro, do Museu do Ipiranga. Esse episódio me veio à cabeça após visitar uma exposição de xilogravuras do artista norueguês Knut Rumohr, em Bergen (KNUT RUMOHR,1916 -2002,WOODCUT AND XYLOGRAPHY, Bergen Kunst Museet). Poucas vezes me emocionei tanto com o trabalho de um artista. O trabalho acima, de 1946, intitula-se “Leito de morte” e serve de ilustração para a capa do catálogo da exposição que acabei, inadvertidamente, adquirindo em norueguês, língua que não domino. Isso está me proporcionando uma interessante experiência e me fazendo refletir se o texto cabe ou se tem alguma importância na arte, se há espaço para a narrativa nas artes plásticas. Ainda não tenho uma opinião definitiva mas, por ora, ao folhear as páginas do catálogo, acredito que toda palavra seria um excesso, supérflua e desnecessária.

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