Neuroplasticidade (1)

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Norman Doidge é psiquiatra e neurocientista. Natural de Toronto, ele trabalha no Laboratório de Pesquisas e Treinamento em Psicanálise na Universidade de Columbia, Nova York. Elogiado por nomes como Oliver Sacks e V.S. Ramachandran, Doidge disponibilizou, em forma de livro – The Brain that Changes Itself -, quase todas as informações científicas que estão mudando, definitivamente, a visão do cérebro como órgão sem capacidade de modificação. De forma clara e acessível, a leitura da magistral compilação de Doidge descreve, dentre outros, os experimentos de Edward Taub, que demonstrou a capacidade de intensa recuperação da habilidade motora após lesão do sistema nervoso. O experimento de Taub foi simples. Ele lesou os nervos responsáveis pela sensibilidade e movimentação do braço direito de macacos ao mesmo tempo que amarrava o braço esquerdo, saudável, impossibilitando a sua utilização. Após algum tempo de observação, Taub notou que os símios passaram a movimentar e utilizar o braço direito, lesado. “(…) I realized that I had been seeing the monkeys using their limbs for several weeks, and I hadn’t verbalized it because I wasn’t expecting it”, disse um inicialmente incrédulo Taub. Para mim, o ponto alto do livro foi o capítulo intitulado “Acquiring Tastes and Loves”, que descreve a mudança de comportamento dos indivíduos na era da pornografia maciça oferecida pela internet. Mas irei deixar esse assunto para o próximo post. Resumidamente, se você quiser fazer novas sinapses em seu cérebro plástico e, assim, garantir-lhe maior longevidade, as dicas são as seguintes: aprenda um novo idioma; aprenda a tocar um instrumento musical; estude novos assuntos; faça dança de salão. Está se achando velho? As dicas valem para indivíduos de qualquer idade, dos 10 aos 100 anos.

Ler para sobreviver

A última edição da revista piauí traz um ensaio magistral escrito por M. Vargas Llosa. Intitulado “Em defesa do romance”, o texto ressalta a imprescindibilidade da leitura ficcional. É ela que molda o nosso pensar, que aprimora o nosso sentir e que aguça o nosso entendimento. Não há empatia sem literatura. Não há amor além do sexo. “Não é exagero afirmar que um casal que haja lido Garcilaso, Petrarca, Góngora e Baudelaire ama e usufrui mais do que outro, de analfabetos semi-idiotizados pelas séries de televisão. Em um mundo iletrado, o amor e a fruição não poderiam ser diferenciados daqueles que satisfazem os animais, não iriam além da mera satisfação dos instintos elementares: copular e devorar.” Segundo Llosa, é a literatura que nos fornece a consciência de que o mundo se acha “mal-acabado” e, por isso mesmo, “poderia ser melhor.” Ler é perscrutar o escuro de nossa alma, é sacudir idéias e alinhavá-las com o justo sentido. É apreender o mundo de maneira mais refinada. Sem Rabelais, por exemplo, diz Llosa, diríamos “pessoas de apetite descomunal e de excessos desmedidos” e não apenas “pantagruélico”. Exemplos se sucedem de maneira quase infinita. A incitação à leitura deve ser a plataforma de qualquer política educacional sensata. Caso contrário, o único futuro social possível será muito pior que a mais trágica previsão orwelliana.

Kurt Masur


Em minhas andanças pela Alemanha, enquanto caminhava pelas ruas de Colônia, avistei o maestro Kurt Masur, que, distraidamente, puxava uma pequena mala com rodinhas. Me aproximei dele e apresentei-me. Simpático e afetuoso, me fez uma série de perguntas após eu lhe dizer que havia assitido às suas apresentações em Campos do Jordão e na Sala São Paulo. Me disse que havia se apresentado em Colônia no dia anterior e que se apresentaria em Dusseldorf naquela mesma noite. A sétima sinfonia de Shostakovich seria a peça a ser regida. Estava a caminho da estação de trem. Sem seguranças. Sem qualquer uma das exigências comuns feitas por qualquer astro pop. Despedimo-nos com um abraço.

A era das celebridades é algo espantoso. Indivíduos com a inteligência de meia ostra são alçados ao status de comentarista político, líder espiritual, crítico musical, ídolo teen. As celebridades-molusco ganham centenas de milhares de “seguidores” em instrumentos como o twitter. Há, então, a emergência patológica de relevância em fatos tão insignificantes que não teriam lugar nem como último assunto do almoço familiar de domingo.

Berlim: música entre escombros

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Mstislav Rostropovich faleceu em maio de 2007. A música, sob os regimes totalitários que ceifaram um sem-número de vidas no último século, sempre foi uma das grandes saídas para a maldade irracional produzida por homens bárbaros. O cellista russo abandonou o seu país e, quase que imediatamente, tornou-se o embaixador da Rússia livre. Fez com a música o que Solzhenitsyn fez com as palavras. Em novembro de 1989, assim que soube da queda do muro de Berlim, viajou para lá, e, por entre brechas de blocos de concreto, tocou as suítes de Bach por toda a noite.
Cada quarteirão da Alemanha, cada esquina de Berlim – histórias de um mundo que vive sob a frágil ilusão da racionalidade. O imponderável não é um mero detalhe. E, definitivamente, a vida não é para amadores.

Cinza

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Faz pouco tempo. As cicatrizes ainda estão visíveis por toda a Alemanha. Berlim, por exemplo, é uma cidade que, por mais ensolarada que esteja, sempre parece gris. No caminho pela Unter den Linden em direção ao portão de Brandemburgo passa-se diante da Universidade Humboldt, que abrigou, dentre outros, nomes como Max Planck, Karl Marx, Schopenhauer, Fichte, Hegel e Heinrich Heine. Em frente ao portão principal dessa renomada instituição universitária está localizada a Bebelplatz. Foi essa praça que serviu de palco para a Bücherverbrennung, em 1933. Queimaram-se, em uma única noite, mais de 25000 livros de autores não alinhados com o “espírito alemão”. Acredito que Heinrich Heine e Goethe foram os maiores estilistas da língua alemã. Heine, judeu assimilado, havia chamado a atenção para o antissemitismo crescente na Europa e na Alemanha já na metade do século XIX. Muito antes da Bücherverbrennung ele havia escrito, premonitoriamente, “onde se queimam livros, queimam-se no final também pessoas”. É necessário que se repita toda vez o que foi o Holocausto – existem figuras eminentes que tentam negá-lo, como todos nós sabemos. Mas a Alemanha mudou. Estive na Filarmônica de Berlim assistindo ao pianista e maestro judeu Vladimir Ashkenazy regendo a oitava sinfonia de Shostakovich. Foi aplaudido em pé pela platéia. Um judeu aplaudido em pé na Alemanha! Qualquer palavra é inútil diante da emoção que senti.

Cheguei!

Cheguei. A viagem foi muito boa. Música, comida, museus, livrarias. Até encontro fortuito com o maestro Kurt Masur aconteceu. Detalhes em breve!

Berlim

Seletos e privilegiados leitores, ando meio atarantado com uma série de projetos profissionais. Como se isso já não bastasse, estarei ausente do país pelas próximas duas semanas – mais uma vez, ossos do ofício. Visitarei algumas cidades do noroeste da Alemanha e a Berlim de Fassbinder. Ultimamente, no inexistente tempo livre de que ainda posso desfrutar, tenho lido coisas várias. O número 2 da revista serrote está imperdível. Suicídios exemplares, de Vila-Matas, com mais altos que baixos, vale a pena. Uma senhora toma chá é leitura que está me surpreendendo. Trata-se de uma bem escrita história sobre o desenvolvimento e a evolução da Estatística por meio das pessoas que construíram esse ramo do conhecimento, que é muito mais uma ferramenta para outras áreas do saber do que uma “ciência-fim”. David Salsburg escreve deliciosamente bem, mas admito que a leitura pode ser algo enfadonha para os menos afeitos ao tema. Aguardo, ansioso, a chegada do recém-lançado livro do escritor e amigo Pedro Maciel, Como deixei de ser Deus (editora Topbooks, 150 páginas). Vemo-nos em breve. Auf Wiedersehen!

Psicanálise (2)

Nunca recebi tantos e-mails como após o post anterior. Em virtude disso, talvez, estive afastado deste blog por tempo maior que o habitual. A leitora Eliana Teixeira, muito sensata em suas ponderações, acredita que a psicanálise sempre acrescentará um algo a mais, além de toda a cultura que um indivíduo possa carregar. Diz Eliana: Embora aprecie bons livros e tenha bem uns três bons amigos, me submeto à psicanálise. É verdade que, e já tive o enorme prazer de viver a experiência, um psicanalista erudito pode ser um enorme diferencial. Por puro deleite. Mas o fato é que o processo psicanalítico não é um embate intelectual; o que é realmente necessário é que a formação do profissional permita a ele vislumbrar em nossa alma o que ainda não quisemos ou não pudemos perceber. E neste caso, por mais que já tenhamos lido em algum lugar a grande verdade que pode ser a cura daquele nosso mal, só o bom profissional vai nos levar a nos abrirmos para receber, apreender, a tal verdade. Já o leitor José Eugênio acredita que a psicanálise só é útil quando o analisado possui um mínimo de cultura. Psicanálise para analfabetos ou um pouco melhor que isso é inútil. A cultura é pré-requisito para que haja aproveitamento do momento psicanalítico. É ela que estabelece relações de simetria, analogia e escancara as portas da razão para o entendimento. E o que digo eu? Depois de muito pensar, acredito que seja hora de procurar por um bom profissional. Mea culpa. Mea maxima culpa.

Psicanálise

A embriaguez de Noé, Michelangelo, Teto da Capela Sistina

Então voltei para casa e escrevi:
Meia-noite. A chuva castiga a janela. Não era meia-noite.
Não chovia.
Beckett, Molloy

Nunca fui submetido ao processo psicanalítico. Contrariando os especialistas, acho que não é para todo o mundo. Vendida como uma espécie de panacéia para os males mentais do espectro neurótico, a psicanálise tornou-se um engodo, um objeto de consumo com grifes caras e tudo o mais. Prefere-se o conselho oracular do analista às evidências que se escancaram aos olhos do analisado – isso sem levar em conta a precária formação cultural e humanística de grande parte dos ditos terapeutas. Se é para aumentar a chance de sucesso do tratamento, há de existir uma clara assimetria entre a cultura do terapeuta – a maior possível – e aquela que habita a mente do analisado. Há alternativas ao tratamento padrão habitual. Um bom amigo, por exemplo. O francês Michel de Montaigne, muito antes de Freud & Cia., submeteu-se, involuntariamente, ao processo psicanalítico por meio de conversas com o seu amigo Étienne de La Boétie. Um bom livro. Ler é uma forma de produzir entendimento. A boa leitura nos faz enxergar as similitudes e as diferenças de sentimentos e de reações entre o leitor e a personagem, e, ao fazê-lo, é catártica. Um bom espetáculo. As tragédias encenadas pelos gregos, desde Sófocles e Ésquilo, e que chegaram até nós, ensinaram-nos a projetar e a apaziguar as nossas angústias e os nossos temores. Não foi sem querer que Freud se valeu do estudo da mitologia clássica na elaboração de sua teoria – basta citar Édipo. Agora, se você não tem tempo para um bom amigo, um bom livro e uma boa tragédia, a psicanálise pode ser o seu caso.

Aplauso para Eric Kandel

Eric R. Kandel ganhou o prêmio Nobel de Medicina em 2000. Psiquiatra por formação e neurocientista por vocação, Kandel revolucionou a maneira como enxergamos o cérebro hoje. Sua autobiografia – In search of memory: the emergency of a new science of mind (Norton, 2006) – é leitura obrigatória para qualquer interessado em neurociência. O livro tem pouco mais de 500 páginas, mas isso não é motivo para desânimo. A escrita é fluida, clara, técnica sem ser enfadonha. Dividido em seis partes com um total de 30 capítulos, o ápice da leitura é atingido no capítulo 28, Consciousness, em que Kandel traça uma linha do tempo da evolução do binômio consciência/inconsciência desde a Grécia Antiga – Hipócrates, Platão e Aristóteles – até os nossos dias – Freud, Popper e Eccles. Há uma crítica ao esquematismo reducionista freudiano dos processos mentais. Id, ego e superego. A segunda metade do século XX ficou presa a esse paradigma e, vítima da simplicidade, clareza e confiabilidade do modelo – eis a genialidade de Freud – atravancou o avanço da neurociência. Although psychoanalysis had historically been scientific in its ambitions – it had always wanted to develop an empirical, testable science of mind – it was rarely scientific in its methods.(…) As a result, psychoanalysis had not made the same progress as some other areas of psychology and medicine. Indeed, it seemed to me that psychoanalysis was losing its way. Não perca o seu rumo. Leia Kandel já. Kandel! Não Kardec.

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