E do entendimento fez-se o silêncio

Hilda Hilst, Casa do Sol, 2004. Foto de Eder Chiodetto.

Desde o oráculo de Delfos, o “conhece-te a ti mesmo” foi dito e redito das mais poéticas e líricas maneiras. Gosto, especialmente, da forma que ouvi de Hilda Hilst: “Sou eu esta mulher que anda comigo…?”. Ainda que petulante, ousaria modificar a inscrição grega para “conhece a tua infância e conhecerá a ti mesmo”. Ora, dirão os mais atentos leitores, mas eis, justo aí, a sacada genial de Freud – nada de novo sob o sol. O recém-lançado – e primeiro – livro de contos de Milton Hatoum, “A Cidade Ilhada”, é a mais límpida síntese desse pretenso aforismo. É o cavoucar da infância, dissecada com os olhos do homem já maduro, que possibilita a catarse do menino crescido. E, se não produz a redenção, a compreensão da própria arquitetura psíquica está garantida. O bom escritor só escreve até atingir esse clímax catártico. Aqui, obrigatória se faz a lembrança de Raduan Nassar. E compreende-se, acredito, a atitude de reclusão do autor de Lavoura Arcaica – não há mais nada a dizer; André já disse tudo. Assim como a própria Hilda, que se refugia, calada, na Casa do Sol, em Campinas. Vítima de Apolonio de Almeida Prado Hilst, seu pai, Hilda encontra a si mesma por meio de seus versos. E cala-se. Será que continuaremos sem compreender a importância da infância até que ela nos exija maiores explicações ?

“Ab manu”

Cyro dos Anjos. Fotos do Acervo Museográfico de Escritores Mineiros da UFMG.

Cada vez que calha, a releitura de O amanuense Belmiro é um verdadeiro deleite. Obra do mineiro Cyro dos Anjos, poucos livros são tão bons e tão negligenciados pela crítica, exceção aqui feita ao mestre Antônio Cândido. Dele são as palavras “livro que lida com os problemas do homem num tom de tal modo penetrante que autor e leitor se identificam, num admirável movimento de afinação”. Não por acaso, são sempre pertinentes as citações de Montaigne feitas por Belmiro ao longo de sua espécie de diário. Nas páginas dessa deliciosa obra é que encontrei a explicação do fascínio exercido pelo romance em minha frágil, quase humana, arquitetura interior. “(…) Dentro do nosso espírito as recordações se transformam em romance, e os fatos, logo consumados, ganham outro contorno, são acrescidos de mil acessórios que lhes atribuímos, passam a desenrolar-se num plano especial, sempre que os evocamos, tornando-se, enfim, romance, cada vez mais romance. Romance trágico, romance cômico, romance disparatado, conforme cada um de nós, monstros imaginativos, é trágico, cômico ou absurdo.” Mas há ainda mais, além das linhas acima, que nada fica devendo a Machado ou a Gide. Enquanto bebe alguns muitos chopes com o amigo, diz Belmiro “entretanto, fiquei em boa forma e isso me fez pensar que a embriaguez depende, não da quantidade de álcool ingerida, mas do estado sob que a ingerimos”. Quais serão os estados mais propensos à embriaguez?

O primeiro post

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Destino cruel

Edward Hopper

Tive a dica de leitura no ótimo Cultural Amnesia, de Clive James. Há um verbete endereçado a Heda Margolius Kovály e uma espécie de resenha sobre a sua autobiografia Under a cruel star: a life in Prague 1941-1968. Fiz a encomenda pela Amazon. Nada mais oportuno que a sua leitura para aqueles que viram em Gaza “um novo Holocausto”. Nada mais absurdo que tal ingênua – ou mal-intencionada – comparação. Algumas passagens. No gueto de Lodz, um médico judeu tenta confortar pessoas doentes: “His mother, so thin that she herself looked like a child, was crying quietly in the corner. The doctor took out his stethoscope, listened for a while, patted the little boy’s head and sighed; he could do no more. At that moment, the child turned toward his mother and sternly, like a adult, said, ‘You see Mother? I told you all the time I was hungry but you give me anything to eat. And now I’m going to die.'” Mais adiante, durante um incêndio no gueto, Heda tenta remover o seu primo tuberculoso, fraco, então um menino com dezesseis anos de idade, que, apesar de sobreviver ao incêndio, morre três semanas depois: “My mother prayed, but I could not see the point of pleading with God for someone who had to die at the age of sixteen after so much suffering. There is nothing more senseless, more cruel, than dying before we have become guilty of sins that might justify death.” Seria possível seguir o conselho horaciano de manter a mente tranquila na adversidade*?

(*Aequam memento rebus in arduis servare mentem)

Antes mi nonino, jefe!

Para quem ainda acredita que é impossível ser intenso e sensível em poucas palavras, segue o esplêndido miniconto de Daniel Piza. Lembrei-me de Uma vela para Dario, de autoria do vampiro de Curitiba.

O advogado viu o sinal amarelando e entendeu que deveria acelerar o carro em vez de reduzir. O motoboy na perpendicular entendeu o mesmo. Pou!!! O motoboy foi jogado a uns dez metros de distância, deu um grito e ficou gemendo. O advogado, com mãos e pernas tremendo, foi até ele entre irritado e comovido. Ajudou a tirar o capacete e o reconheceu: era o boy do escritório, o Pulga, que o olhava com raiva. Imediatamente o advogado olhou para os envelopes pardos que se espalharam pelo asfalto. De um deles escorregou um contrato que tinha sua assinatura. “É pra ontem!”, gritara ao entregá-lo ao Pulga naquela manhã. Virando o rosto de volta para ele, por uma fração de segundos torceu para que não fosse nada e ele se levantasse e continuasse o serviço do dia. Afastou o pensamento chacoalhando a cabeça e estendeu a mão para Pulga, que segurava o tornozelo fraturado e urrava de dor. “Vem, te levo pro hospital.” Pulga se esforçou para levar a mão para dentro do casaco, pegou o celular e o estendeu ao advogado: “Doutor, liga pro meu pai primeiro.”

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“La nuestra cabeza”

Pergunta que me fizeram e que repasso a vocês. Por que, apesar de todos os recentes avanços da neurociência – descoberta dos mecanismos moleculares de formação da memória, plasticidade neuronal induzida por aprendizado, mapeamento do metabolismo cerebral durante a execução de tarefas motoras ou, mais incrível ainda, por apenas imaginar-se executando determinada tarefa – a psicanálise sobrevive mais forte que nunca?
Bom final de semana. Por una cabeza.

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Embriagado

James Ensor, Los borrachos, 1883

“Gostaria tanto de preservar minha educação puramente humana, mas o saber não nos torna melhores nem mais felizes. Sim! Se fôssemos capazes de compreender a coerência de todas as coisas! Mas o início e o fim de toda ciência não estão envoltos em obscuridade? Ou devo empregar todas estas faculdades, estas forças, esta vida inteira, para conhecer tal espécie de inseto, para saber classificar uma determinada planta na série dos reinos?” (Heinrich von Kleist, Lettre à une amie).

Algo tão antigo e tão atual. O desafio está lançado: pescar conhecimento em meio a um mar de informação. E mais: identificar a relevância daquele conhecimento – saber classificar insetos? E de quem é essa função de orientar as nossas escolhas para que elas sejam “relevantes”? Dos pais? Da escola? George Steiner decretou a morte dos humanistas. Nada mais de beber em Shakespeare, Montaigne, Bacon, Dante, Emerson. Beber, a partir de hoje, só literalmente.

Sábado com T.S. Eliot

– Você sabia que a Cris está fazendo o curso de leitura dinâmica? Ela disse que são 200 páginas em 10 minutos!
– Mas, e aí? Será que dá pra absorver tudo?
– Ela acha que quase tudo. Também, imagina tudo que ela tem que ler pra ‘facul’? Tô pensando em fazer. O professor de civil deu um livro de mais de 300 páginas, fora os textos que comentam o livro.
Foi esse o diálogo que presenciei ontem enquanto perambulava pela Livraria Cultura, na avenida Paulista. O casal de namorados, “look” mauricinho e patricinha, folheava algum livro que não me lembro qual – não reparei, essa é a verdade. Voltei para casa com as palavras de T.S. Eliot na cabeça: “Onde está o conhecimento que perdemos na informação? Onde está a sabedoria que perdemos no conhecimento”.
“Duzentas páginas em 10 minutos”. Nada mal.

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Imagem é tudo?

Los desastres de la guerra, plate 36, Goya, Tampoco 1812-15
Gaza. Mais uma vez. Nas últimas duas semanas, passou-se a alardear o atual conflito como uma “Guerra de Marketing” cujos vencedores são conhecidos desde o início: os palestinos. Há imagens dramáticas veiculadas reiteradamente em todo e qualquer instrumento da mídia que privilegiam a exibição de crianças muçulmanas mortas carregadas por seus atordoados pais. Será a fotografia um meio capaz de influenciar a opinião mundial a tal ponto que torne-se clara a dicotomia entre “israelenses bárbaros” e “palestinos massacrados”? Susan Sontag – que falta ela nos faz! – diz: Fotos aflitivas não perdem necessariamente seu poder de chocar. Mas não ajudam grande coisa, se o propósito é compreender. Narrativas podem nos levar a compreender. Fotos fazem outra coisa: nos perseguem. (…) Na verdade, a foto nos revela muito pouco – exceto que a guerra é um inferno e que rapazes bonitos armados são capazes de chutar a cabeça de mulheres velhas e gordas que jazem indefesas, ou já mortas. (Diante da dor dos outros, Cia. das letras, 2003). A narrativa produz a compreensão. Nos atuais tempos, em que não se lê, apenas “folheiam-se” revistas, jornais e, quase nunca, livros, a imagem é a narrativa. Eis a sórdida armadilha…

Luto

Em tempos de Guerra, em que o judeu Caio Blinder defende a invasão de Gaza e o descendente de libaneses Milton Hatoum fala em “Shoá infantil” na Palestina, parcialidade de opinião é a tônica. Há informação imparcial? Seria a imparcialidade um desejo sempre adiado em se tratando de conflitos entre seres humanos, de ciências humanas? Para Karl Mannheim, o contexto social molda as nossas opiniões e descarta a filosofia, que exige, nas palavras de Hannah Arendt, o “isolamento do eu”, posto aqui que isolamento e solidão não são sinônimos na dialética arendtiana. Estou a procura de uma teorização mannheiniana ou filosófica isenta o bastante para enxergar melhor o atual conflito entre árabes e israelenses. Ainda não a encontrei. Certo está que ambos os lados são perdedores. Não há vitória quando pais choram a morte de filhos, sejam eles muçulmanos ou judeus. Blog em luto.

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