Férias

Montreal, Canadá

Caros amigos, estou de malas prontas. Viajo hoje para Montreal, onde terei um compromisso científico de quatro dias e, depois, férias. Aproveitarei para conhecer Ottawa e a região de Quebéc. Na mochila, já está o novo e enxuto – pouco mais de 100 páginas – livro do Alberto Manguel, “A cidade das palavras”, além de “História universal da destruição dos livros”, de Fernando Báez. Em ambas as obras existe a oportunidade do leitor ser apresentado a Gilgamesh, considerada a mais antiga epopéia, a mais antiga história contada. É evento raro a sua citação, diferentemente da “Ilíada” e “Odisséia” e, até mesmo, da “Eneida”.

Espero, ao voltar, que a turbulência da Bolsa já tenha passado, que a Bolívia de Morales tenha se acertado pacificamente e que o técnico da seleção brasileira seja outro. Será que estou pedindo muito?

“Shall memory restore
The steps and the shore
The face and the meeting place;”
(W.H. Auden)

Cinco canções

Tadashi Asoma

Fazer “listas” é um prazer doído, uma vez que, invariavelmente, esquece-se de alguém. De qualquer modo, cito aqui cinco composições que julgo ser meu dever preservar-lhes a memória. Acrescento o “duo” de intérpretes favoritos para cada uma delas segundo o meu gosto.
1- Canção da manhã feliz, de Haroldo Barbosa e Luís Reis na interpretação de Nana Caymmi e Miltinho
2- Chão de estrelas, de Sílvio Caldas e Orestes Barbosa na interpretação de Nelson Gonçalves e Raphael Rabello
3- Medo de amar, de Vinícius de Moraes na interpretação de Tom Jobim e Paula Morelenbaum
4- Que reste-t-il de nos amours, de Charles Trénet na interpretação magistral de Henri Salvador e Rosa Passos
5- Pedaço de mim, de Chico Buarque na interpretação do próprio Chico e de Zizi Possi.

Cinco.Só cinco. É uma pena.

Conceição

Encontrei Conceição hoje. Como sempre, estava bem arrumada, maquiada, cabelo preso. Assim que me viu, abriu o seu largo e gentil sorriso e me deu o seu cordial bom dia. Negra, não deixa evidente os seus mais de sessenta anos. É telefonista. Passa o dia a fazer ligações a pedido de gente graúda. Reza a história que não conhece o mau humor. É pá-pum, batata: vejo Conceição e lembro-me imediatamente de Ella Fitzgerald e de Manuel Bandeira. A alegria, a vitalidade, o alto astral de Ella. Isso é Conceição. Do tuberculoso escritor, invadem o meu pensamento os versos de “Irene no céu”: Irene preta/Irene boa /Irene sempre de bom humor./ Imagino Irene entrando no céu:/ — Licença, meu branco!/ E São Pedro bonachão:/ — Entra, Irene. Você não precisa pedir licença. Conceição também é isto: Irene adiada. Tenho fé em descobrir, além de toda sociologia, para lá de qualquer antropologia, o que faz, apesar de toda força em contrário, de algumas pessoas Conceição, Irene e Ella. Que não demore muito, Amigo de Montaigne! Tempus fugit.

Síndrome de Ronaldinho

Garoto do Haiti, Word Press, Aloisio Milani
Após o desempenho pífio da delegação brasileira na Olimpíada, fui aos jornais do dia. Encontrei os dizeres do cineasta João Moreira Salles registrados no Estadão de hoje: “Somos tropicais com veleidades de seres temperados. Disso pode resultar pessoas pouco à vontade na própria pele, como alguém que falasse um idioma que aprendeu tarde e não é sua língua nativa”. Diria que somos colonizados com ambição de colonizador, o brasileiro que se queria inglês ou alemão. É dessa falta de identificação consigo mesmo que o Brasil é vítima e carrasco ao mesmo tempo. Sofremos da síndrome de Ronaldinho. Nós, mestiços, pardos, negros, preferimos nos declarar brancos e, como se isso não bastasse, lastimar por aqueles que têm um pouco mais de melanina. Nossos vizinhos argentinos não ficam muito atrás. Beatriz Sarlo declara o argentino como protagonista do trágico tango de Gardel, alguém fadado a sofrer porque imagina alcançar a redenção pelo sofrimento. E, como não atinge o seu objetivo, prefere se declarar “o europeu da América” a assumir a sua condição tropical. Tristes trópicos…O Big Ben é aqui. O Big Ben não é aqui.

Puccini na Amazônia- “Che calda manina”

Caros amigos, acabo de chegar de Belém, onde estive a convite para falar de assuntos relacionados às neurociências. A quente e úmida capital paraense possui alguns excelentes restaurantes (Lá em casa, Don Giuseppe e Manjar das Garças, para citar os que mais me impressionaram) e ótimos sorvetes. De resto, é uma cidade bastante castigada pela desigualdade social que, fruto do coronelismo que ainda custa caro à vida de muitas pessoas, há décadas empresta uma aparência de projeto urbanístico inacabado. Tive a oportunidade de ir ao Theatro da Paz, orgulho compreensível da população local, e fui presenteado por uma arrebatadora e técnica La bohéme, capaz de surpreender até o mais exigente dos críticos. A apresentação fez parte do II Festival Intenacional de Ópera da Amazônia. Rodolfo foi representado pelo tenor Atalla Ayan – que, apesar do nome, é paraense -e nada ficou devendo ao grande Pavarotti (não me venham vocês com Plácido & cia.). Sem exageros.

Andar pelas ruas de Belém me deixou triste. As oligarquias políticas ainda governam e condenam à miséria a maior parte do Brasil. “O resto é silêncio”.

Fantasma angustiado

Caros fiéis leitores, o trabalho me manteve afastado deste blog por alguns dias além do habitual. Estive em Buenos Aires e, entre um compromisso e outro, aproveitei para reler O Coração das Trevas, que havia lido há muito tempo. O meu livro predileto de Joseph Conrad não é esse, mas A Linha de Sombra. Decide tomar Conrad entre os dedos novamente após a leitura da última obra de Philip Roth (Fantasma sai de cena, Cia. das Letras), que faz muitas alusões e referências ao escritor polonês. Em meu velho exemplar sublinhara as seguintes passagens ditas pelo capitão Marlow:
“Não gosto de trabalhar – homem algum gosta – mas gosto daquilo que está no trabalho, – a chance de se descobrir. Sua própria realidade – para vocês mesmos, não para os outros -, aquilo que nenhum outro homem jamais pode saber”
“Até mesmo o sofrimento extremo pode acabar se transformando em violência, mas é mais comum que assuma a forma de apatia…”
“Coisa engraçada é a vida – misterioso arranjo de lógica implacável para um propósito frívolo. O máximo que você pode esperar dela é algum conhecimento de si mesmo … que chega tarde demais… e uma colheita de arrependimento sem fim. Eu já havia lutado contra a morte. É a batalha menos interessante que se pode imaginar…”
“E talvez aí esteja a grande diferença; talvez toda a sabedoria, toda a verdade e toda a sinceridade estejam comprimidas naquele intervalo de tempo imperceptível em que transpomos as fronteiras do invisível”
Conrad. Joseph Conrad.

Era uma vez um mundo tão próximo…tão longe

Fui ao cinema. Além do novo Batman, também assisti a Era uma vez…, novo filme de Breno Silveira, o mesmo diretor do maior sucesso de bilheteria nacional, “Dois filhos de Francisco”. O filme é bom e é ruim. Bom porque escancara toda a podridão da conivência das “autoridades” policiais com o tráfico de drogas dos morros cariocas. Ruim porque não é novidade. Bom porque, como disse Zuenir Ventura no Estadão de ontem, demonstra que “o carioca das classes médias persiste, intimamente, no sonho de ‘solução final’. Sonha com o Exército que sobe, a polícia que atira e o confronto que consumará o fim. Não é por maldade ou patologia. É por medo e insegurança”. Ruim porque o faz de maneira muito esquemática, didática ao extremo. Bom porque enxerga na cultura uma última – e talvez única – tentativa de unir dois mundos que estão tão distantes estando tão próximos. (A faxineira, o copeiro, o motorista, o balconista da padaria e do açougue, a manicure, o ascensorista, o zelador do prédio, todos empregados na zona sul, moram nos Morros invisíveis). Ruim porque Shakespeare já escreveu “A Tragédia de Romeu e Julieta” de forma original e definitiva, sem possibilitar qualquer condescendência com releituras tupiniquins previsíveis e, pior que o novo Batman, inverossímeis. (É característico, além de esperado e desejável, que os filmes de super-heróis sejam inverossímeis, pois eis a graça). Voltemos a Zuenir. Ele tocou no termo “solução final”, que causa arrepios a qualquer pessoa minimamente informada, mas, tal como boa parte da população alemã à epóca de Hitler, tenta justificar a conduta dos cariocas dizendo que o desejo por tal solução não é motivado por maldade, mas por medo. Respondo ao autor de Cidade Partida com os últimos dizeres de Sartre emA Questão Judaica“: Nenhum francês estará em segurança enquanto um judeu, na França e no mundo inteiro, puder temer pela própria vida.

Impotência e incontinência

As quatro idades da vida, Edvard Munch, 1902

Dizem que há idade mínima para se escrever um romance. Os jovens, teoricamente, “não viveram o suficiente”, signifique isso o que quer que seja. Parece que somente após os 40 anos os bons romancistas afloram. Claro está que os poetas já nascem prontos, vividos, experimentados, como nos provam Rimbaud, Carpinejar e Plath, dentre muitos outros. Este final de semana, entre a tediosa leitura dos jornais e a audição de um pouco de chanson française, peguei-me pensando no oposto: há uma idade máxima, além da qual não deveria mais se escrever romances? Acredito que a motivação dessa indagação tenha sido alguma de minhas leituras recentes. Philip Roth, por exemplo. O seu último romance, “Fantasma sai de cena”, faz com que terminemos a última página do livro com a seguinte impressão: nós, homens, estamos fadados ao mesmo fim nada glorioso. Impotência e incontinência. Toda a sua vida será resumida e absorvida por essas duas condições. Feliz daquele que atingir idade suficiente para ter esses problemas? Acho que, talvez, Roth tenha passado da idade de escrever romances. Aceito argumentos contrários, pois não estou totalmente convencido disso. Quem sabe não seja a hora de migrar para os ensaios, Roth? Outro que anda dando sinais de “idade-limite” é o Coetzee, mas não me alongarei. Veja por você mesmo folheando o Diário de um ano ruim. Encerro apropriando-me de uma citação de Nietzsche que encontrei no ótimo livro de Eduardo Gianetti (O livro das citações, Cia. das Letras ): “Os jovens amam o que é interessante e peculiar, não importa até onde seja verdadeiro ou falso. Espíritos mais maduros amam na verdade aquilo que nela é interessante e peculiar. Por fim, cabeças totalmente amadurecidas amam a verdade também onde ela parece ingênua e simples e é enfadonha para o homem comum, porque notaram que a verdade costuma dizer com ar de simplicidade o que tem de mais alto no espírito”. Incontinência e impotência: será essa a verdade a ser dita?

La mer

Ainda sobre “O escafandro e a borboleta”. A trilha sonora é primorosa. Charles Trénet e “La Mer” sempre fazem bem.

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Bom final de semana.

Cinco contos

Cedendo às solicitações de alguns frequentadores deste blog, optei por fazer uma curta lista dos cinco contos que, de alguma maneira, me pegaram pelas vísceras. Pois vamos a eles:

– “Hoje de madrugada”, de Raduan Nassar
– “Aí pelas três da tarde”, de Raduan Nassar
– “O ventre seco”, de Raduan Nassar
– “Os olhos dos pobres”, de Charles Baudelaire
– “A causa secreta”, de Machado de Assis

Para quem ainda não conhece Raduan Nassar, eis uma boa oportunidade. Eu, infelizmente, não terei o prazer de ler Raduan e os contos acima como se fosse a primeira vez.
P.S.: Obriguei-me a apenas cinco. É óbvio que a lista não é assim tão enxuta.

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