No tempo do agora
Casal de camponeses
Vincent Van Gogh
Jean Baudrillard saiu da minha estante hoje. Não abria as páginas de “O sistema dos objetos” desde 1997, conforme última anotação, a lápis, nas páginas derradeiras do livro. É curioso como me surpreendo, de tempos em tempos, com pequenas notas por mim feitas no momento da leitura. Algumas tornaram-se ininteligívies, pois temos – ou o tenho eu – o costume de acreditar que, as ideias e relações estabelecidas naquele particular momento, serão para sempre imortalizadas em nossa memória. No livro de Baudrillard, li a seguinte nota: “revolução industrial; sol; tez.” Não sem esforço, pude rememorar o significado daquelas palavras. No período pré-revolução industrial, a economia era essencialmente agrícola, o que tornava a tez dos donos dos meios de produção nada ou quase nada bronzeada, pois mantinham-se abrigados do sol enquanto os camponeses sofriam a agressão direta dos raios ultravioleta. Com o advento das fábricas, tornou-se necessária a imediata diferenciação entre o dono do capital e os seus subordinados. Pois eis que não se inverteram os papéis mas se inverteu a tez: nas fábricas, onde chegavam pela madrugada e só saiam quando a noite já havia avançado, os trabalhadores empalideceram. Por outro lado, os burgueses (não me recrimine pela palavra, caro leitor) se postaram ao sol. Na mesma página, outra anotação, mais prolixa: “As sociedades, desde tempos imemoriais, sempre estabeleceram meios de tornar patente a existência de categorias hierárquicas.” Lembrei-me bem o que quis dizer. No tempo do agora, é o consumo que, fetichizado, estabelece a hierarquia. No tempo do agora. Infelizmente.
Discussão - 7 comentários
Essa tendência à hierarquização da sociedade seria necessária para o estabelecimento da paz? Única forma de uma sociedade prosperar, a paz necessita de uma caracterização clara dos papéis sociais.
No tempo do agora, a máxima é:
"Consumo, logo existo".
Prezado Karl,
será que os Anarquistas concordariam com você?
Abraço, Amigo de Montaigne.
Quero saber se você concorda. Pelo que sei, tens a tez bastante bem bronzeada...
Mas será que é só "agora"? O "consumo conspícuo" sempre foi um indicador de proeminência social (daí o ouro dos faraós, o harém dos califas, e o arminho dos reis medievais). O que a revolução industrial e o aburguesamento da sociedade fizeram foi, apenas, democratizar o acesso a essa forma específica de auto (e sócio) afirmação.
Estou mais para vampiro...
Caro "Cretinas",
você tem plena razão. Eu escrevi "as sociedades, desde tempos imemoriais, sempre estabeleceram meios de tornar patente a existência de categorias hierárquicas."
Mais que o ouro dos faraós, os casamentos consanguineos mantinham o status quo, por exemplo.
Obrigado pela visita!
Abs, Amigo de Montaigne.