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11 de nov de 2008
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Caros, acabo de regressar. Dias ensolarados, temperatura agradavél, ar com boa mas não exagerada umidade. Os portugueses são bastante solícitos e simpáticos. Acredito que, em certa parte, a nossa tão famigerada “simpatia” é herança de nossos colonizadores. O carioca, com o seu sotaque, nada mais fez que imitar o “chiado” da prosódia lusitana, desde tempos imemoriais. Uma clara tentativa de se aproximar da Corte, da Europa “civilizada”. Descobri algumas curiosidades perambulando e proseando pela Terrinha. Os azulejos, por exemplo. O hábito de construir casas e edifícios com azulejos decorativos em seus interiores é invenção portuguesa, mas o que eu não sabia é que os azulejos nas fachadas foram idéia nossa, da colônia, exportada, mais tarde, para Portugal. A explicação que me foi dada é que a temperatura no interior das casas da costa brasileira era abrandada pelo azulejamento externo. A outra descoberta é que o bacalhau, carro-chefe da culinária lusa e com receitas tão diferentes quanto saborosas, não existe como iguaria autóctone. Os bacalhaus portugueses são importados da Inglaterra, principalmente, e dos países escandinavos. Esse fluxo existe desde o século XIII e era a base de trocas comerciais entre a potência britânica e a terra das grandes navegações ultramarinas.
Bom, entre outras coisas, comprei alguns muitos livros de escritores lusófonos (Pepetela, Miguel Torga, Eça, os últimos do Saramago e do Lobo Antunes, coletâneas de contos) e uma tradução para o português de uma palestra proferida por Günter Grass intitulada “Escrever depois de Auschwitz”. Mas isso são assuntos para os próximos posts.
(Comi um ótimo bacalhau na brasa com batatas coradas no restaurante Valbom, em Lisboa. Me disseram que é o restaurante em que os exigentes portugueses comem o seu bacalhau fora de casa. Fui conferir. Quase não há turistas. Vale a pena. Termine o jantar com o liquor de Ginja).
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4 de nov de 2008
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Caros e seletos amigos, em poucos dias embarco para Lisboa. A previsão do tempo não está lá muito a me animar. Dias nublados, chuva em potencial. Portugal não é só bacalhau. Há ótimos vinhos, o famoso queijo Serra da Estrela, as queijadinhas de Sintra, o licor Ginja. Pessoa, Camões e Gil Vicente. Lobo Antunes, Inês Pedrosa e Saramago. A deliciosa língua portuguesa. Museus, pois sim. Há o indescritível Calouste Gulbenkian e uma exposição temporária de escritores portugueses, que me aguarda. Mas, acima de tudo, há o Tejo. E isso fala por si. Quanto ao clima algo desanimador, disse Pessoa: “Um dia de chuva é tão belo como um dia de sol. Ambos existem; cada um como é”.
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29 de out de 2008
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Mais vale asno que me carregue do que cavalo que me derrube! – no primeiro plano, Luís França e Maria Cristina de Castro
Hoje fui posto numa situação que não deveria ter sido tão constrangedora como foi. Conversando com um amigo, fui apresentado a um conhecido dele enquanto travávamos uma amigável discussão sobre a cultura ou a religião como freio moral: se não a cultura, dizia ele, pelo menos deve haver a religião para “segurar o povão”. Discurso manjado. Eis que, alguns instantes após a chegada do, para mim, até então desconhecido senhor, fui apresentado como um “ateu que sabia conversar”-sic. Com toda a sem cerimônia típica dos fanáticos religiosos, fui fulminado pelo olhar de raiva e desprezo motivado por minha crença – ou não crença, melhor dizendo. A partir daí, mantive-me calado. Seguiram-se quase 15 minutos de duras palavras contra “o meu egocentrismo, o meu saber pretensamente científico que não me permite enxergar que energias que não dominamos existem, forças que à razão humana não foram dadas conhecer”. Lembrei-me de um aforismo de Nietzsche, mas preferi não sacá-lo de meu coldre. Agora, apaziguada a emoção do momento, touché: “O Diabo tem as mais amplas perspectivas sobre Deus, motivo pelo qual se mantém tão afastado dele. O Diabo: o mais velho amigo do conhecimento”*. O Diabo que me carregue!
*Além do bem e do mal, aforismo 129.
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22 de out de 2008
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Nada anda esgotando mais a minha paciência do que o tal “caso de Santo André”. Se Debord estivesse vivo, muito das horas por ele gastas escrevendo A sociedade do espetáculo teria sido poupado. Walter Benjamin teria se suicidado ainda antes, caso houvesse presenciado as cenas. Nos últimos dias, não me sai da cabeça as primeiras palavras d’O Estrangeiro, de Camus: “Minha mãe morreu hoje. Ou talvez ontem, não sei bem. Recebi um telegrama do asilo: ‘Sua mãe falecida. Enterro amanhã. Sentidos pêsames’ “. Talvez, nada haja de mais absurdo na história recente da literatura. Ah, sim. Esqueci-me destes versos de Drummond: Senhor! Senhor!, quem vos salvará de vossa própria, de vossa terríbil estremendona inkumunikhassão? Mas acho que John Ruskin, citado por Eduardo Giannetti, encerra melhor a minha avalanche de pensamentos aparentemente desconexos: “Nós deveremos ser lembrados na história como a mais cruel, e portanto a menos sábia, geração de homens que jamais agitou a Terra: a mais cruel em proporção à sua sensibilidade, a menos sábia em proporção à sua ciência. Nenhum povo, entendendo a dor, tanto a infligiu; nenhum povo, entendendo os fatos, tão pouco agiu com base neles”
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19 de out de 2008
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Estive ausente por alguns dias. Fui a Fortaleza, questões de trabalho. Durante o vôo, assisti ao filme Tróia. Muito mais prazerosa me foi a leitura da Ilíada, mas certo diálogo do filme me fez não me arrepender de todo pelo tempo gasto. Aquiles (Brad Pitt) conversa com uma prisioneira de Tróia, dizendo que “os deuses castigam os homens porque invejam a sua mortalidade; nada mais doloroso do que estar condenado à eternidade, à vida perene.” Nos Lusíadas (Canto IV, 78), escreveu Camões:
“E com rogo o palavras amorosas,
Que é um mando nos Reis, que a mais obriga,
Me disse: — “As cousas árduas e lustrosas
Se alcançam com trabalho e com fadiga;
Faz as pessoas altas e famosas
A vida que se perde e que periga;
Que, quando ao medo infame não se rende,
Então, se menos dura, mais se estende.”
Pobre dos deuses, que não conhecerão jamais essa vida que menos dura porque mais se estende…
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14 de out de 2008
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Após alguns e-mails, segue uma entrevista com Philip Roth.
[youtube=http://www.youtube.com/watch?v=zvCk5aitYz8]
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11 de out de 2008
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Dmitri Shostakovich, 1942
Passei o sábado – muito vezes penso em escrever esse dia da semana com inicial maiúscula, “Sábado”, como fazem os anglo-saxões; não é um dia qualquer, não é mesmo Poetinha? – relendo Edward Gibbon (Declínio e queda do Império Romano), que me foi tardiamente apresentado por Paulo Francis em algum “Diário da Corte”. Não sei por qual caminho segui, como sói acontecer – verbo “soer”, aqui utilizado em homenagem a Millôr e João Ubaldo Ribeiro, que andaram reclamando a ausência dele -, mas passei por André Malraux (páginas e mais páginas grifadas de A Esperança e A Condição Humana), Walter Benjamin (“Em 1757 só havia três cafés em Paris”, Passagens) e terminei em Paralelos e Paradoxos: reflexões sobre música e sociedade, série de conversas entre Daniel Barenboim e Edward Said. Como síntese da tarde de hoje, após livros revisitados, aproprio-me das palavras do músico argentino: A diferença entre o artista e o político – não o estadista, realmente, mas o político – é que o artista, para ser fiel a si mesmo, tem de ter a coragem de ser totalmente intransigente; e o político, para ser fiel a si mesmo, tem de ser mestre na arte de transigir; do contrário não é político. E, portanto, ser artista numa sociedade política é remar contra a corrente.
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6 de out de 2008
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Não posso me queixar das oportunidades que tive – e que continuo tendo – de assistir a concertos e apresentações musicais durante as minhas viagens. Anne-Sophie Mutter com a Orquestra Sinfônica de Chicago, na própria sede da orquestra, executando o concerto para violino e orquestra de Brahms. Chick Corea no Blue Note e Tosca, com produção de Franco Zeffirelli, no Metropolitan, em Nova York. O falecido Sivuca, em Recife, com a Orquestra Sinfônica da cidade – até agora, enquanto escrevo, me emociono ao lembrar do já quase moribundo músico tocando “João e Maria” com seu doce acordeon. No Canadá, durante os primeiros dias de viagem, desfrutei de um duplo privilégio: assistir ao ensaio e ao concerto da Orquestra Sinfônica de Montreal, que, regida por Zubin Mehta, apresentou-se na
Basilique Notre-Dame de Montréal. O programa incluiu a peça para órgão
Apparition de l’église éternelle, a sinfonia
Et exsperto ressurrectionem mortuorum, ambas de Olivier Messiaen (1908-1992), e a Sinfonia número 3 op.78 de Camille Saint-Saëns (1835-1921).
Messiaen não me agrada. Compositor em perene conflito entre a crença religiosa e o questionamento sobre a possibilidade de não existência divina, carrega a sua obra de notas graves insistentes, repetitivas, soturnas, não deixando ao ouvinte a possibilidade de discriminar uma tese e um argumento. E o talento de Mehta o isenta de qualquer parcela de culpa. O maestro mostrou-se sóbrio, gentil e disposto a ouvir e orientar os músicos da orquestra. Pela manhã, ao final do ensaio, conversou e tirou fotos com o público. À noite, fez todos se esquecerem do enfadonho Messiaen ao conduzir maestralmente o adágio de Saint-Saëns. Zubin Mehta regendo a OSESP: só pensava nisso…
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1 de out de 2008
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Uma equipe de atiradores de elite do Corpo de Fuzileiros Navais dos Estados Unidos em serviço na Guerra da Coréia
Philip Roth já não é mais o mesmo. Durante o vôo (ainda se acentua, caro Presidente) de retorno ao Brasil, li Indignation, seu livro mais recente e ainda sem tradução por aqui. O narrador-protagonista é o jovem judeu ateu (é curioso como já ouvi indivíudos de ascendência judaica se declararem judeus ateus; os mais famosos que me ocorrem agora são Oliver Sacks e Woody Allen) Marcus Messner, filho único e de conduta exemplar de um açogueiro kosher do subúrbio de Newark. O cenário, para quem conhece Roth, não é novo. O vigor, sim. Menor. Parece que o talentoso criador de Zuckerman deixou de lado as sutilezas habituais e fez questão de deixar explícita a “mensagem” de Indignation, até mesmo nas últimas palavras do livro: “of the terrible, the incomprehensible way one’s most banal, incidental, even comical choices achieve the most disproportionate result”. A retidão de caráter e a incorruptibilidade intelectual de Marcus Messner, que produzem os melhores momentos do livro e a memorável cena em que ele “declama” passagens de cor do Bertrand Russel de Why I Am Not a Christian para o diretor “chatólico” da Universidade de Winesburg – aqui uma clara alusão a Winesburg, Ohio de Sherwood Anderson – custam a vida do jovem narrador-defunto. O sentimento de culpa que é introjetado no brilhante Marcus Messner por sua idishe mama remete o leitor não mais a um cômico mas agora trágico Alexander Portnoy. O problema é que isso é feito, novamente, de maneira crua, escancarada, sem dar chance ao leitor de apreender nas entrelinhas, gradativamente, a atmosfera asfixiante de ser uma vítima e refém da opressora relação familiar judaica. Ainda que sem a mesma força de seus outros 28 romances, o Roth de Indignation deve ser lido, pois o óbvio muitas vezes tem de ser dito. E nós, após a morte de Zuckerman e de Marcus Messner, aprendemos que a vida é feita muito mais de imponderabilidades do que de certezas.
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29 de set de 2008
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Caros amigos, acabo de aterrissar em território brasileiro. Foram pouco mais de quinze dias de ausência deste blog. Vamos aos destaques. Museu de Belas Artes de Montreal – além do ótimo acervo, tive a sorte de visitar os últimos dias da exposição “Love”, sobre a vida e a obra de Yves Saint Laurent. Confesso que não era dos mais entusiasmados, pois está longe de ser minha área de interesse a moda ou os seus ícones. Saí com a impressão de que YSL esgotou a moda, nada mais é novidade, nada mais é original e nada mais é mais elegante que um vestido noir de YSL. Talvez falte aos estilistas atuais o profundo contato e conhecimento que YSL tivera com a melhor literatura de todos os tempos, a sua formação humanista, ponto muitas vezes e intencionalmente deixado de lado em qualquer nota biográfica. YSL faz até Madonna parecer old-fashioned. Museu da Civilização de Ottawa – na capital canadense, o prédio do museu cheio de curvas e recortes já vale a visita. O ponto alto foi a exposição temporária sobre o pianista canadense Glenn Gould, o meu favorito intérprete de Bach. Havia vasto material multimídia. Dentre eles, o mais interessante era uma estação que convidava o visitante a ouvir cinco interpretações da variação Goldberg número 18, todas elas executadas em diferentes ocasiões por Gould, e tentar descobrir o que havia de diferente entre elas – como comentário, podia-se ler o seguinte depoimento do pianista: “Nunca toco a mesma música da mesma maneira. Para isso existem as gravações de concertos”. As diferenças estavam na velocidade e na intensidade da execução. Outros destaques – Museu da Civilização de Quebéc, a região de Charlevoix, a exposição “Passengers” sobre o aniversário de 400 anos da cidade de Quebéc (1608-2008), livrarias (comprei o último livro do Philip Roth, Indignation), restaurantes e bistrôs em geral e a cordialidade do povo canadense.
P.S.1: Estou devendo algum comentário sobre o livro do Alberto Manguel, “A cidade das palavras”, e o farei em breve. Coincidência ou não, Manguel, que é cidadão canadense, cita a seguinte passagem (página 74): “Reza uma lenda que o nome ‘Canadá’ foi dado ao país quando os primeiros exploradores espanhóis desembarcaram na Colúmbia Britânica e exclamaram’Acá nada!'”.
P.S.2: Tentarei responderei alguns dos muitos e-mails que recebi nesse período. Agradeço o carinho de todos.