“Onde eu vou usar isso na minha vida?”

Durante minha vida acadêmica eu testemunhei em várias oportunidades alguns dos meus colegas reclamando das informações que recebiam dos professores, acusados de ensinar muita coisa desnecessária.

Preciso dizer aqui que concordo com tal observação. A escola tradicionalmente nos empurra informações que são completamente inúteis no mundo real e que em nada nos ajuda no nosso cotidiano (ou “na vida real”, como eu chamo o período de tempo que ocorre fora da Academia).

Por exemplo: quantos entre vocês sabem usar estatística? Arriscaria dizer que menos de 50% sabe usar porcentagem e menos de metade é familiar com o uso de frações.

Quanto mais eu estudava logaritmo, menos e menos eu aprendia. E também nunca precisei de matrizes para colocar um teto sobre a minha cabeça.

Quem precisou aprender sobre degradação de proteína nas aulas de Biologia ou sobre ligações iônicas nas de Química para colocar comida na mesa?

Para quê perder tempo aprendendo Física se toda a nossa informação hoje em dia vem pela Internet e TV (geralmente a cabo ou via satélite)?

Antigamente ninguém estudava História e em nenhuma parte do mundo as civilizações deixavam de existir por não saberem Geografia.

Filosofia e Literatura são duas coisas inúteis também, pois como já dizia Voltaire, “o valor dos grandes homens mede-se pela importância dos seus serviços prestados à humanidade“.

Ninguém nunca precisou estudar um segundo idioma para pedir uma long neck e uma pizza ao garçom, ou um croissant com cocktail de champagne no piano bar, nem para comprar tickets num site de Internet para um show de rock em turnê do CD de top hits, ou assumir que uma madame de batom e blush usa também spray de cabelo e gosta de buquê de tulipas e se veste como drag queen de prêt-à-porter. Nem para constatar que o layout de um ateliê de fashion design num shopping é igual a um camelô laissez-faire on-line que se acha chic por ser pink e não ter toilette. Por exemplo.

Ai, que chato...

Ai, que chato…

Eu estudei até quebrar a perna do óculos e até hoje nunca usei uma catacrese ou hipérbole em minha na vida. A escola acabou e jamais usei uma metonímia. Elipse, então…

Tirei muita nota ruim e horas da minha vida e, pá!, não aprendi o que é zeugma, onomatopeia, assíndeto, eufonia.

Alguém além dos alargados alambrados acadêmicos aprendeu a lidar com aliteração?

Eu, pessoalmente, olhei com meus próprios olhos para o livro até ele ficar com medo e não sei o significado de pleonasmo, perissologia, batologia ou prosopopeia.

A escola tentou me ensinar o que é tautologia porque a escola serve para ensinar.

Sabe-se lá o que significa ênclise! Tê-lo-ia aprendido se não me tivesse sido apresentado ao mesmo tempo em que mesóclise e próclise.

Não é excelente como a escola, excelente instituição de formação, nos fez aprender o que é diasirmo?

E de todas as figuras de linguagem, pelo menos uma delas eu domino plenamente. A rima!

Não proteste. A culpa é sua mesmo.

Vocês, com acesso ao Facebook e mais que vinte segundos de concentração, leiam este relato e, principalmente, assistam aos vídeos linkados no final.

Aos demais, resumo: o Brasil é uma desgraça. Enquanto uma pessoa é presa ilegalmente por exercer um ^direito constitucional^ (aspas irônicas), um estádio (construído com dinheiro roubado) lotado comemora um jogo de futebol.

Você mora num país onde vinte e tantos fedorentos chutando um couro inflado tem mais importância que a Magna Carta. Você prefere apanhar da polícia a ter o direito de processar o Estado pela surra indevida.

Você, pessoalmente, deixou o país chegar nesta situação, onde o presidente da Câmara dos Deputados roubou seis milhões de reais, deixando órfãos sem comida e idosos sem remédio, e os deu a um bode (sim, o animal).

Henrique Eduardo Alves, o mesmo ladrão que em 2002 estava sob investigação por ter 15 milhões de dólares em contas fora do país enquanto claramente sonegava o Imposto de Renda, cometendo um crime conhecido como “evasão de divisas”, descrito na famosa Lei do Colarinho Branco, artigo 22. Investigação que, dois meses depois, PUF!, sumiu.

O que eu posso fazer contra ele? Ele é presidente da Câmara (e deputado a 42 anos consecutivos) e tem, pelo menos, 150 vezes mais dinheiro que eu. Existe algum mecanismo para que eu, cartorário com meus impostos em dia, possa processar esse cretino por ter roubado tanto dinheiro meu? Ou, pelo menos, um que me garanta que a Constituição ainda existe, já que eu posso ser preso por nada e ele pode roubar à vontade sem consequências?

Não, não existe. Eu posso até tentar fazer algo, mas é só até esta etapa que eu chegaria. Posso até pagar os cinco reais que o sebista aqui ao lado cobra numa Constituição, mas seria só mais um amontoado inútil de folhas entulhando meu lar.

E por quê? Porque você deixou isso acontecer. Mas por que a culpa é sua? Ela é menos minha que sua, porque eu pelo menos vivo de tentar, inutilmente, fazer algo. Mas também sou culpado. Todos somos. Todo os brasileiros que vivem aqui e que já viveram aqui desde sempre são culpados.

Nosso país é um lixo. Uma abominação, uma anomalia, um câncer. Todo o dinheiro que é produzido por nós, trabalhadores, é consumido por ladrões da estirpe de Henrique e Maluf (este procurado pela polícia do mundo e foragido aqui) e psicopatas como José Dirceu, Renan Calheiros, Collor. Acobertadores de bandidos como Lula, FHC, Dilma; homicidas em massa como Rosalba Ciarlini, Micarla de Sousa, Eduardo Paes; mentirosos compulsivos como Haddad, Sérgio Cabral, Alckmin, etc, etc.

100% do que você produz lhe é roubado. Você tem uma poupança no banco, mas lembra que ela já foi confiscada? Você guarda o dinheiro em casa, mas sabia que o Primeiro Ministro de Myanmar, certa vez, disse que as notas mais altas (de 50 e 100) deixaram de ter valor? Milhares de famílias acordaram um dia com seus colchões cheios de papel sem valor que costumavam ser suas economias da vida toda. “Isso não pode acontecer aqui”, você diz? Por que não? Quem vai impedir? Qual mecanismo existe neste país para impedir algo assim? Nenhum, é a resposta.

O Brasil é um lixo. E eu só não saio daqui de novo porque meus currículos ainda não foram enviados.

Nessa tal Copa das Confederações (que é tão sem sentido quanto não poder embarcar numa aeronave com um recipiente maior que cem mililitros em volume) a FIFA vendeu ingressos para cadeiras que não existem.

A Copa do Mundo é deles. Nossa é só a conta.

A Copa do Mundo é deles. Nossa é só a conta.

O link para o relato (Facebook, novamente) está embebido na foto. Clicái-a.

O problema não é a FIFA. O problema é você que achou que seria uma boa ideia uma Copa do Mundo num país de terceira. A culpa é sua por ter deixado que o seu representante aceitasse as demandas de uma empresa estrangeira que vai levar 100% do lucro da competição.

Três vezes em menos de dez anos, na verdade, com Jogos Pan-Americanos, Copa e Olimpíadas. Porque vinte e tantos fedorentos estragando uma vegetação rasteira é mais importante que a segurança da sua mãe numa rua escura.

Aqueles vagabundos desocupados que estão atrapalhando o trânsito porque não querem pagar vinte centavos a mais deixaram de existir quinta-feira, sob as bênçãos de Santo Antônio e dos cacetetes da polícia neandertalizada que protege você de uma vida melhor e mais digna para um possível filhote que venha a sair de você.

Ao contrário do que estão dizendo, a polícia não é mal treinada. Ela é excelentemente treinada. O problema é que ela é treinada aqui, no lixo.

O problema não é a polícia. O problema é o treino. Ou, melhor ainda, o local onde o treinamento se dá.

Os policiais são excepcionais e retêm 100% do treinamento. O problema é que o treinamento é dar tiro na cara de favelado. Pelas imagens fica claro que “munição menos-que-letal” é algo alienígena para os soldados (sim, jamais esqueçam que quem patrulha as ruas são soldados militares) que atiram somente paralelamente ao chão, à altura da cabeça, sendo que com balas de elastômero ou latas de gás.

Nossa polícia militar é um grande esquadrão de extermínio. O problema é que nos últimos dias eles têm usado uma munição inadequada.

Ainda no Facebook eu li a seguinte frase: “Somos [jornalistas] a polícia militar do pensamento contando as mesmas histórias sempre sobre vandâlos e bárbaros que querem destruir a ordem e o progressso“. Mas o que isso significa? Significa que a polícia bate em você e o jornalista diz que você é o culpado porque ambos, policial e jornalista, assim como os réus de Nuremberg, estavam “apenas cumprindo ordens”.

E quem dá as ordens? Você? Não.

Mas a culpa é de quem?

Exatamente.

Não se enganem. Os protestos começaram por causa de vinte centavos.

Mas graças ao despreparo, irresponsabilidade e desgoverno, hoje os protestos se tornaram algo muito maior.

Você vive num país sem leis, sem proteção, sem infraestrutura e sem condições básicas de cidadania. Esses protestos estão do seu lado, do nosso lado.

Brasil 2013

Nada justifica truculência. Especialmente em protestos pacíficos. Não se acovarde agachado aos pés dos mais fortes; junte-se aos mais fracos. Eu gostaria de, pelo menos uma vez em minha vida, ter orgulho (ou “menos vergonha”, como disse Bartholomew JoJo Simpson) do meu país. E você?

———

P.S. Não vou conferir o texto mais do que já o fiz (confesso que sob lágrimas). Se existirem ainda erros, que se danem. Tanto os erros quanto você que veio aqui comentar acerca deles.

Reclamações quanto à minha conduta devem ser encaminhadas para o meu email pessoal com cópia para a diretoria do Scienceblogs Brasil (procurem, não é difícil achar). Ou não, não me importo. Descobri recentemente algo chamado “perspectiva”.

Processos civis e criminais devem ser mandados ao meu endereço físico. O que eu escrevo aqui não é de responsabilidade do portal ou de seus colaboradores e eu espero que você morra dolorosamente por tentar me reprimir.

Você fuma e acha que só prejudica você?

Sabia que para produzir um único cigarro são gastos vinte e seis mil litros de água? E isso é só para o cigarro, sem contar a embalagem![1]

E sabia que essa água não pode ser reutilizada por ficar contaminada demais por metais pesados (usados como bactericida na filtragem) e por hidrocarbonetos provenientes do alcatrão (usado para concentrar a nicotina do tabaco)?[2]

Alcatrão esse que precisa ser extraído de petróleo bruto, em outro processo bastante dispendioso em termos de recursos (especialmente gás natural e água) com o único intuito de aumentar o poder viciante da nicotina, sem qualquer preocupação com a saúde humana, visto que piche (outro nome mais comum para alcatrão) é extremamente tóxico (especialmente quando aquecido além do seu ponto de vapor durante o ato de fumar) mas modifica as moléculas de nicotina de modo que elas se fixem mais facilmente aos receptores do cérebro e causem mais desconforto durante abstinência.[3]

E as plantações de tabaco? Você já viu alguma? Provavelmente sua resposta é “não”, pois elas ficam em imensas fazendas de monocultura em países pobres (geralmente governados por ditadores) como Nicarágua, Honduras e República Dominicana.[4]

Algumas dessas plantações são tão grandes que é possível vê-las do espaço!

E alguns cientistas climáticos[5] dizem que o vapor extra jogado na atmosfera pela evaporação de tantas plantas imediatamente acima daqueles países é o que tem causado os ciclones e furacões que vêm assolando a região nas últimas décadas com cada vez mais intensidade (lembram do Katrina?).

Vista do espaço, plantação de tabaco a 15 quilômetros sudeste de Tegucigalpa, Honduras.

Vista do espaço, plantação de tabaco a 15 quilômetros sudeste de Tegucigalpa, Honduras.

E todos nós sabemos que monoculturas danificam o solo e para continuar produzindo necessitam de fertilizantes químicos que poluem leitos subterrâneos, contaminando os poços artesianos das famílias ao redor, onde a incidência de câncer é a maior do mundo, perdendo somente para algumas vilas ao redor de Chernobil.[2]

E sabia que o dono da Phillip Morris, maior companhia de cigarros do mundo, é também sócio majoritário de uma das maiores empresas produtoras de adubo químico do planeta?[4]

Lógico que toda essa química precisa vir de algum lugar. Você sabe de onde sai o nitrogênio para o famoso NPK? Ele é produzido naturalmente quando folhas mortas apodrecem e essa é a maneira mais barata de consegui-lo.

E aí, consegue pensar num lugar com muita folha morta largada no chão para quem quiser vir pegar? Exatamente. Amazônia![4]

Mas tudo bem, é só um monte de folha seca, não?

Nada disso! Nossa floresta só sobreviveu até hoje por causa desse nitrogênio, que aduba naturalmente aquele solo pobre em recursos. Sem esse elemento, o solo não tem como sustentar tantas árvores.

Você achava que a única causa do desmatamento era a derrubada de árvores adultas? Isso é fichinha! Comparado com todas as mudas que jamais crescerão por falta de nitrogênio no solo as madeireiras são santinhas![6]

Ou seja, não é só o seu pulmão que cigarro afeta, mas também o pulmão do mundo!

A Indústria dos Cigarros está poluindo e contaminando irremediavelmente nossa água [7], criando dependência química e matando milhões de pessoas ao redor do mundo sem o menor pudor, enriquecendo regimes ditatoriais em países miseráveis, aumentando a freqüência e intensidade de furacões em áreas já comprometidas por péssima infraestrutura e pobreza, dando câncer em trabalhadores inocentes e suas famílias, destruindo quimicamente o solo das plantações e acabando com a nossa Amazônia.

Apesar de todas essas provas incontestáveis, você já viu o Greenpeace, o Instituto Nina Rosa, PETA, a WWF ou qualquer outra ONG “ambientalista” ir atrás das empresas de cigarro? Já viu alguma manifestação desses grupos “verdes” em frente à casa de algum magnata da Indústria da Fumaça?

Não? E sabe o por quê?

O jornal londrino The Sun divulgou, em uma matéria publicada ano passado, o resultado de uma investigação jornalística que liga Ingrid Newkirk (fundadora do grupo PETA e fumante inveterada desde seus 14 anos) e seu amigo de infância Patrick Moore (co-fundador do Greenpeace International e presidente da central canadense) ao conglomerado americano de lobby a favor do cigarro no senado americano (incluindo dois senadores e seis congressistas).[7]

Como ambos os grupos foram considerados como células terroristas [8] ao longo dos anos devido a comprovados atentados à bomba e destruição de patrimônio público e privado, os chefes das duas maiores “facções verdes” do planeta fizeram acordo com os lobistas mais poderosos do mundo para se livrar da cadeia em troca de jamais organizar um ataque contra uma fábrica ou desviar um carregamento de cigarros.

Ingrid Newkirk, fundadora do grupo PETA, também fuma.

Ingrid Newkirk, fundadora do grupo PETA, também fuma.

Podem procurar por aí! Desde o começo dos anos 80 não há um só ato registrado de protesto ambientalista contra a Indústria do Cigarro. E como todas as ONGs menores pedem a benção àquelas duas maiores, fica por isso mesmo.

Portanto, lembrem disso quando acenderem o próximo cigarro.

———

[1~8] De onde eu tirei tudo isso? Fora alguns inexpressivos detalhes, o resto saiu dos recessos mais nefastos da minha imaginação, sem qualquer confirmação.

Mas parece verdade, né?

Se liberarem o casamento gay, daqui a pouco tem gente querendo casar com cachorro

, diz o sujeito que acha normal e completamente lícito se aproveitar dos instintos gregários de um cachorro para mantê-lo no quintal arriscando a vida como cão de guarda. Ou diz a madama que nunca deu uma só hora de expediente na vida e tem um Lasha Apso que recebe mais atenção que suas próprias filhas, incluindo bolo com velas e festa no dia do seu aniversário.

Esse mesmo casal hipotético (mentira, ambos existem) não enxerga qualquer abominação no ato de levar seu animal para ser cruzado com outro, completamente desconhecido, de onde sairão filhotes que virarão rapidamente mercadoria (mais sobre isso adiante).

Creio que essas mesmas pessoas que dizem que a gayzada não pode se casar são as mesmas que estão se revoltando contra os direitos das empregadas domésticas (às quais se referem apenas por “domésticas”, para não deixarem cair no esquecimento os “bons tempos de antigamente” em que escravos se dividiam entre os de lida e os domésticos). Ou seja, essas pessoas ainda acreditam na noção bíblica (uns quatro ou cinco mil anos defasada, modernizada apenas pela influência europeia bimilenar por conveniência cromática) de que as pessoas podem ser divididas em níveis, ou subclasses; brancos ricos > brancos pobres > animais domésticos > animais de produção > pretos e pobres em geral > animais selvagens > abominações perante deus.

Essas mesmas pessoas respeitam a dignidade de animais da carne vermelha (em homenagem à lenda do Hércules hebraico) enquanto, ops!, esquecem de respeitar o dia de descanso da empregada já que “esse bacalhau não vai se dessalgar sozinho e você faz bem melhor que eu e não precisa ficar até tarde, pode sair assim que servir o almoço e tirar a mesa, não precisa vir amanhã mais cedo, pode lavar os pratos antes de sair”. O potencial de enganar a si mesmo com desculpas esfarrapadas é quase tão ilimitado quanto a hipocrisia humana. “Afinal, ela só trabalha aqui por que gosta, se não gostar pede demissão, tem uma fila de gente querendo trabalhar de doméstica e ainda estou provendo para a minha família” – que só se reúne nos almoços de domingo porque ninguém se aguenta com uma frequência maior que essa. E se o restaurante aceitar cachorros, ele vai junto.

Eu até me perguntava “o que diabo essas pessoas têm para se importarem tanto se um cara quiser realmente casar com seu cachorro” até lembrar que já ouvi de uma sujeita que os animais são inocentes (“menos gatos; gatos são dissimulados” e altamente antropomorfizados) e precisam ser protegidos. Para uma pessoa assim, o bem estar dos animais (que não são Os Animais, mas especificamente o seu cachorro) está tão acima dos direitos de um colega de humanidade que ela cria uma ponte lógica que vai de [casamento gay] até [casamento zoofílico], passando apenas por uma etapa, aquela onde os animais criam consciência momentânea apenas para serem contra seu próprio casamento com um humano, possivelmente gay.

Lembram do casal lá no começo do texto que levou seu cachorro para cruzar para que eles e os donos da cadela pudessem vender os filhotes? Se os animais são tão inocentes e precisam tanto de proteção e não entendem o que está acontecendo e não podem casar com gays, por que então, ó demônios que assombram o caráter dos cristãos, eles podem ser forçados a fazer sexo com um outro animal que nunca viram na vida e podem ser vendidos a qualquer um com dinheiro suficiente logo após tomarem a primeira vacina (e terem orelhas e rabos decepados, outro comportamento completamente adequado na cabeça mal formada desses retardados evolutivos com seus cérebros e capacidade cognitiva de lagartos)? Hein? Alguém tem uma resposta?

Ou a resposta é “animais só devem ser defendidos em situações que envolvem indivíduos dos degraus mais baixos da escala de importância – onde aqueles dos quais tenho medo são os mais rebaixados”?

Eu tenho das certezas a mais absoluta que aquele mesmo casal tradicional, em algum momento (talvez numa época de vacas magras, quando a madama achou que deveria pular do barco antes deste afundar ou quando o sujeito conheceu uma dona na Internet e viu crisedemeiaidademente um futuro melhor e mais sexualmente ativo com ela) já chegou ao limite do matrimônio e, enquanto considerava se valeria mais a pena vender o carro agora ou dividir o valor depois, jamais algum achou ruim a existência do divórcio. Que, junto com morte, é a principal ameaça à sagrada instituição do casamento que tanto querem proteger – desde que seja o dos outros.

Porque só um muito profundo desejo freudiano de controlar os outros explicaria esse tipo de atitude, já que existe tanta gente que se sente agredida quando me vê na rua andando descalço, como se o fato de eu ter uma postura altiva ao mesmo tempo em que tenho pés de agricultor fosse uma ofensa pessoal àquele indivíduo que, obviamente, é o centro de todo o universo e pode, não, DEVE!, ter poder de controlar a tudo e a todos.

Desde que seu poder não possa ser aplicado nele mesmo e nunca interfira nos seu desejo de castrar, mutilar e estuprar por procuração animais, nem no seu direito sagrado de não pagar hora extra para a empregada porque ela precisa trabalhar no dia que é sagrado e de descanso para você e para mais ninguém que se intrometa na sua comodidade.

A única “feliz páscoa” aceitável por aqui.

Num certo dia… (conto)

Eu estava revirando minhas coisas por causa de uma reforma e achei um caderno que, pelo conteúdo de algumas poucas páginas decifráveis, parece ser de 1999.

Além de desenhos aleatórios, símbolos musicais e algo que eu seriamente julgo ser um estudo numérico do alfabeto cuneiforme (sério!), achei o texto abaixo. Eu sei que parece completamente aleatório e inconsequente, mas ele tem uma razão de ser que, depois de apontada, se torna incrivelmente óbvia. Será que vocês conseguem decifrar?

Ei-lo, ipsis litteris, em toda a sua aleatoriedade de um Igor aos 18 anos:

A goteira da bica no quintal de Maria, a mulher de Pedro que trabalha com ferro, já tinha escavocado o piso de pedra quando o acidente se repetiu; a mesma chapa metálica que serve de apoio para os espetos portugueses de figueira e que já tinha ferido Pedro na coxa quando Maria distraiu-se e a deixou cair, caiu novamente, desta vez inexplicavelmente, em cima do dedão do pé de Maria, inchando-o imediatamente.

E isso tudo como se já não bastasse Nino, filho mais velho do casal, quase ter quebrado a perna quando caiu da goiabeira por ter se aventurado nos galhos mais finos atrás das melhores goiabas do pé. Nesse dia, o olhar de desespero dos pais era tão intenso que, apesar da imensa fila, o garoto foi atendido de imediato. O mesmo, porém, não aconteceria com Maria. Mas, como estava chovendo, muitos que preferem não se molhar, nem sairam de casa e a fila do pronto socorro estava até pequena. Em casa, Cascudinho, apelido para Pedro Cascudo Júnior, o filho mais novo, decidiu por manter a fêmea de pardal na gaiola, apesar do macho ter fugido pela manhã depois que ele esqueceu a gaiola aberta por causa do barulho da mãe gritando pelo pé ferido e dos latidos infindáveis e estridentes do cachorro do vizinho, que de tão velho já está banguelo.

Se alguém se interessar realmente acerca da chave decifratória e não conseguir descobrir qualé, eu escrevo a resposta em algum lugar.

InterCiência – entregando o jogo

Nosso ano começou aqui no Scienceblogs com uma excelente iniciativa (mesmo que voltada para um nicho específico), o Interciência, onde blogueiros trocariam posts com seus amigos-secretos em duplo-cego, pois somente o organizador, Kentaro, sabia quem eram todos os participantes e ele se negou a revelar as identidades dos presenteantes.

Eu, no entanto, sei exatamente quem escreveu cada texto, me utilizando de apenas três critérios: eficiência (prazo x volume), tema (assunto do blog presenteado e especialidade do presenteante) e gramática (principalmente vírgulas e espaçamento de parágrafos). Mas isso não é importante. O que importa é dizer qual dos textos listados abaixo foi escrito por mim.

Quem me acompanha no Twitter deve ter se dado conta de que eu sou devoto de apenas um santo; São MJ.

Daí, se torna óbvio que o texto “São Michael, padroeiro dos inventores” foi escrito por mim, para minha colega Ana Arantes.

Eu consegui enganar muita gente com dois artifícios: usando a palavra “inventores” e falando de patentes, fazendo alguns acharem que o texto era de Renato Pincelli, do Hypercubic, e; escrevendo o parágrafo introdutório como alguém que sofre de empatia e não conhece etimologia.

Pois bem, já está entregue. Eu sou o autor do texto publicado n’O Divã de Einstein (e não no Rainha Vermelha, como alguns sugeriram no bolão).

Amém.

Ilusões

Ilusões são enganos dos sentidos, ora percebendo coisas que não existem, outra não notando coisas reais. Todos somos suscetíveis a erros de percepção – alguns mais que outros.

Abaixo, uma lista das ilusões mais conhecidas (e outras nem tanto).

Quando você enxerga o que não está lá: ilusão de ótica.

Quando você não enxerga o que está realmente lá: ilusão idiótica.

Quando você só enxerga os símbolos que representam o que deveria estar: ilusão semiótica.

Quando você enxerga o que não está lá apenas com visão monocular: ilusão semi-ótica.

Quando você enxerga um macaco que não está lá: ilusão simiótica.

Quando você percebe uma coexistência entre o que está e o que não está: ilusão simbiótica.

Quando você só enxerga a vermelhidão da raiva a lhe incitar: ilusão psicótica.

Quando você ouve uma seqüência de notas que não estão a tocar: ilusão dó ré mi sol si fá.

Quando você enxerga uma reta que se aproxima infinitamente de uma curva sem jamais a tocar: ilusão assintótica.

Quando você enxerga desordem onde ela não está: ilusão caótica.

caos?

Quando você vê o branco dos olhos de quem não está a lhe mirar: ilusão esclerótica.

Quando você aspira o excesso de gás carbônico que está no ar: ilusão cianótica.

Quando você está num dos extremos políticos e acha que suas idéias vão fazer o país melhorar: ilusão patriótica.

Quando você se vê como um autômato obrigado a trabalhar: ilusão robótica.

Quando você calcula uma deformação contínua mesmo não tendo como provar: ilusão topológica.

Quando você encontra uma igreja anglicana do século 19 onde ela não pode funcionar: ilusão neogótica.

Quando você se vê em outro país apesar de lá não estar: ilusão exótica.

Quando você ouve uma lira tocando uma balada numa escala medieval que aquela não pode alcançar: ilusão em dórica.

Quando você acha que vive bem mesmo quando está a ponto de quebrar: ilusão eubiótica

Quando você lê palavras completas onde abreviações estão a dominar: ilusão estenógrafa.

Quando você acha que assistiu a um filme de Zé do Caixão que jamais iria ao ar: ilusão do Mojica.

Quando você percebe atos inocentes como libidinosos a ponto de se excitar: ilusão erótica.

Quando você ouve a voz de um físico teórico que não pode mais andar: ilusão lateral amiotrófica.

Quando você enxerga uma ameaça à liberdade do país enquanto livremente vocifera sua opinião sem ninguém lhe encarcerar: ilusão despótica.

Quando algo lhe induz ao sono mesmo não tendo mecanismos para funcionar: ilusão narcótica.

Quando você acha que está na Itália mas na verdade está na França, no meio do mar: ilusão de Córsega.

Quando você ouve zunir um carro feio que mal consegue acelerar: ilusão de Ford Ka

Quando você bebe suco de laranja puro e acha que está a se embriagar: ilusão de vodca.

Quando você cheira no forno um bacalhau com batatas, ovo, cebolas e azeitonas que não está a cozinhar: ilusão a Gomes de Sá.

Quando você enxerga várias críticas em um texto que não há: ilusão ecdótica.

Quando você glorifica uma janela suja ou uma torrada queimada por enxergar uma imagem que precisa de altar: ilusão apoteótica.

Quando você lê um tratado ultrapassado e acha que sabe diagnosticar: ilusão neurótica.

Quando você é um homeopata dizendo que vacinas se baseiam nos princípios da diluição infinita, chacoalhada para ativar: ilusão antibiótica.

Quando você é um auto-hemoterapeuta dizendo que se curou de uma doença sem conseguir provar: ilusão anedótica.

Que 2013 nos traga saúde (ou, Uma Ode aos Mediconomistas)

Neste arbitrário ponto em nossa órbita ao redor de uma estrela mais-ou-menos, me pego esperançoso, desejando que mais de nós – humanos – fôssemos de uma classe rara mas imprescindível e cuja falta é cada vez mais sentida; a dos mediconomistas.

É função desses pro(-bono)fissionais nos nortear em direção a investimentos físicos seguros que nos amealhem riquezas de modo a não nos preocuparmos indevidamente com a perda de bônus e tônus, empregando corretamente nossa suada ATP e evitando a longo prazo ações que desvalorizem nossa circulação (sanguínea ou monetária), como depósitos de gordura (até na poupança) que podem reduzir a liquidez das nossas artérias, elevando as taxas e aumentando perigosamente o nosso débito cardíaco, nos levando a uma possível falência respiratória.

Mediconomia

É também de sua responsabilidade nos recomendar movimentar os fundos visando evitar a necessidade de aplicações de risco cirúrgico (passando longe tanto do Tesouro quanto da tesoura), monitorando regularmente nossa conta corrente sanguínea para que fiquem seguros todos os nossos bens – incluindo o bem-estar, sem deixarmos de considerar todas aquelas siglas (HDL, CDB, TGP, DOC, T4, CC) que tanto nos esvaziam os bolsos das calças quanto nos criam bolsas nos olhos.

À maioria de nós, pessoas comuns, falta experiência para lidarmos com o balanço de nossas contas e as balanças dos nossos cantos. Temos também dificuldade em seguir as orientações da Receita e as instruções de receitas mesmo geralmente quando bem-sucedidos em evitar colapsos – emocionais e econômicos.

Precisamos que esses profissionais nos mostrem que a única promoção que nos é realmente essencial é aquela da saúde. E que esta não deve vir com descontos ou prestações, mas sempre à vista de todos.

Toda riqueza consiste de coisas desejáveis, isto é, coisas que satisfazem as necessidades humanas, direta ou indiretamente. Mas nem todas as coisas desejáveis são contadas como riqueza.

– Alfred Marshall

Tudo em excesso é contrário à Natureza.

– Hipócrates

A boa (e curta) vida

O texto a seguir foi escrito por Dudley Clendinen e publicado no New York Times em julho de 2011 e trata da autonomia de um paciente terminal.

A tradução foi feita por mim, sem permissão.

Eu tenho amigos maravilhosos. Neste último ano, um me levou para Istambul. Um me deu uma caixa de chocolates artesanais. Quinze deles fizeram dois excitantes e pré-póstumos funerais para mim. Vários assinaram cheques grandes. Dois me enviaram uma caixa com todas as cantatas sacras de Bach. E um, do Texas, pôs a mão no meu ombro emagrecido e pareceu estudar o terreno onde estávamos. Ele tinha vindo me ver.

“Precisamos comprar uma pistola, não é?”, Ele perguntou em voz baixa. Para eu atirar em mim mesmo, ele queria dizer.

“Sim docinho,” eu disse, com um sorriso. “Precisamos”.

Eu o amava por isso.

Eu amo a todos eles. Tenho uma sorte imensa por ter a minha família e amigos, e minha filha, meu trabalho e minha vida. Mas eu tenho esclerose lateral amiotrófica, ou ELA, mais gentilmente conhecida como doença de Lou Gehrig, por causa do grande rebatedor Yankee e homem de primeira base, a quem foi dito que o tinha em 1939, e que aceitou o veredicto com tanta graça, morrendo menos de dois anos depois . Ele tinha quase 38 anos.

Às vezes eu a chamo de Lou, em sua homenagem, e porque o familiar parece menos ameaçador. Mas não é uma doença gentil. Os nervos e músculos pulsam e se contorcer e, progressivamente, morrem. Do lado de fora, parece a onda de teclas de piano nos músculos sob a minha pele. Por dentro, parece aquela ansiedade que dá frio do estômago, tentando sair. Ela começa nas mãos e nos pés e vai fazendo seu caminho para cima e para dentro, ou ela começa nos músculos da boca e da garganta e no peito e abdômen, e vai indo para baixo e para fora. A segunda maneira é chamada “bulbar”, e que é o jeito que acontece comigo. Nós não vivemos muito porque ela afeta a nossa capacidade de respirar logo no início e só fica pior.

No momento, para alguém com 66, eu pareço muito bem. Perdi 10 quilos. Meu rosto está mais fino. Eu até ouço alguns “Olá, bonitão”, de que gosto. Eu penso nisso como minha fase de cosméticos. Mas é difícil sorrir e mastigar. Estou com falta de ar. Eu engasgo muito. Eu soo como bêbado ofegante do lábio preso. Para um alcoólatra em recuperação, é realmente irritante.

Não há nenhum tratamento significativo. Não há cura. Existe uma medicação, Rilutek, o que pode fazer a diferença de alguns meses. É vendido por cerca de US $ 14.000 por ano. O que não me parece valer a pena. Se eu deixar a doença correr seu curso, com todo o carinho e apoio pessoal, medico e tecnológico que precisarei ter nos próximos poucos meses, ela vai me deixar, em 5 ou 8 ou 12 anos, uma múmia consciente, mas imóvel, muda, murcha e incontinente. Mantida por tubos de alimentação e de excreção e por máquinas de respiração e sucção.

Não, obrigado. Eu odeio dar trabalho. Eu não acho que vou ficar para ver a metade final de Lou.

Eu acho que é importante dizer isso. Nós somos obcecados neste país por coisas como comer, vestir, beber, achar emprego e um companheiro. Sobre sexo e filhos. Sobre como viver. Mas nós não falamos sobre como morrer. Agimos como se encarar a morte não fosse uma das maiores emoções da vida e um dos maiores desafios. Acredite em mim, é. Isto não é entediante. Mas temos de ser capazes de ver os médicos e máquinas, sistemas médicos e seguros, familiares e amigos e religiões como informativos – e não impositores -, a fim de sermos livres.

E esse é o ponto. Não se trata de uma doença em particular ou mesmo da morte. Isso é sobre a vida, quando você sabe que não resta muito. Essa é a bênção estranha de Lou. Não há como escapar e pouco a fazer. É libertador.

Comecei a perder a dicção em maio de 2010. Quando o neurologista me deu o diagnóstico em novembro daquele ano, ele apertou minha mão com um sorriso amarelo e me liberou para o frio, vazio e cinza estacionamento abaixo.

Era crepúsculo. Ele confirmou o que eu tinha suspeitado por seis meses de testes com outros especialistas à procura de outras explicações. Mas suspeita e certeza são duas coisas diferentes. Ali, de repente me bateu que eu ia morrer. “Eu não estou preparado para isso”, pensei. “Eu não sei se fico aqui, entro no carro, me sento nela, ou dirijo. Para onde? Por quê?” A confusão durou cerca de cinco minutos, e então me lembrei que eu tinha um plano. Eu tinha um jantar marcado em Washington naquela noite com um velho amigo, um estudioso e autor que estava se sentindo deprimido. Conversávamos muito sobre ele. Justo. Hoje à noite, eu aumentaria a aposta. Falaríamos sobre Lou.

Na manhã seguinte, percebi que eu tinha um modo de vida. Por 22 anos, tinha ido a terapeutas e reuniões dos alcoolicos anônimos. Eles me ajudaram a lidar com um alcoólatra gay que era. Eles me ensinaram a me manter sóbrio e saudável. Ensinaram-me que eu poderia ser eu mesmo, mas que a vida não era apenas sobre mim. Eles me ensinaram como ser um pai. E, talvez mais importante, eles me ensinaram que eu posso fazer qualquer coisa, um dia de cada vez.

Incluindo isto.

Estou, de fato, preparado. Isto não é tão difícil para mim como é para outros. Não é tão difícil como é para Whitney, minha filha de 30 anos de idade, e para minha família e amigos. Eu sei. Eu tenho experiência.

Eu era próximo da minha velha prima, Florence, doente terminal. Ela queria morrer, não esperar. Eu era legalmente responsável por duas tias, Bessie e Carolyn, e pela minha mãe, as quais teriam morrido de causas naturais anos antes se não por causa da tecnologia médica, sistemas bem-intencionados e mãos carinhosas e atenciosas.

Eu passei centenas de dias ao lado da mãe, segurando a mão dela, tentando contar-lhe histórias engraçadas. Davam-na banho, e fraldas, a vestiam e a alimentavam, e nos últimos anos ela olhava para mim, seu único filho, como olharia uma nuvem passageira.

Eu não quero essa experiência para Whitney – nem para quem gosta de mim. Protelar seria um desperdício colossal de amor e dinheiro.

Se eu optar pela traqueostomia que vou precisar nos próximos meses para evitar asfixia ou morte por pneumonia aspirativa, o respirador e os funcionários e um sistema de apoio necessário para manter-me vivo vai custar meio milhão de dólares por ano. Meio milhão do dinheiro de quem, eu não sei.

Eu prefiro morrer. Eu respeito os desejos de pessoas que querem viver tanto tempo quanto puderem. Mas eu gostaria o mesmo respeito para aqueles de nós que decidem – racionalmente – o contrário. Eu fiz minha lição de casa. Eu tenho um plano. Se eu pegar pneumonia, eu deixo ela me levar. Se não, existem aquelas outras maneiras. Eu só tenho que agir enquanto minhas mãos continuam funcionando: a arma, entorpecentes, lâminas afiadas, um saco plástico, um carro rápido, remédios, chá de oleandro (uma maneira educada do Sul), monóxido de carbono, mesmo hélio. Que me daria uma voz muito engraçada no final.

Eu encontrei um caminho. Não uma arma. Uma forma que é calma e tranquila.

Saber disso me conforta. Eu não me preocupo mais com alimentos gordurosos. Eu não me preocupo em ter dinheiro suficiente para envelhecer. Eu não vou envelhecer.

Estou tendo uma experiência maravilhosa.

Eu tenho uma filha brilhante, linda e talentosa que mora por perto, o presente da minha vida. Eu não sei se ela aprova, mas ela entende. Deixa-la é a única coisa que eu odeio. Mas tudo o que posso fazer é dar a ela um pai que era vigoroso até o fim e soube quando desistir. O que mais existe? Eu passo muito tempo escrevendo cartas e notas, e gravando as conversas sobre isso, que eu encaro como A Boa Vida Curta (e Terna Saída), para a WYPR-FM, a principal estação pública de radio em Baltimore. Eu quero quebrar o gelo, tornar mais fácil falar sobre a morte. Estou muito atrasado em minhas notas, mas as pessoas são incrivelmente pacientes e agradáveis. E convidativa. Eu tenho convites e mais convites.

No mês passado, um velho amigo me trouxe uma gravação dos maiores shows que ele já havia ouvido; Leonard Cohen, ao vivo, em Londres, há três anos. Música poderosa, etérea, escrita por um poeta, compositor e cantor, cuja vida tem sido tão dura e vigorosa como uma velha árvore.

A canção que me paralisou, palavras e música, foi “Dance Me to the End of Love”. Essa é a maneira que eu sinto ultimamente. Eu estou dançando, girando ao redor, feliz nos últimos compassos da vida que eu amo. Quando a música parar – quando eu não puder amarrar minha gravata borboleta, contar uma história engraçada, passear com meu cachorro, conversar com Whitney, beijar alguém especial, ou escrever linhas como estas – eu saberei que a vida acabou.

É hora de ir embora.

Dudley Clendinen é um ex-correspondente nacional e editorialista do The Times e autor de “Um Lugar Chamado Canterbury”.

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