Médicos, CFM, homeopatia e imoralidades

Antes de qualquer outra coisa, eu gostaria de deixar claro que homeopatia não é medicina fitoterápica ou herbácea.

Homeopatia, tradicionalmente, é apenas solvente (água ou álcool) e um espessante (farinha ou açúcar).

Homeopatia é baseada em três conceitos demonstrativamente falsos:

1º – uma doença pode ser curada pela sua própria causa (envenenamento por mercúrio pode ser curado tomando-se ainda mais mercúrio);

2º – quanto mais diluída uma substância, mais potente ela se torna (além de serem situações totalmente contraditórias, como que por mágica, a potencialização ocorre apenas para a substância que o homeopata quer, desconsiderando milhares de outras coisas que possam estar diluídas na mesma água), e;

3º – para essa potencialização ocorrer, a diluição precisa ser agitada um certo número de vezes (esse número é fixo para cada tipo de diluição e o frasco agitador deve se chocar com uma superfície firme porém macia. Como uma Bíblia encadernada em couro, por exemplo).

Por ter sido idealizada no século 18, é de se desculpar preceitos tão absurdamente ingênuos (pelo menos para nós, do cientificamente avançado século 21) e sem sentido.

Tenho certeza de que o criador da homeopatia tinha a melhor das intenções (leia mais sobre isso neste link), mas também as tinham os xamãs que achavam que cuspe e fumaça curavam febre.

A Ciência evolui. Coisas como homeopatia e florais que se mantêm imutáveis à luz de evidências de ineficácia não são Ciência. Longe disso.

A página da Associação Médica Homeopática Brasileira, na seção risivelmente intitulada “A ética da ciência“, demonstra claramente o desdém que a homeopatia em geral tem com a ciência médica.

Notem que no quarto parágrafo é dito abertamente que evidências não importam tanto(sic): “Não é o mérito terapêutico em si, que estamos analisando neste momento, pois isto, fundamentalmente, o tempo e as experiências nos darão melhores respostas“.

O que importa mesmo é o argumento de autoridade: “Queremos mesmo é destacar a importância de tal declaração [do presidente do Conselho Regional de Medicina do estado de Mato Grosso do Sul]”.

E o trecho acima diz respeito a uma declaração sobre o uso de “medicamentos” (aspas irônicas do mesmo tipo que são usadas no texto da AMHB quando falam de cientistas) homeopáticos para o tratamento e prevenção de gripe.

(Outro detalhe bastante perceptível é a necessidade que o autor do texto sente em notar há quanto tempo a homeopatia é praticada e reconhecida no Brasil. É até ligeiramente constrangedor.)

O resto do texto tenta ridicularizar cientistas da Organização Mundial da Saúde que se opõem ao criminoso (aos meus olhos) método de receitar água e açúcar para curar AIDS na África, levantando pontos como “nós sabemos o que é terceiro mundo” e “homeopatia não faz parte da ciência imperialista que contaminou os países africanos com aquelas doenças” (apesar de Malária ser uma doença endêmica da região… mas vamos ignorar esse pequeno fato, já que outros tão maiores também o estão sendo).

O que me leva adequadamente ao tema que pretendo expor aqui: imoralidades.

Eu, enquanto varria o chão do meu lar e exercitava minha capacidade cognitiva lógico-numérica, consegui enumerar quatro tipos de imoralidade acerca da homeopatia como especialidade médica.

São elas: pessoal, profissional, científica e institucional.

Imoralidade pessoal

O ser humano é, intrinsecamente, moral.

Simplificando: temos uma capacidade de reconhecer os outros como seres independentes e uma disposição inata para evitar causar-lhes dano.

Se um de nós vê outro em dificuldade (pense nas vítimas das enchentes recentes que tivemos) e sabe que possui a capacidade de ajudar (neste cenário, podemos ajudar doando roupas, comida e remédios), esse um é tomado por um desconforto emocional, fruto do reconhecimento da dor alheia, que faz a maioria dos seres humanos querer dar suporte aos outros que dele necessitam.

Logo, negar conscientemente esse apoio é, do ponto de vista deste argumento, imoral.

Uma pessoa com um grau de conhecimento suficiente para ser aprovado num vestibular genérico e se formar num dos cursos mais puxados do nosso sistema de ensino sabe, ou deveria saber, que expor outrem a riscos desnecessários é, para a maioria dos fins, errado.

Portanto, se você vê uma pessoa usando um tratamento completamente ineficaz (além do efeito de placebo, que pode ser conseguido gratuitamente por outros métodos) e que, ao desviar recursos monetários (homeopatia é um negócio caro, muito caro) e desperdiçar tempo (quem está se tratando com homeopatia geralmente não procura medicina real e pode ter sua condição piorada pelo tempo perdido), está comprometendo a própria saúde (e em muitos casos a saúde de seus filhos) e permite que isso ocorra sem, no mínimo, explicar o outro lado, você está sendo pessoalmente imoral.

Imoralidade profissional

Se você é médico, me arrisco a dizer que entrou nessa vida sabendo mais ou menos do que se tratava.

É certo que existem aqueles que querem virar médicos por status ou por salário, mas a faculdade cuida da maioria desses casos. A maioria entra (e, mais importante, sai) sabendo que o papel da Medicina na sociedade é ajudar os outros.

O foco maior da Medicina é a vida. Seja para salvá-la ou para fazê-la o mais suportável possível em outros casos. O médico é o agente que faz daquele objetivo uma ação; o Profissional da Saúde.

Ao exercer essa profissão, lhe cabe usar de todos os meios possíveis e razoáveis para que seus pacientes, se valendo da ciência médica, adquiram, recuperem ou mantenham sua saúde.

Os princípios homeopáticos (mostrados acima) são, ao mesmo tempo, impossíveis e desarrazoados, cabendo apenas ao mundo da ficção ideológica ou do pensamento mágico, onde tudo é possível.

Receitar pílulas de açúcar para tratar Tuberculose não é prestar um serviço de saúde mas apenas adequar-se a uma corrente de pensamento ultrapassada e desacreditada com quase dois séculos de imutabilidade dogmática.

O mesmo estilo mental que não enxerga cientificamente o quão implausível homeopatia é pode confortavelmente considerar olho-gordo como doença e receitar uma simpatia como tratamento.

Se você é médico e não se importa em manter-se atualizado com tratamentos modernos comprovadamente cada vez mais efetivos e prefere render-se ao curandeirismo de um século pré-científico receitando mágica para seus pacientes, você está sendo profissionalmente imoral.

Imoralidade científica

Estendendo o tema acima: se você é um agente de uma modalidade que deve se moldar aos achados contemporâneos dos avanços científicos, sejam eles quais forem (interrupção do uso de eletrochoque em doentes mentais; uso de medicamentos como alternativa para drenagem de líquido sinovial do joelho; redução de casos de extração previamente indiscriminada de amídalas; substituição de leprosários por antibióticos, entre outros) e não cumpre o que tal modalidade exige preferindo se manter fiel a ideias, por favor, cancele seu CRM e rasgue seu diploma. Você não merece a denominação de “Médico” e todo o peso associado ao termo.

Pinte a cara, compre um cachimbo, se mude para uma tenda no meio do mato e vire curandeiro.

A Ciência (ou o Método Científico, mais especificamente) tem um mecanismo embutido de auto-correção. Eu dei quatro exemplos no parágrafo acima de maneiras comuns de se tratar (pelo menos) quatro problemas de saúde que foram, se não completamente abandonados, pelo menos melhor pensados.

Isso não caiu do céu. Muita gente estudou por muito tempo para que avanços fossem possíveis e negar todo esse esforço isso em favor de uma ideologia é, em primeiro lugar, extrema arrogância (de achar que sua opinião vale mais que todas as evidências coletadas por tantas pessoas ao longo de tantos anos) e, em segundo, pseudociência.

Se você é médico, profissional da Saúde, e prefere negar todo o corpo científico-literário da sua profissão em prol de uma crença, você está sendo cientificamente imoral.

Imoralidade institucional
(Agora, a parte onde eu posso de verdade me dar mal.)

O Conselho Federal de Medicina aprovou e reconheceu o uso da homeopatia em 1980, quando o “presidente” da nossa querida nação era o General João Figueiredo. Não sou muito bom de política mas, durante uma ditadura militar, que poderes reais uma autarquia “(…) fiscalizada e tutelada pelo Estado” [Dicionário Houaiss Eletrônico 3.0] como o CFM tem de fato?

Se, na época, o primo de algum governador apontado pela presidência quisesse mudar a definição de “unicórnio”, ele conseguiria facilmente fazê-lo. Independente do bicho existir ou não.

O que é um pedaço de papel? E o que é um pedaço de papel com algo escrito que não vai afetar você diretamente?

Antes corrigir o que o pedaço de papel diz do que ter sua carreira apagada pela mão autoritária de algum ideólogo poderoso.

Deixando claro o que eu tentei esconder no parágrafo sem sentido acima: não tenho dúvida alguma de que a homeopatia virou especialidade médica porque algum poderoso quis que fosse assim e pronto. Em 1980, vivíamos num mundo onde isso era completamente possível (não que não seja também hoje em dia, que o diga Tiririca e seus recém-adquiridos 61,8%).

O que não cabe na minha cabeça (por maior que ela seja, e ela é enorme – vide foto) é que hoje, 2011, continuemos com esse joguinho. Eu entendo que o CFM é uma organização política, mas a vontade de agradar a todos (ou, mais certamente, não desagradar a ninguém) não pode ser colocada acima da responsabilidade institucional de criar um ambiente saudável para a população em geral.

O Conselho é uma organização reguladora, além de administrativa, e essa aparente carta-branca para pseudociência (que inclui acupuntura) pesa sobremaneira. É uma declaração aberta de apoio a práticas que não têm como comprovar seu valor e, sinceramente, um tapa na cara da Ciência Médica.

Não é possível manter esse tipo de atitude; tradição não é resposta. Manter homeopatia em seus quadros porque ela “sempre esteve lá” não é correto. Ao deixar que homeopatia permaneça como especialidade médica, o CFM está ignorando tudo que a ciência mostra ser correto para o benefício de nada. Porque homeopatia é exatamente isso; nada.

Os conselheiros que formam a instituição precisam escapar da politicagem que os mantêm calados (conheço pessoalmente vários deles e estou supondo que todos são excelentes praticantes da medicina baseada em evidência e só não se pronunciam contra esse abuso por força política), caso contrário o CFM acabará sendo só mais uma agência política. E desse tipo já temos suficiente.

Se você é conselheiro federal e deixa que a política fale mais alto que a ciência num órgão que deveria ser regida por esta com a finalidade de proteger a sociedade, eu sinto muito, mas você está sendo institucionalmente imoral.

E apenas mais um nisso.
10:23 - Homeopatia: é feita de nada

E como eu sei que vão pedir que eu prove a negativa, vou logo adiantando: a alegação extraordinária que requer provas extraordinárias é dos homeopatas, que precisam que todas as leis conhecidas da Física, Química e Biologia sejam inválidas para que a homeopatia funcione como eles dizem.

Fora isso, eu sei que homeopatia não funciona porque meu dragão invisível indetectável que flutua silenciosamente e cospe fogo sem temperatura que mora na minha garagem me disse. Sintam-se à vontade para provar que ele não existe e não é onisciente.

Homeopatia é feita de nada. Tanto que dia 5 agora eu tomarei uma “overdose” homeopática num local público. Se “remédios” homeopáticos funcionam, devem seguir a função dose-resposta que diz que a magnitude da resposta está relacionada com a dose (quanto mais eu tomo, mais eu sinto), até que se chegue num nível tóxico.

Mas a não ser que eu seja alérgico a açúcar (não sou, a não ser que ele esteja muito quente), nada acontecerá comigo.

Se você mora em Natal e quer testemunhar (já que não posso convidar ninguém a participar), entre em contato comigo para saber onde estarei.

Saiba mais sobre os outros corajosos (homeopatia é inofensiva, mas não posso garantir que não tenha um homeopata doido por aí querendo nos pegar) ao redor do mundo que farão o mesmo como parte da campanha mundial 10:23 acessando http://1023.haaan.com/.

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