Sua comida à luz da… bem, da luz.
Fotão (ou fóton, se você acha que existe palavra em português acabando em N) é uma partícula elementar que carrega a energia eletromagnética. Isso é uma forma didática de dizer “luz é um tipo de energia”.
O termo “eletromagnética” não ajuda a simplificar as coisas, mas depois que se vence esse obstáculo linguístico a coisa fica mais fácil porque luz é uma coisa que se vê. E se sente. E se ouve. E, principalmente, se come.
Não estou falando daqueles loucos do respiratorianismo (sim, esse nome existe) que acham que podem ~viver de luz~ sem comer ou beber coisa alguma, apenas absorvendo luz solar. [1]
Semelhante à forma como porcos são fabulosas máquinas de transformar milho em bacon, plantas são organismos que transformam luz solar em alimento, através da famosa fotossíntese. E isso não é mágica, é apenas transdução de energia eletromagnética em energia química.
No entanto, você não é planta nem doente da cabeça, então aquele alimento que você não consegue produzir ainda não lhe pertence. Mas você já pode ver aquele caju vermelho e suculento só esperando um maribondo para lhe beber do néctar. [2]
Usei caju no exemplo acima porque arroz não é muito apetitoso quando está na árvore. Ou na rama. Nunca vi um pé de arroz.
“E por que usaria arroz?”, você pergunta, em tom intrigado. Porque muitos aprenderam a fazer risoto assistindo a programas de culinária.
“Hein!?”, é a próxima indagação, já com subtons de irritação. Porque tem gente que faz risoto em forno de micro-ondas.
“E o que isso tem a ver com as calças?”, vem a inevitável e sardônica pergunta. Ora, risotos são melhores consumidos enquanto ainda estão quentes, óbvio!
“E… o que… diabos…” você tenta articular, com o ódio lhe bloqueando a garganta. Existe coisa mais bonita do que um prato de risoto bem guarnecido com folhinhas de salsa ou coentro?
“…” é uma reação de confusão mental e descrença alheia com a qual estou bem familiarizado. Apesar de criada na ensolarada Itália, o arroz da receita vem da Ásia, onde é colhido há séculos por trabalhadores que usam aqueles tradicionais chapéus de palha.
Falando em sêmen (que é uma palavra perfeitamente cromulente em português acabando em N ), o arroz é uma semente que, tecnicamente, contém também o fruto. Diferente do caju, que é um pseudofruto.
“Adeus.” Calma, peraí. Eu estou explicando desde o começo, você que não prestou atenção.
O sinal da TV por onde você aprende a receita, as micro-ondas do forno, o calor do risoto, a cor das ervas no prato, o bronzeamento e consequente envelhecimento precoce da pele dos colhedores de arroz e até a longa data de validade do produto são efeitos da luz.
Os fotãos podem vibrar em várias frequências, que vão de ondas de rádio (transmissão do sinal de TV), passando por micro-ondas (que vibram as moléculas de água, esquentando comidas), infravermelho (calor é, basicamente, luz infravermelha), luz visível (vermelho, laranja, amarelo, verde, azul e violeta – desculpe Newton, mas anil não é cor), ultravioleta (a parte do espectro que danifica sua pele, que tenta se defender escurecendo), raios-x e, finalmente, raios gama. Estes dois últimos são usados num processo de preservação de alimentos chamado “irradiação” ou “pasteurização fria“.
Você vê a luz quando ela está entre o vermelho e o violeta do arco-íris. Você sente a luz quando está com calor ou com uma queimadura de sol. Você ouve a luz quando ondas de rádio são traduzidas em ondas sonoras. E, principalmente, você come a luz quando ingere qualquer produto vegetal que transformou luz em energia química ou qualquer alimento que tenha sido aquecido ou tenha um prazo de validade razoável.
———
[1] Assim como todos os cogumelos são comestíveis – alguns apenas uma vez, é possível viver sem comer ou beber – só não por muito tempo.
[2] Não, isso não é um eufemismo.
Coisas que não sei: panela de pressão
Quem me lê há anos talvez não lembre que às vezes eu uso o 42. como um mecanismo de busca orgânico (faz um tempinho que não pergunto nada aqui, maldito seja o Facebook) e a pergunta a seguir está me corroendo desde que aprendi a usar tal utensílio culinário.
A pressão criada numa panela de pressão atua diretamente no alimento?
Explico: eu notei que cozinhar batatas na pressão faz com que elas fiquem consideravelmente mais firmes do que aquelas cozidas ao ar livre. Desde que eu deixe a panela esfriar e perder pressão ao seu próprio ritmo. Se levantar o pitoquinho (ou “válvula de escape”, para os não-potiguares) fazendo a pressão residual cair rapidamente, os tubérculos estouram como uma espinha inflamada antes de um encontro romântico.
É notável também que carnes cozinham até o ponto em que se desmancham como algodão doce em boca de cachorro mas continuam a manter o formato (novamente, desde que a pressão se equilibre com a ambiente naturalmente).
Eu entendo que, ao ferver sob pressão, a água muda de estado mais calmamente e não forma bolhas tão violentas (um alô para os laboratoristas!), mas a manutenção do formato da carne e da consistência das batatas se dá só por isso? Ou a pressão em si influencia o resultado, segurando as fibras/amido no formato/consistência original?
Minha dúvida é a seguinte: já que geralmente essas coisas estão submersas num líquido não-comprimível, a pressão tem influencia direta sobre as comidas ou apenas o aumento da temperatura explica os fenômenos descritos?
Quantas cores cabem no seu cérebro?
O registro hidráulico do meu banheiro está vazando água numa frequência estalactítica. De fato, “vazando” talvez não seja o termo adequado, visto que o escape de água é tão lento que as poucas gotas que se projetam para a parede evaporam antes de escorrer mais que um ou dois centímetros.
Cada gosta carrega consigo uma quantidade ínfima de algum metal oxidado (que suponho seja proveniente da rosca de metal do próprio registro, provavelmente cobre) e, por causa da lentidão do processo, água suficiente evapora no mesmo lugar a ponto de deixar um rastro metálico azulado que vem crescendo ao longo do último ano e meio e já deve ter uns dez ou doze centímetros.
Ontem, numa explosão de iniciativa, eu resolvi passar um quadrado de papel higiênico transversalmente ao rastro para identificar se a situação pode ser remediada apenas com material absorvente ou se vou precisar passar uma lixa na porcelana (não, isso não é um eufemismo). E qual não foi a minha surpresa, constatando a fresca umidade do material desconhecido, ao notar que o papel ficou sujo com uma substância verde, e não azul como eu supunha que ficaria. Vendo que o papel estava verde, olhei novamente para o rastro anteriormente azulado e, desde então, não consigo ver outra cor que não verde.
Como na ilusão da bailarina, a permanência e imutabilidade física do objeto mudaram sob meu vigilante olhar. O rastro acusador de descuido mudou de azul para verde.
Algum tempo atrás, Kentaro demonstrou como nosso cérebro é inútil quanto à objetividade cromática. Mais praticamente, várias línguas ao redor do mundo tratam verde e azul pelo mesmo nome.
Consideravelmente mais confuso, no entanto, é o tratamento que Homero dá à cor do céu no livro 17 da Ilíada (tradução minha, já que as que encontrei são ainda mais confusas e ainda mais difíceis de traduzir para um português mais modernamente acessível):
Os troianos, por sua vez, também falavam uns aos outros: “Amigos, mesmo que não sobre um só de nós ao lado deste corpo, não nos deixemos temer a luta.”
Tais palavras os animaram e eles lutaram e lutaram, um ressoar de ferro subindo, pelo ar vazio, ao céu de bronze.
Homero provavelmente sofria de algum problema visual (ou mental, algo como Síndrome da Extrapolação Poética Exagerada), já que se refere ao mar como tendo cor de “vinho escuro”. Ovelhas também têm essa cor para o autor. Mel, por sua vez, era um verde igual ao dos rostos furiosos dos combatentes.
Ou não. Ele descreve eventos que ocorreram alguns séculos antes do seu tempo, lá pelo ano 1260 AEC que é também, mais ou menos, quando o tanachco livro de Jó foi escrito (PDF – página 37). Livro em cujo capítulo 37, versículo 18, o céu é comparado a um “espelho de bronze”.
Será que por volta do século -12 o céu era realmente abronzaiado? Ou apenas a palavra “azul” (e, portanto, a sua percepção) ainda não existia?
E no x-burguer abaixo, qual tom de verde você diria que a alface apresenta?
Porque, na verdade, a imagem acima não contém cor alguma que não tons de vermelho e de cinza (incluindo o fundo “preto”).
Como a prova do que eu estou dizendo não existe mais no ar, dirija-se ao Wayback Machine mais próximo e confira.
(Alternativamente, neste link você vê um zoom do quadrado evidenciado.)
Finalizando, um dos meus desenhos favoritos, já em domínio públio e na íntegra, Beety Boop em “Pobre Cinderela”:
Notou as cores? Notou quantas existem?
Desenhos de Betty Boop sempre foram produzidos em preto e branco, exceto o exemplo acima, onde o preto foi substituido pelo vermelho e o branco pelo verde (ou seria azul?). Tecnicamente, o desenho acima contem o mesmo número de cores que seus antecessores P&B. Seria algo como “256 tons de marrom verde-avermelhado”.
E então, o rastro oxidado no meu banheiro é azul? O desenho de Betty Boop é verde? O céu é bronzeado? A alface é verde?
Segundo o meu resultado deste teste (mostrado abaixo), minha discriminação de cores é até boa (melhor quanto mais perto do zero, pior quanto mais perto de mil) mas nem isso me ajuda a distinguir um verde-azulado de um azul-esverdeado.