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21 de jul de 2009
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20 de jul de 2009
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Escola de Atenas, Rafael Sanzio, 1506-1510, Afresco (detalhe)
Alguns livros valem a sua leitura por uma ou algumas passagens memoráveis. F. Scott Fitzgerald, por exemplo. Se após a leitura do primeiro parágrafo do Grande Gatsby o leitor desistir de seguir adiante, valeu o pequeno esforço. Lá vai a prova:
In my younger and more vulnerable years my father gave me some advice that I’ve been turning over my mind ever since. “Whenever you feel like criticising any one,” he told me, “just remember that all the people in this world haven’t had the advantages that you’ve had”.
Agora, abra ao acaso qualquer página de qualquer obra de Dostoiévski. Os exemplos serão inesgotáveis. Crime e Castigo:
Aquele que tem consciência sofre reconhecendo o seu erro. É o castigo. (…) O sofrimento acompanha sempre uma inteligência elevada e um coração profundo.
Ainda:
Há no coração aquele vago sentimento de satisfação que ainda o homem mais compassivo não deixa de experimentar à vista da desgraça alheia.
Excertos sem fim. Caminhar, ainda que sem método, por uma livraria. Eis um de meus maiores prazeres.
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16 de jul de 2009
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Maurice Masques et bouffons
Recebi, na última semana, alguns e-mails pedindo a minha opinião sobre a coluna do Diogo Mainardi. Não li o tal texto aludido pelos missivistas eletrônicos, cujo teor parece ser uma crítica para lá de feroz ao recém-lançado livro Leite derramado, de Chico Buarque. Aprendi com Émile Faguet que, um crítico – Mainardi está mais para bufão do qualquer outra coisa, mas sigamos adiante – nunca deve ser lido antes da obra a que se refere. Caso contrário, nossos olhos são contaminados pelo olhar alheio; nossos julgamentos, medidos por parâmetros emprestados. Nossa sensibilidade é sequestrada e paralisada, engessada por uma razão que não é a nossa, não é genuína. No máximo, antes de nos entregarmos à nova leitura, devemos ler uma breve nota biográfica, histórica, sobre o autor. Serão os críticos irrelevantes? Não, definitivamente. Eles nos mostram idéias que não captamos, detalhes que esclarecem pontos até então obscuros. E, principalmente, incitam-nos à releitura. Mas lembre-se: só devem ser lidos depois de concluída a leitura. Li Leite derramado e encontrei qualidades. O lirismo de Chico, ainda que disfarçado por sua prosa, vale o tempo dispendido. Leiamos Antonio Candido, Otto Maria Carpeaux, Wilson Martins, Roberto Schwarz, Bento Prado Júnior. Mainardi, só na falta de uma bula de remédio melhor.
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9 de jul de 2009
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O assassino de poesias. Acredita ser alfabetizado, mas basta a leitura de um único verso para que se vislumbre o criminoso em ação. Incapaz de perceber as nuances da pontuação, o ritmo, a musicalidade artesanalmente lapidada, tece acusmas torturantes. É caso de homícidio culposo, sem intenção de dolo, pois não se enxerga um apedeuta absoluto. Quem melhor caracterizou esse tipo aversivo foi
Émile Faguet (1847-1916). Em seu livro “L’Art de Lire” (A arte de ler), no capítulo dedicado aos poetas, ele tenta reabilitar o leitor de poesias ao instruí-lo. “Os poetas propriamente ditos (…) devem ser lidos, primeiro, em voz baixa e, em seguida, em voz alta. Primeiro, em voz baixa, para que compreendamos seu pensamento, pois a maioria de nós, por força do hábito, não compreende mais do que a metade do que lê em voz alta. Depois, em voz alta, para que o ouvido se dê conta da cadência e da harmonia, sem que, dessa vez, o espírito deixe escapar o sentido, pois já o terá assimilado antecipadamente.” Não por acaso, Faguet termina sua obra dizendo que “a arte de ler é a arte de pensar com um pouco de ajuda”. E eu acrescentaria que a arte de bem ler poesia é a arte de pensar em sua máxima intensidade.
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28 de jun de 2009
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Meu amigo Pedro Maciel
A TRANSCENDÊNCIA DA CONDIÇÃO HUMANA, por Pedro Maciel
Ó minha alma, não aspira à vida imortal,
mas esgota o campo do possível.
Píndaro, Píticas, III.
Blaise Pascal (1623-1662) está inserido na história da ciência como um dos mais notáveis estudiosos de matemática e física. Precoce, aos 12 anos, Pascal escreve um tratado sobre “Acústica” e descobre a geometria até trigésima segunda proposição de Euclides. Aos 17, escreve o “Tratado dos Cones” e, aos 19 anos, descobre a prensa hidráulica. No ano seguinte, inventa a primeira calculadora, a “máquina de aritmética”, para ajudar o seu pai no trabalho. Em 1646 reproduz, com Pierre Petit, a experiência de Torriceli e faz experiências sobre o vácuo. É também conhecido como o precursor do cálculo infinitesimal.
Mas “Pensamentos” (Ed. Martins Fontes) é o seu trabalho mais genial, uma das obras-primas da literatura francesa. Pascal, admirador de Galileu e idealizador do primeiro sistema de ônibus parisiense, tenta justificar a fé pela razão. Deste livro é a célebre frase: “O coração tem razões que a razão desconhece”. O autor de “As Provinciais”, obra condenada por Roma em 1657, era militante do jansenismo, doutrina que pregava o rigor moral, e, por isso, manteve uma acirrada polêmica com os jesuítas.
“Pensamentos” é um conjunto de notas e rascunhos que deveria servir para a redação da “Apologia do Cristianismo”. Os escritos inacabados foram iniciados por volta de 1657 e só foram recuperados oito anos após sua morte em Port Royal. Ao escrever “Pensamentos”, Pascal não renega os seus interesses científicos, ao contrário, lança mão de um método lógico para explicar a fé e as exigências transcendentes da condição humana.
Segundo Gérard Lebrun, a originalidade do método adotado por Pascal surpreende, porque é um “método formado e testado ao nível das ciências exatas”. Lébrun, no livro “Blaise Pascal, Voltas, desvios e Reviravoltas”, Ed. Brasiliense (1983), relê o pensamento de Pascal e aponta os erros dos interpretadores em relação à obra do autor francês do século 17, interpretadores dos “falsos sentidos”, que não viram o “Pascal Moderno, no coração da idade clássica”, com seu “deus morto”. “E daí se seguiram todos os falsos sentidos. E nesse pensamento, que não é mais do que um circuito na beira dos abismos, só viram piedoso fervor”, diz Lébrun.
“Ao ler esses pensamentos fragmentados, temos de entender que estamos diante do grandioso e do provisório. Temos de ser capazes de ver, nos textos incompletos, nas frases interrompidas, na miscelânea dos assuntos, na brevidade das fórmulas, na desordem das citações, a mais profunda meditação que já se fez sobre as tensões que definem as relações entre o homem e a transcendência que o supera pelo terror, pelo temor e pela piedade. Se é inegável que o centro das preocupações de Pascal é a religião, afinal o objeto do livro que pretendia escrever, também é certo que a amplitude de sua reflexão atinge a dimensão da existência humana nos seus mais recônditos e difíceis aspectos, razão pela qual esses fragmentos falam a todos os seres humanos, que partilhem ou não a crença que inspirou Pascal”, anota Franklin Leopoldo e Silva no esclarecedor prefácio.
Pascal, ao fazer a apologia cristã, revela muito mais o saber universal e o conhecimento do que os fundamentos da religião. A verdade na língua do pensador é relativa: “Todos erram tanto e mais perigosamente quando seguem cada um uma verdade; o seu erro não está em seguirem uma falsidade, mas em não seguirem outra verdade”. Pascal defende que “quando não se sabe a verdade de uma coisa, é bom que haja um erro comum que fixe o espírito do homem…”
“Pensamentos” é um exercício extraordinário sobre a razão humana. Discurso fundamental para compreender o homem e a sua relação com Deus. Filosofia do espírito. Conversa dos deuses cartesianos? “Cada um forja um deus para si”. Experimentação do pensamento moderno: “Ao escrever o meu pensamento, ele me escapa às vezes, mas isso me faz lembrar da minha fraqueza de que me esqueço a toda hora, o que me instrui tanto quanto o meu pensamento esquecido, pois só busco conhecer o meu nada”. Um pensamento que deixa perplexo qualquer pensador.
* Publicado no caderno “Prosa & Verso”, Jornal O Globo
Pedro Maciel é autor do romance “A Hora dos Náufragos”, Ed. Bertrand Brasil. Segundo o poeta e tradutor Ivo Barroso, “Pedro Maciel nos faz acreditar na possibilidade de que a literatura brasileira possa ainda nos apresentar alguma coisa de novo que, curiosamente, remonta à própria arte de escrever: o estilo. Seu livro “A Hora dos Náufragos” nos perturba pela força de sua linguagem. O que há de mais próximo desse livro seriam os famosos “fusées” de Baudelaire”. Maciel é um dos autores da antologia de contistas brasileiros “Il Brasile per le strada”, lançada na Itália em 2009 pela Editora Azimut.
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20 de jun de 2009
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Extremamente ocupado, Pascal não me sai da cabeça…
“Pensamentos”, de Pascal; 47 (172):
Nunca ficamos no tempo presente. Lembramos o passado; antecipamos o futuro como lento demais para chegar, como para apressar o seu curso, ou nos lembramos do passado para fazê-lo parar como demasiado rápido, tão imprudentes que erramos por tempos que não são nossos e não pensamos no único que nos pertence, e tão levianos que pensamos naqueles que nada são e escapamos, sem refletir, do único que subsiste. É que, em geral, o presente nos fere. Escondemo-lo de nossas vistas porque nos aflige e, se ele nos é agradável, lamentamos que nos escape. Buscamos mantê-lo mediante o futuro e pensamos em dispor as coisas que não estão em nosso poder por um tempo ao qual não temos a menor certeza de chegarmos.Examine cada um os seus pensamentos. Vai encontrá-los a todos ocupados com o passado ou com o futuro. Quase não pensamos no presente, e se nele pensamos é somente para nele buscar a luz para dispormos do futuro. O presente nunca é o nosso fim.O passado e o presente são os nossos meios, só o futuro é o nosso fim. Assim não vivemos nunca, mas esperamos viver e, sempre nos dispondo a ser felizes, é inevitável que nunca o sejamos.
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5 de jun de 2009
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15. 05. 2009, Riga
A capital da Letônia possui pouco mais de 700 mil habitantes. Mais de 60% da população de Riga fala russo, fruto da inclusão, até 1991, na antiga URSS. O país sofreu muito. Ora na mão dos nazistas, ora na mão dos comunistas liderados por Stálin. Em 23 de agosto de 1939, em Moscou, foi assinado o pacto Hitler-Stálin, o que chancelou o massacre que seria cometido contra a população civil e militar, por alemães e russos, nessa ordem. Os melhores microfones do mundo são fabricados aqui, descubro. Há uma cidade velha, medieval, atapetada por paralelepípedos, com fachadas art nouveau, bastante agradável à vista.
Acabo de sair do “Occupation Museum of Latvia”. O registro de tamanhas atrocidades cometidas me deixa deprimido. Nem mil páginas da leitura de uma biografia isenta de Stálin são capazes de produzir o impacto da visita a esse museu.
Amanhã, à tarde, Tallinn nos aguarda.
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29 de maio de 2009
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Rembrandt, The Holy Family at Night, 1638-40
Van Gogh, The Starry Night, 1889
14. 05. 2009, Amsterdam
O dia está ensolarado. A temperatura, agradável. As charmosas pontes sobre os canais continuam a abrigar suas tantas bicicletas. Flores para todos os lados. Nas placas, muitas vogais. Museu Van Gogh – primeira parada. Além do acervo permanente, visito a exibição temporária “Van Gogh and the colours of the night”. Durante toda a sua vida, o pintor foi fascinado pelas cenas noturnas. A noite era o seu abrigo. Os demônios, para ele, desfilavam sob a luz do sol. O primeiro óleo da exposição é o que mais me fascina. “The Holy Family at night”, de Rembrandt. Sim. Um tributo ao seu ideal de ofício. Van Gogh sempre admirou e estudou as obras de seu conterrâneo e nunca o esqueceu de dizer. Tenho que me apressar. O voo para Riga sai em pouco mais de duas horas. Letônia, próxima parada.
P.S.: Li, há pouco, nota sobre o lançamento de livro sobre o episódio da orelha. Tentativa especulativa de um casal de estudiosos alemães de instaurar a tese definitiva de autoflagelação. Quanto vale uma orelha?
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12 de maio de 2009
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Caríssimos,
viajo hoje para os países bálticos e Rússia. Riga e Tallinn, capitais de Letônia e Estônia, respectivamente, e São Petersburgo e Moscou. Um pouco de trabalho, um muito de lazer. Assim como Hemingway, meu caderno de anotações Moleskine viajará comigo.
Até a volta!
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12 de maio de 2009
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Acabo de ler “My stroke of insight”. Escrito por Jill Bolte Taylor, ex-professora de neuroanatomia de Harvard, é o relato de sua recuperação após uma hemorragia cerebral no hemisfério esquerdo. Portadora de uma malformação vascular, o que significa um enovelamento congênito anormal entre veias e artérias enfraquecidas, e, por isso, com suscetibilidade aumentada a sangramentos, ela se viu, repentinamente, desprovida de sua capacidade de falar, ler e entender uma conversa qualquer. Por outro lado, ela foi “presenteada” por um hemisfério direito que podia agir sem qualquer “repressão egóica” que é normalmente exercida pelo hemisfério esquerdo. Para que possamos seguir em frente, uma rápida explicação: a metade esquerda do cérebro, em virtualmente qualquer indivíduo destro, é responsável pela linguagem, entendida como a capacidade de falar, compreender e ler, mas não só isso. É também a estrutura responsável por sabermos quem somos, onde vivemos, o que planejamos, o que é ontem, hoje e amanhã; traçar planos, elaborar uma idéia com começo, meio e fim; manter o nosso perene diálogo interno. Por sua vez, o hemisfério direito é intuitivo, capaz de apreciar, sem ter que explicar com palavras, a grandeza de um Rembrandt ou Van Gogh; é a metade direita que percebe o não dito durante uma conversa, que se emociona com Rachmaninoff. De maneira grosseira, poderíamos dizer que o hemisfério esquerdo é aquele que usamos no dia-a-dia, enquanto o direito é utilizado nos momentos de lazer; pensamos com a metade esquerda, “sentimos” com a direita. Pois é. Peguei-me pensando nessas diferenças ouvindo Jane Monheit. Tentei gostar de Jane Monheit, mas não consegui. Ela é extremamente técnica, fidedigna às notas e à partitura. Canta com o hemisfério esquerdo. Ella Fitzgerald e Billie Holiday davam um banho, eram quase só metade direita. Somos dois, pelo menos. Somos muitos. Haverá heterônimos que nos bastem, Pessoa?