Alguém me explica que Merd, ops, Nerdologia foi esse?

Como venho me dedicando aos livros em detrimento aos podcasts, venho marcando a passagem das semanas pelas quintas-feiras. Mais especificamente pelo excelente Nerdologia, escrito e apresentado por Atila Iamarino (sim, aquele do Rainha Vermelha).

O videocast é patrocinado, via de regra, pela Nerdstore (autoexplicativo) e, vez por outra, por alguma outra empresa fora do conglomerado Jovem Nerd (do qual o Nerdologia faz parte), mas nunca deixando de ser algo relacionado ao mundo neo-nerd, como videogames, computadores, esportes de ação (hein?). Exceto este último.

O episódio mais recente me pegou de surpresa. E me pegou num lugar inesperado. E privado.

Logo no comecinho, na primeira aparição do patrocinador, surge a imagem abaixo:

Desconhecida por mim mas totalmente cromulente e inocente.

Desconhecida por mim mas totalmente cromulente e inocente.

Como a imagem aparece por menos de dois segundos na tela, li “hearing guardian” e achei que fosse algum tipo de protetor auricular. Sabe? Daquele que guard sua hearing? Pois. Não é.

No final, meio distraído (porque quando estou prestando atenção eu fecho o vídeo antes da propaganda começar), escuto uma voz diferente exclamando(sic): “Agora que você já sabe para que servem as suas células ciliadas, você pode exercitar as suas com o Hearing Guardian V1 da Biosom.”

Depois de recolher meu diploma do chão e recolocá-lo na parede, voltei para ouvir o resto. A propaganda alega que o produto Hearing Guardian V1 da empresa Biosom (sic) “é um software que ativa e movimenta as suas células ciliadas uma a uma, como se fosse um afinador de piano, deixando elas mais resistentes ao longo de sua vida”.

Eu até poderia discorrer sobre as propriedades fisiológicas dos estereocílios (o nome próprio das células que o software promete re-energizar reativar ressuscitar rejuvenescer exercitar) e fazer comparações do tipo “alegar que um programa pode exercitar as células do seu ouvido com estímulos sonoros é como tentar vender um massageador de períneo que promete deixar seus espermatozóides mais bronzeados, já que ambos prometem dar novas propriedades às celulas” ou ainda que dizer que isso vai deixar os estereocílios “mais resistentes ao longo da sua vida” é semelhante a propor que a pedra só é dura porque precisou aguentar, por anos a fio, as pancadas da água (que é mole pelo mesmo motivo, só que ao contrário).

Todavia, como sou formado apenas em engenharia de áudio, vou me ater aqui ao que vem escrito na fonte.

E sabe o que mais movimenta suas células ciliadas uma a uma? Barulho. Qualquer barulho. E isso para não falar nada sobre o fato de que elas não ficam isoladas, mas sim em feixes de várias ao mesmo tempo.

Um a um? Acho que Senhor Miyagi discordaria...

Um a um? Acho que Senhor Miyagi discordaria…

O locutor da propaganda diz, em seguida, que o software foi desenvolvido na Coréia do Sul e teve sua eficácia comprovada pelo Instituto Earlogic de Pesquisa da Coréia. Bom, a partir dessa informação impressionante de comprovação de eficácia, já posso passar para o site da empresa Biosom. Lá, me deparo com a temida seção “depoimentos” que todo pseudocientista adora, já que experiência pessoal é sempre mais importante que qualquer estudo bem feito com milhares de pessoas (agora, adivinha o que nunca tem nessas páginas? Um formulário de “escreva aqui o seu depoimento” ou algo semelhante). São oitenta depoimentos dos quais cinquenta e um (63,75%) agradecem à marca por uma melhora significativa do zumbido ou tinnitus. Mas isso só fica importante mais para a frente.

Em seguida, encontro a subseção “estudo“, onde se lê:

Vários estudos têm relatado que o condicionamento de som (ou seja, exposição prévia a sons de baixo nível) poderia proteger contra danos na capacidade auditiva causados por ruído traumático em um número de espécies de mamíferos, incluindo humanos.

Palavra-chave ali é “proteger”, correto? Como em português essa frase só existe nessa página e noutras apontando para ela (e não sei do que se trata coreano), catei em inglês até achar isto aqui:

“In addition to delaying progressive hearing loss, acoustic stimuli could also protect hearing ability against damage by traumatic noise. In particular, a method called forward sound conditioning (i.e., prior exposure to moderate levels of sound) has been shown to reduce noise-induced hearing impairment in a number of mammalian species, including humans.”

Isso eu achei no ClinicalTrials.gov, uma base de dados de estudos clínicos em humanos do Instituto Nacional de Saúde americano. Esse estudo deveria comparar a diferença de percepção entre tons puros, antes e depois da estimulação sonora. Pena que, mesmo tendo sido completado dois anos atrás, ele nunca apresentou os resultados.

Um dos links na seção “Outros estudos sobre a tecnologia” é este, igualmente sem resultados publicados.

Ambos, prepare-se para a surpresa, patrocinados pela Earlogic Korea, Inc., tendo como investigadores principais Eunyee Kwak, Ph.D. e Earlogic Auditory Research Institute, empresa que o locutor diz ter comprovado a eficácia do software. Volto já para a Earlogic, calma.

Procurando mais especificamente pelo resultado do ^estudo^ (aspas irônicas) na página da Biosom vejo que na Internet inteira (ou na parte alcançada pelo Google, pelo menos), não há uma só menção (fora, claro, o site da marca) que relacionasse “13,51 dB” com “P= 0.00049” a um estudo sobre audição. Ou sequer a qualquer outra coisa senão o próprio texto.

Me interessando bastante o “vários” em “vários estudos têm relatado que o condicionamento de som poderia proteger contra danos na capacidade auditiva causados por ruído traumático”, fui atrás. Achei um bem interessante, este sim publicado (no Journal of Neurophysiology da American Physiological Society).

O teste mostrou que o condicionamento sonoro (em ratos, seis horas diárias) realmente melhora a resposta coclear. Exceto na faixa testada acima de 12kHz. Que é o que acontece com a idade, quando os agudos começam a morrer. Como se ela tivesse sido exposta a sons, como quem passou anos ouvindo (como os ratos que passaram seis horas diárias e consecutivas durante dez dias ouvindo o equivalente ao som de um liquidificador de 600W triturando cem gramas de gelo a uma distância de noventa e cinco centímetros, mais ou menos [1]).

O estudo acima diz que é possível melhorar (simplificando, porque a explicação toda envolve termos como “permanent threshold shift” e “high pass filter” que eu aprendi quando fui alfabetizado em inglês e estou com séria indisposição agora) a eficiência coclear. Sabe o que o estudo não diz? Aliás, sequer cita? Que essa macumba sonora cura tinnitus ou zumbido ou perda de audição. Que é no que os depoimentos do site se concentram.

Se eles dizem ter sido curados de seus zumbidos e a propaganda diz que a eficácia foi comprovada pela Earlogic, vamos agora para a Coréia do Sul (a boazinha da duas) conhecer de perto a empresa.

Procurando primeiro por Eunyee Kwak, Ph.D., vejo que ela é a diretora de pesquisa da Earlogic Corporation.

Investigadora principal da Earlogic Corporation.

Investigadora principal da Earlogic Corporation.

Na página da Biosom ela é constantemente associada a outro Kwak, Sangyeop. Este, descobri, é o fundador e presidente/CEO da Earlogic Corporation (link em PDF). Segundo seu currículo, Sangyeop não publica desde 2010.

Fuçando na publicações curriculares, tem o promissor “Hearing Improvement with Customized Sound Stimulation“, supostamente publicado na American Academy of Audiology. O problema é que a academia nunca ouviu falar desse trabalho.

Aliás, somente a Eartronic e sua irmã Earlogic (digo irmã porque o currículo Kwak está no fileadmin da primeira, mostrando que ele é dono da segunda) parecem saber dessa publicação.

Do também excitante Ameliorative Effect of Customized Sound Stimulation on Sensorinerual Hearing Loss, só achei o abstract na Association for Research in Otolaryngology. As demais supostas publicações do currículo são mais específicas da prática de otologia do que da de magia negr, ops, “condicionamento sonoro antecipado”.

Aprofundando-me mais ainda naquele(a) obscuro(a) fosso(a) de desinformação que é o site da Biosom, encontro a seção “curiosidades“, onde acho o trecho a seguir:

“O software foi baseado no nosso equipamento que se chama REVE 134 (…)”

O que é esse REVE 134? O produto vendido pela Earlogic, criado por Kwak.

Aliás, as passagens “Um aparelho auditivo auxilia os deficientes auditivos amplificando os sons externos. Ele não tem a função de uma terapia fundamental para perda auditiva” da Biosom e “According to the current hearing loss management, hearing aids is used to help hearing-impaired people hear better by amplifying external sounds.It is not a fundamental therapy for hearing loss and does not cure the damaged auditory hair cell.” da Earlogic são bem, digamos assim, traduzidas.

Na parte de “Perguntas frequentes -> Dúvidas sobre os efeitos do Hearing Guardian V1 -> Há provas da eficácia do software?”, podemos ler e confirmar o que o locutor da propaganda diz, que:

“(…) estudos do Instituto Earlogic de Pesquisas da Coréia do Sul e do Grupo de Pesquisa Tecnológica Adaptive Neuromodulation GmbH (ANM) da Alemanha comprovaram que a utilização da tecnologia adequadamente pode recuperar em até 10dB a audição perdida no prazo de duas semanas, podendo assim diminuir sintomas decorrentes da perda auditiva, como zumbido e dores de cabeça.”

O produto Hearing Guardian V1, que também responde por REVE 134, foi desenvolvido pela Earlogic, aquela lá do Doutor Quack – ops, Kwak (hoje estou especialmente disléxico, que diabos!), mesma empresa (ou “Instituto”, como eles anunciam) que ^provou a eficácia^ do próprio produto em ^vários estudos^ nunca publicados.

O método descrito no ^estudo^ do site da Biosom usa um certo tom “a um nível mínimo audível” (o que nós, detentores de um diploma basicamente inútil, chamamos de “limiar de audição”). Bem diferente do som de liquidificador do estudo realmente publicado! O ^estudo^ com 17 voluntários (!) publicado no site é uma tradução do “The Effect of Sound Stimulation on Pure-tone Hearing Threshold” que o ClinicalTrials.gov diz não ter sido completado (última atualização em 7 de setembro de 2011) enquanto a Eartronic (irmã da Earlogic) publica uma versão atualizada dia 7 de janeiro de 2011 (PDF). Huuum…

E todos, todos os estudos, reais ou não, sempre dizem que o treinamento sonoro melhora a percepção de alguns tons ou ajuda a proteger contra lesões traumáticas. Nenhum deles cita zumbido/tinnitus ou restauração de audição perdida. Essas alegações só aparecem nas propagandas, subrepticiamente sempre conectada a “vários estudos” ou “teve sua eficácia comprovada” usando testes que nunca disseram coisas do tipo. E isso é propaganda enganosa, desonestidade intelectual e falência moral.

Não posso dizer que me decepcionei com o Nerdologia, visto que seu conteúdo continua sendo muito bom, além do programa ser bem produzido. O que posso afirmar é que o locutor do anúncio não pode dizer que o software teve sua eficácia comprovada. Especialmente tendo o público-alvo que tem. Mais ainda quando um deslize desses pode sujar a reputação de um cientista de verdade. Mais especificamente quando se trata de um amigo meu.

Agora durma com esse barulho.

———

[1] Segundo meu decibelímetro e minha fita métrica.

Moedas falsas de 1 Real e 50 centavos? Ou só um país vira-lata?

Na imagem abaixo, ache a moeda falsa!

Notem a terceira moeda.

Notem a terceira moeda.

Uma mensagem de alerta acerca de moedas falsas de 1 real e cinquenta centavos vem circulando desde 2002 num tipo de spam não necessariamente por email. Achar posts, imagens, tuítes, vídeos e compartilhamento de Facebook que afirmem isso não é difícil. O difícil é confirmar a veracidade das informações antes de sair por aí espalhando o que pode ser mentira.

(Né, Internet? Estou olhando para você.)

Às vezes até alguém com espírito mais empreendedor tira uma ruma de moeda fedida do bolso para uma demonstração ao vivo. Ninguém tem nada a ganhar com isso, assim como ninguém tem nada a ganhar inventando que carro quente produz benzeno. [1]

As alegações são, via de regra, as seguintes: as moedas falsas são mais leves, não brilham como as verdadeiras, não são atraídas por ímãs, os detalhes são grosseiros, a falsa é “mais oval”, o tamanho dos detalhes “são um pouco maior, pouca coisa, mas são!” e etc. Cada um tem sua teoria.

O que não significa que não estejam todos certos, visto que não existiria só um falsário fazendo moedas sempre no mesmo padrão. O problema aqui é, como muitos outros problemas na vida, ignorância dos fatos.

Mas, antes disso, outro teste rápido. Qual dessas duas joaninhas é uma aranha?

Uma dessas é uma joaninha. Foto de Kathy Keatley Garvey

Uma dessas é uma joaninha. Foto de Kathy Keatley Garvey

Se você procurar diferenças você vai achá-las. Não necessariamente porque elas existam, mas porque você está se concentrando tanto em anomalias que vai acabar achando alguma. Ou achando que achou. Isso se dá porque você está comparando apenas duas moedas e considerando que uma é necessariamente verdadeira e a outra é necessariamente falsa. Logo, qualquer risco, qualquer deformação, qualquer desgaste será interpretado como prova de diferença entre as duas, uma sendo legítima e deixando a outra como cópia barata.

“Ei, bonitinho, você me chamou de ingnorante e vai ficar por isso mesmo?”

Hum. Tá, não é todo mundo que visita a página do Banco Central quando está com tempo livre, então vou deixar aqui um link com as características relevantes.

Mais que o "jeitinho brasileiro", o vira-latismo é uma mania nacional.

Mais que o “jeitinho brasileiro”, o vira-latismo é uma mania nacional.

As moedas são diferentes e legítimas. Mas isso você não notou até alguém ter dito que uma é falsa. Então, você até passa a achar a moeda mais leve apesar de uma diferença de oitenta e quatro centésimo de um grama. Mas, sei lá, vai que você realmente é capaz de detectar uma diferença de 12% no peso entre duas moedas e é uma daquelas pessoas extraordinárias que é (como a maioria da população) acima da média. [2]

É como comparar as duas joaninhas da imagem acima (pois é, ambas são joaninhas). Se você supõe previamente que uma delas é falsa, você vai concluir que uma delas não é uma joaninha. Não porque ela realmente seja uma aranha (a da foto abaixo, ao contrário da primeira, é sim uma aranha disfarçada) ou outra espécie de inseto, mas porque você chegou a essa conclusão antes de obter dados suficiente para qualquer conclusão, positiva ou negativa.

JoaninhAranha.

JoaninhAranha.

Isso é comum em apologistas de pseudociências como auto-hemoterapia, homeopatia, florais de Bach, shiatsu, ortomolecular e demais charlatanices. Eles já começam partindo do pressuposto de que X faz mal, onde X é geralmente algo que funciona, tipo medicina ou farmacologia, mas eles não entendem como (criando um medo irracional que os faz querer atacar e xingar de “vendido” qualquer um que afirme o contrário). Os que são um pouquinho mais dispostos da cabeça (e não pegam toda informação acerca de sua religião prática exclusivamente através de um blog escrito todo em maiúsculas e negrito) até se dão ao trabalho de ler um artigo ou outro, mas já tendo certeza de que, digamos, exercício e dieta balanceada não funcionam, pois o que funciona é só sua religião prática e só pode ter uma coisa no mundo que funciona e tem que ser a sua religião prática. No artigo tem algo como “mas certas pessoas têm problema no joelho” ou “exceto naqueles com alergia a amendoim ou nozes” e, se congratulando, dizem para si mesmos “ARRÁ! EU SABIA! TODA A MEDICINA OCIDENTAL ESTÁ ERRADA!”.

No caso da joaninha ela precisa ter cor vermelho-suvinil, ter bolotas pretas por toda parte e uma cabeça de Rorschach. No caso da pseudociência ela precisa não ter nenhum efeito colateral, nenhum efeito direto detectável por qualquer instrumento que não minha própria fé e precisa ser algo que não me assuste. No caso das moedas, elas precisam “ser da cor certa, ter o formato certo e as propriedades certas”. E quem decide o que é certo é a moeda que eu “sei” que é verdadeira. Como a outra não se enquadra nas categorias arbitrárias pré-dados, ela tem que ser falsa.

E quais os dados que faltam? No caso das pseudociências, todos. No caso das moedas, isso aqui:

A partir de junho de 2002, o Banco Central coloca em circulação moedas de 50 centavos e de 1 real com pequenas modificações em suas características físicas.

Um aumento significativo no preço dos materiais utilizados na fabricação das moedas levou o Banco Central a estudar alternativas para garantir a continuidade na sua produção. A solução encontrada foi a substituição dos metais utilizados: o cuproníquel e a alpaca foram trocados, respectivamente, pelo aço inoxidável e pelo aço revestido de bronze.

Na prática, as modificações na moeda de R$0,50 – de disco prateado – e na de R$1,00 – de núcleo prateado e anel dourado – são pouco significativas. Além de apresentarem pequenas alterações de tonalidade e brilho, as novas moedas ficaram ligeiramente mais leves. Já os desenhos de ambas não sofreram nenhuma modificação.

E, saca só!, nem cuproníquel e nem alpaca (liga de cobre, níquel e zinco) são ferromagnéticos e, como tal, não são atraídos por ímãs. São também ligas mais maleáveis que aço, ficando mais propensas a riscos e pequenas deformações. E, talvez o fator que mais influencia a dicotomia falso-verdadeiro, são ligas consideravelmente mais foscas. Depois disso, qualquer estrela mais gordinha ou qualquer olheira na República ou pé-de-galinha no Barão de Rio Branco é prova de falsidade.

Só que não.

O Brasil é um país vagabundo e vira-lata, que acha que é primeiro mundo e cunha moedas de cuproníquel/alpaca mas não tem sequer condições de recolher moedas que já circulam a vinte anos no modelo errado e deixa de usar cuproníquel/alpaca depois de apenas três anos porque eles são caros demais e o custo não é compensado pelo valor irrisório da face. [3]

Mas o Brasil é um país rico! E auto-hemoterapia cura câncer! E shiatsu tem comprovação científica! E homeopatia não é só água e açúcar! E o PT é diferente do PSDB!

Ah, e nossas moedas de “cobre” e “bronze” são apenas aço-inox pintado. Cobre (matéria-prima do bronze, do cuproníquel e da alpaca) é caro. Que o digam aqueles que ganham a vida minerando cobre nos postes públicos enquanto passam displicentemente a oportunidade de recolher capôs de carros.

O risco de espalhar esse tipo de boato (sem sequer pensar em procurar por confirmação robusta) pode parecer baixo, ou até nulo, já que você provavelmente tem mais de uma moeda no bolso – talvez até algumas notas. Mas e se alguém sem muitos meios vai comprar R$1,50 de pão e o padeiro nega, alegando que o cliente está tentando repassar dinheiro falso? O mínimo que pode acontecer é o sujeito passar fome enquanto, literalmente, joga dinheiro fora e, no pior caso, pode ir preso injustamente porque você (sim, você, espalhador de boatos) saiu por aí dizendo inconsequentemente que moeda fosca é falsa, o que, no fim das contas, só serviu para jogar um pobre coitado e faminto na cadeia.

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[1] Fora notoriedade, claro. E a sensação de “sou um verdadeiro Sherlock desvendando esse caso!” que acomete boa parte da população que nunca leu uma só linha de Sir Doyle e não sabe o trabalho que o detetive tem antes de sair por aí acusando alguém de roubar um peru. Poirot – este sim desvenda mistérios sem se levantar da cadeira.

[2] Não, você não é. Especialmente considerando que o modelo mais recente é que é o mais leve.

[3] E quem vai perder tempo falsificando moedas de Real? Sério. Quem?

Miriam Rita Moro Mine, a Presidenta da República e vinte e dois segundos no Google

Penso que você acha a vida tão problemática porque acredita que existem as pessoas boas e as pessoas más. Você está, é claro, errado. Existem, somente e sempre, as pessoas más; sendo que algumas delas estão em lados opostos.

– Lord Havelock Vetinari

Política não é meu filão. Como eu não sou programador, a ideia de um mundo binário me escapa e eu tento me afastar um pouco dos que só enxergam o “eu” e o “eles” e isso inclui futebol, religião, cara-ou-coroa, esquizofrênicos bipolares e, especialmente, política.

Esclareça-se: meu uso da palavra “política” neste texto diz respeito ao entendimento popular, ou a “definição do torcedor”, como só eu chamo. No Brasil (e aqui uso a palavra “Brasil” para designar aqueles que estão perto de mim com a boca constantemente mexendo para evitar que o cérebro comece a funcionar), a palavra “política” significa “PT vs. PSDB, e eu estou de um lado e odeio qualquer um que se declare apoiar o outro”. Comportamento típico de torcedor, daí minha definição.

Quanto à definição de “política” como “princípios que visam guiar decisões para alcançar resultados racionais”, sou 100% partidário. Mas eu possuo um dicionário em casa então posso estar um pouco desconectado da realidade.

Arranjem um quarto, vocês dois!

Arranjem um quarto, vocês dois!

Eu, como já deixei claro em algumas ocasiões (de batons com chumbo ao letal caso do camarão com vitamina C, passando pelo alarde dos “espelhos falsos”), não sou imune a spams pseudocientíficos mas, agora, parecem estar expandindo a área de mensagens indesejadas na minha caixa de entrada. Passei recentemente a receber emails com críticas ao governo (ou, melhor dizendo, emails dizendo que o PT é feio e bobo). Um deles discorre sobre a (não-) polêmica do uso (não-) inadequado da palavra “presidenta” pela corrente (Girino maldito!) atual ocupante da cadeira principal de Presidência da República Federativa do Brasil.

Contendo inúmeras mudanças de tamanho e cores de letra e toda sorte de ênfases inapropriadas, o texto, aparentemente escrito por Miriam Rita Moro Mine (mais sobre ela daqui a pouco), nos conta como a “presidenta” já foi estudanta quando adolescenta e representanta de ‘etc’, ETC, ~etc~, etc, e minha paciência é muito pouca para textos nojentamente escritos e peço perdão por ter feito vocês provarem um pouco da orgia gráfica que é aquilo que me mandaram.

O original é bem pior, acredite.

Imagem representativa do estado dos meus olhos e da minha saúde mental após ler o email da “presidenta”.

Uma belíssima aula de português.

Foi elaborado para acabar de vez com toda e qualquer dúvida se tem presidente ou presidenta.

Será que está certo?

Acho interessante para acabar com a polêmica de “Presidente ou Presidenta”

A melhor forma de acabar com a “polêmica” citada é admitir que ela nunca existiu e quem escreveu isso é só muito afetado e precisa cuspir em alguém para se sentir bem.
Uma coisa que vou dizer logo agora, estragando a surpresa vindoura: obviamente quem escreveu o trecho transcrito acima não foi a mesma pessoa que elaborou a “belíssima aula de português”, considerando a falta de ligação entre frases sem sujeito. Só faltou um “#comôfas” ali depois da interrogação.

Isso e a incapacidade de saber que o gênero de “aula” é feminino e que um substantivo mulher nunca poderia ser “elaborado”. O resto da frase eu não consegui entender, então não vou comentar.

A imbecilidade toupeirice tapadez suposta “aula de português” começa da seguinte maneira:

A presidenta foi estudanta?

Existe a palavra: PRESIDENTA?

Que tal colocarmos um “BASTA” no assunto?

É. Que tal?

Segundo o Loogan/Houaiss – Enciclopédia e Dicionário (ano de 1998 – ISBN 85-86185-01-9), na página 1299 temos o verbete:

PRESIDENTA s.f. Mulher que exerce função de presidente.

Ou seja, essa definição existe numa cópia física (a única que tem perto de mim no momento em que escrevo isto) desde que a ré, Mônica Dilma, era apenas uma estudante de doutorado em economia (durante uma pausa que fez em sua carreira política entre 1995 e 1999).

Segundo o FLiP (Ferramentas para a Língua Portuguesa), que abriga o dicionário on-line Priberam (vejam aqui o verbete “presidenta”):

A palavra presidenta pertence à língua portuguesa.

Podemos fazer esta afirmação, por um lado, porque a palavra tem indesmentivelmente curso na língua (o que é possível aferir através da pesquisa em corpora e em motores de busca) e, por outro lado, porque está registada em todos os dicionários e vocabulários contemporâneos consultados, nomeadamente nas principais obras de referência da lexicografia portuguesa e brasileira, como o Vocabulário da Língua Portuguesa de Rebelo Gonçalves (1966) ou o Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, da Academia Brasileira de Letras (5.ª edição, 2009). Não sabemos ao certo desde quando é que este registo lexicográfico é feito, mas a palavra constava já do Novo Dicionário da Língua Portuguesa de Cândido de Figueiredo (1913) ou do Vocabulário Ortográfico e Remissivo da Língua Portuguesa de Gonçalves Viana (1914).

Desde 1913, hein?

Pronto. Basta dado.

E bem dado.

Se tivesse que chutar, não diria que Dilma está a elogiar a gravata de Fernandinho.

Se tivesse que chutar, não diria que Dilma está a elogiar a gravata de Fernandinho.

Mas calma, o que é isso aqui?

Meu espirito deu um salto para traz, como se descobrisse uma serpente deante do si. Encarei o Lobo Neves, fixamente, imperiosamente, a ver se lhe apanhava algum pensamento occulto… Nem sombra disso; o olhar vinha direito e franco, a placidez do rosto era natural, não violenta, uma’placidez salpicada de alegria. Respirei, e não tive animo de olhar para Virgilia; senti por cima da pagina o olhar delia, que me pedia também a mesma cousa, e disse que sim, que iria. Na verdade, um presidente, uma presidenta, um secretario, era resolver as cousas de um modo administrativo.

Uai!? Quem terá sido o analfabeto comunista safado e moderno que escreveu tamanha besteira?

Ora, meus caros, ele não é analfabeto, apenas de outra época. Mais especificamente 1880, durante o Império do Brasil. Mais especificamente ainda, Machado de Assis, no capítulo 80 do seu livro Memórias Póstumas de Brás Cubas (ou, no português original do século retrasado, “Memorias Posthumas de Braz Cubas”).

Então agora já chega, né? O verbete tem pelo menos 133 anos.

Mas nãããããããããããão, o spammeiro não quer saber de basta, para satisfazer sua doença mental ele quer agredir a figura pública que representa o outro time, objeto do seu ódio.

Baixinha, dentuça, gorducha (menos na época do câncer), sempre de vermelho, andando com um amigo que fala errado e outro que é bem sujo.

A mensagem indesejada continua, incluindo agora um nome e um título: Miriam Rita Moro Mine – Universidade Federal do Paraná.

Excelente! Um ponto objetivo para a nossa análise.

Antes de qualquer outra coisa, vejo no Currículo Lattes que Miriam (que é doutora e passará a ser denominada doravante Dra. Mine) é realmente da Universidade Federal do Paraná.

Em seguida, alguns poucos segundos no Google me devolvem um post chamado Esclarecimento, de um sub-blog do Blog do Noblat (tudo bem, não chamaria essa fonte de “confiável”, mas…), onde a autora diz ter recebido um (sic) “desmentido formal” da doutora, que diz:

Prezada Sra Maria Helena

Nunca escrevi absolutamente nada sobre a existência ou não da palavra “presidenta”. Meu nome está sendo usado indevidamente como autora de um texto que circula na internet e na imprensa.

Sou professora da Universidade Federal do Paraná – UFPR, Departamento de Hidráulica e Saneamento, graduada em “Engenharia Civil “ e com pós-graduação em cursos de “Engenharia“ (Mestrado e Doutorado) e professora de cursos de “Engenharia” na UFPR (ver meu Curriculum Lattes – www.cnpq.br – plataforma lattes)

Eu jamais escreveria um texto que não fosse da minha área de atuação.

Miriam Rita Moro Mine

Miriam Rita Moro Mine

Universidade Federal do Paraná

Departamento de Hidráulica e Saneamento

Caixa Postal 19011

81531-990 Curitiba – PR

Como Maria Helena (a autora do blog citado) diz que havia publicado o spam “coberto de elogios”, acho que não haveria de se retratar tão facilmente por causa de uma mensagem anônima.

Bom, eu realmente não sei. O que sei é que no blog de Juca Kfouri, aparentemente a propósito de nada, encontro um comentário que lê (sic):

Prezados Circula na internet um e-mail sobre a palavra presidenta como se fosse de minha autoria. Nunca escrevi nada sobre este assunto. Sou professora de cursos de Engenharia e não de Gramática da Língua Portuguesa. Miriam Rita Moro Mine

Renan Calheiros está pegando na aliança. O que será que Lula está cochichando?

Renan Calheiros está pegando na aliança. O que será que Lula está cochichando?

Novamente, como não posso confirmar a identidade da comentarista, não posso afirmar que ela não escreveu o texto que virou spam.

O que posso confirmar é que existem versões mais antigas que não contam com a assinatura dela (cuja primeira referência é justamente em outro post do blog de Maria Helena, em 14 de outubro de 2010).

Por exemplo: em 16 de junho de 2010, no blog webartigos, foi publicado o texto Espelho, espelho meu, existe redação mais bela do que eu? que inclui uma versão do spam afirmando explicitamente que “no e-mail não há identificação do autor”.

E, em primeiro de novembro de 2010, um comentarista do blog Palavras e origens – Considerações Etimológicas cola o texto referido e é prontamente respondido pelo autor do blog com a mensagem: “Prezado, esse texto que você envia (sem autoria) apareceu pela primeira vez no site Levante-se Brasil, cujos organizadores mantêm essa comunidade no Orkut — http://www.orkut.com.br/Main#Community?cmm=73197065.”

Eu juro que tentei entrar na tal comunidade (desde agosto do ano passado, de fato, quando primeiro pesquisei a respeito) mas não consegui. Mais um beco sem saída.

Por outro lado, mais uma confirmação de que o texto não é de autoria da Dra. Mine (digo “confirmação” porque quem sai por aí colando esse tipo de besteira não tem capacidade intelectual suficiente para editar informações – que o digam os comentaristas de um texto meu).

O líquido na taça está numa posição esquisita. Estariam os dois deitados?

O líquido na taça está numa posição esquisita. Estariam os dois deitados?

Continuar minha barragem (ver 4) a partir daqui seria bater em quem está no chão.

Mas como eu só luto sujo, deixo o golpe final para o senhor Juscelino Kubitchesk

LEI Nº 2.749, DE 2 DE ABRIL DE 1956

Dá norma ao gênero dos nomes designativos das funções públicas.

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, faço saber que o CONGRESSO NACIONAL decreta e eu sanciono a seguinte Lei:

Art. 1º Será invariàvelmente observada a seguinte norma no emprêgo oficial de nome designativo de cargo público:

“O gênero gramatical dêsse nome, em seu natural acolhimento ao sexo do funcionário a quem se refira, tem que obedecer aos tradicionais preceitos pertinentes ao assunto e consagrados na lexeologia do idioma. Devem portanto, acompanhá-lo neste particular, se forem genèricamente variáveis, assumindo, conforme o caso, eleição masculina ou feminina, quaisquer adjetivos ou expressões pronominais sintàticamente relacionadas com o dito nome”.

E, desta página, concluo da situação que: NÃO CONSTA REVOGAÇÃO EXPRESSA.

É presidenta. E quem disse foi um homem, o que significa que está certo e deve ser obedecido.

Agora morram todos de hemorroida explosiva.

Finalizando e esclarecendo: eu acho que o mundo só vai ser um lugar bom quando Lula morrer enforcado nas tripas de FHC (ou equivalentes). Mas eu odeio extremistas e acho que todos eles devem morrer da forma mais brutal possível, principalmente os violentos. [1]

Uma frase ótima que achei durante minha pesquisa e vou, daqui em diante, passar como minha (mantendo a tradição dos spams): Não misture vernáculo com ideologia.

2 x 3 = 6. Se esse não foi o sinal da besta, eu não sei o que é.

2 x 3 = 6. Se esse não foi o sinal da besta, eu não sei o que é.

São todos iguais, pessoal. Parem de se enganar achando que existe “o outro lado”.

Concluo com uma frase do próprio spam:

Por favor, pelo amor à língua portuguesa, repasse essa informação..

Essa frase lembra alguma outra?

Texto original do spam para fins de pescar paraquedistas e misturar analogias (sem a bizarra edição gráfica pois sou bonzinho):

A presidenta foi estudanta?Uma belíssima aula de português.
Foi elaborado para acabar de vez com toda e qualquer dúvida se tem presidente ou presidenta.
Será que está certo?
Acho interessante para acabar com a polêmica de “Presidente ou Presidenta”
A presidenta foi estudanta?
Existe a palavra: PRESIDENTA?
Que tal colocarmos um “BASTA” no assunto?
Miriam Rita Moro Mine – Universidade Federal do Paraná.
No português existem os particípios ativos como derivativos verbais. Por exemplo: o particípio ativo do verbo atacar é atacante, de pedir é pedinte, o de cantar é cantante, o de existir é existente, o de mendicar é mendicante… Qual é o particípio ativo do verbo ser? O particípio ativo do verbo ser é ente. Aquele que é: o ente. Aquele que tem entidade.
Assim, quando queremos designar alguém com capacidade para exercer a ação que expressa um verbo, há que se adicionarem à raiz verbal os sufixos ante, ente ou inte.
Portanto, à pessoa que preside é PRESIDENTE, e não “presidenta”, independentemente do sexo que tenha.
Diz-se: capela ardente, e não capela “ardenta”; se diz estudante, e não “estudanta”; se diz adolescente, e não “adolescenta”; se diz paciente, e não “pacienta”.
Um bom exemplo do erro grosseiro seria:
“A candidata a presidenta se comporta como uma adolescenta pouco pacienta que imagina ter virado eleganta para tentar ser nomeada representanta.
Esperamos vê-la algum dia sorridenta numa capela ardenta, pois esta dirigenta política, dentre tantas outras suas atitudes barbarizentas, não tem o direito de violentar o pobre português, só para ficar contenta”.
Por favor, pelo amor à língua portuguesa, repasse essa informação..

P.S. Mas eu achei o texto massa. Queria eu tê-lo escrito, pois é bem meu filão. Só jamais o faria pelas falhas gramaticais aberrantes.

[1] Para os mais lentos de raciocínio, isso foi uma piada do tipo autorreferente de propósito autoderrotado.

UTILIDADE PÚBLICA – Cuidado com os ESPELHOS, ops, SPAMS!

Gabriel mandou essa belezura para mim (eu já conhecia mas nunca tinha tido saco de escrever a respeito) e resolvi repassar aqui porque é realmente um assunto muito importante: a irresponsabilida de quem perpetua spams.

Por respeito aos meus leitores, a mensagem foi reproduzida aqui sem cores e com uniformidade de fontes.

Meus comentários estão intercalados ao spam. Acho que não será difícil reconhecer qual é qual.

VOCÊ SABE SE O ESPELHO EM LOCAL PÚBLICO EM QUE VOCÊ ESTÁ SE VENDO É O VERDADEIRO?

Se você está “se vendo”, provavelmente você está olhando para um espelho que, se fosse falso, não refleteria e, portanto, não seria chamado “espelho” mas “parede”.

ESPELHO DE 2 DIREÇÕES: COMO DETECTAR?

#comôfas?

INFORMAÇÃO POLICIAL

Mesmo que seja verdade, o que provavelmente não é o caso, seria uma informação policial de outro país, visto que o email é uma tradução.

Quando forem curtir um hotel, lojas de departamentos, pousada ou mesmo banheiro público, prestem atenção nos espelhos.

Especialmente se você for desengonçado, estiver carregando artigos pesados e pontudos e tiver a pele frágil. Eu me cortei num pedaço de espelho quebrado um dia desses e não foi nada divertido.

Vocês podem estar sendo observadas, por isso não custa nada fazer o teste abaixo.

O famoso “mas não custa nada”. Esses spammeiros sempre deixam de fora a dignidade, que nos é muito cara.

Serviço de Utilidade Pública em Prol da Integridade Feminina:

Todo Em Inicias Maiúsculas De Modo A Parecer Algo Oficial.

Não é para assustar, mas para alertar.

Igual ^alertar^ “FOGO! FOGO!” num cinema.

Quando as mulheres vão à toaletes, banheiros, quartos de hotel, vestiários de mudar de roupa, academias, etc., quantas podem estar certas de que o espelho, aparentemente comum, pendurado na parede é um espelho de verdade ou um espelho de duas direções? (daqueles em que você vê sua imagem refletida, mas alguém pode te ver do outro lado do vidro como os da Casa dos Artistas, A Fazenda e Big Brother).

Tirando o mal uso da crase (a prostituta da gramática), o idiota “vestiários de mudar roupa” (diferente daqueles vestiários onde já entramos nus) e a menção aos espetáculos televisivos da escória humana, eu posso responder à pergunta usando elementos dela mesma. Se o espelho está “pendurado na parede”, ele é um espelho comum.

Espelhos de observação não são pendurados, da mesma forma que janelas não são penduradas, mas instaladas dentro da parede. E uma forma de se pensar em tais espelhos é que eles são janelas refletivas (aliás, durante uma noite particularmente preta, acenda as luzes da sua casa e olhe pelo vidro de uma janela fechada e se surpreenda ao ver sua própria cara assustada, olhando de volta). O ambiente que estiver mais iluminado vai aparecer mais, independente de qual lado você esteja.

Tem havido muitos casos de pessoas instalando espelhos de duas direções em locais freqüentados por mulheres, para filmar, fotografar ou simplesmente ficar olhando.

A boa e velha informação vaga. Esse “tem havido” é do mesmo time de “dizem que comer capim faz crescer a orelha, vide os burros”. Como assim “tem havido”? Dá para ser mais impreciso que isso?

É muito difícil identificar positivamente o tipo de espelho apenas olhando para ele.

Ou, como se trata de espelhos, olhando para você mesmo.

Então, como podemos determinar com boa dose de precisão que tipo de espelho é o que estamos vendo?

Encostando o rosto no vidro e colocando as mãos acima dos seus olhos para cobrir o reflexo da luz, mais ou menos assim:

A cara de abestalhamento é opcional

Porque o vidro espelhado continua sendo um vidro translúcido (lembre-se do exemplo da janela) e, do jeito que a luz funciona, parte da iluminação do seu lado necessariamente vaza para o outro, mais escuro. Usando a técnica da imagem acima é possível “desmascarar essa quadrilha”, se é que existe uma.

É MUITO SIMPLES:

Concordo. Até já disse como fazer.

Faça apenas este teste: Toque na superfície refletida com a ponta da unha.

É. Faça apenas o teste sugerido e saia como entrou: totalmente ignorante quanto ao modelo do espelho.

Se existir um ESPAÇO entre a sua unha e a imagem refletida, o espelho é GENUÍNO.

"Ninguém vai colocar dedo nenhum em mim, sai dessa!"

E, se não existir reflexo, o espelho é falso. Você está encostando sua unha num muro.

O espaço é equivalente à espessura do espelho, pois a parte que reflete é a parte do FUNDO do vidro, não a parte da frente.

Isso nos espelhos cuja superfície refletiva fica atrás, e não na frente do vidro, que são a maioria. Mesmo porque o que reflete é uma fina camada metálica facilmente desgastável por pontas de unhas daqueles que são dementes o suficiente a ponto de acreditar inquestionavelmente em informações recebidas via email colorido. Um espelho bom e resistente com camada refletiva anterior é bastante caro e as lojas de departamento que esse pessoal frequenta jamais gastaria dinheiro com isso.

Entretanto, se a unha TOCA DIRETAMENTE na imagem, NÃO havendo um espaço CUIDADO COM ELE (…)

CUIDADO!!! SEU DEDO TOCOU DIRETAMENTE UMA IMAGEM!!! CORRAM!!!

(…) POIS É UM ESPELHO DE DUAS DIREÇÕES.

OU UMA BANDEJA DE PRATA!!!!

Ou qualquer outra superfície refletiva. Incluindo um espelho perfeitamente normal e extremamente caro. Não o quebre.

A parte reflexiva é a parte da frente, não a do fundo do vidro.

"Minha parte reflexiva certamente não é o fundo. Sai dessa."

Então, lembre-se a cada vez que você vir um espelho, faça o “TESTE DA UNHA”, tem que haver um espaço!

Teste da Unha® – para os obsessivos compulsivos entre nós.

Aproveite para chamar a polícia, pois trata-se de crime previsto em lei.

Que lei, exatamente? O melhor que eu achei foi o artigo 227 do Código Penal, que diz: “Induzir alguém a satisfazer a lascívia de outrem”. Mas brechar não é induzir, então como fica?

Novamente, essa mensagem foi traduzida. Talvez voyeurismo seja crime no país de origem do mito, mas não o é (pelo menos explicitamente) no Brasil.

Acreditar em estorinhas e espalhar spams é sinal de uma mente pouco crítica e é exatamente disto que menos precisamos.

Vamos aprender a pensar e deixar de preguiça. Cinco segundos no Google (considerando que você está lendo emails, ou seja, com acesso instantâneo ao resto da Internet) mostraria como isso aí é falso e, ao contrário do que promete, só serve para espalhar o pânico. Imagine a quantidade de chamadas inúteis que a polícia receberia em virtude de um ridículo “teste da unha” feito por pessoas ingênuas, inexperientes e já crédulas nessa besteira de que estão sendo observadas. Além de burrice isso seria uma irresponsabilidade (fora que chamar a polícia para motivos fúteis ou falsos é crime sim, de acordo com o artigo 340)

Novamente, vou usar um lembrete do próprio spam e que se adequa aqui:

Mulheres, ensinem isto para suas amigas!
Homens, ensinem isto para suas esposas, filhas, namoradas, amigas.

(Fora que ainda nos deixa com a sexista mensagem “Os homens que se danem! Neste mundo só se brecha mulher!”. Que absurdo.)

Mais spams destruídos:

Como reconhecer um spam;

Motivos para não incluí-los em meus textos;

Spam da Doença de Chagas em feijão;

Spam sazonal da gripe suína;

Spam dos batons com chumbo;

Spam do camarão e da vitamina C;

A falsa cura do câncer desmentida mais rapidamente que eu já vi;

Spam dos absorvente internos que causam câncer.

Curso de Capacitação DAIME PARA TODOS

Recebi um email com o assunto que entitula este texto e, antes de apagar e mandar para a pasta de spam, pensei “isso é muito ridículo para permanecer não-compartilhado”.

Portanto, ei-lo, compartilhado e comentado:

O participante terá acesso completo a todas as informações sob a ótica médica, jurídica, biológica, histórica e espiritual da ayahuasca, através de aulas teóricas e vivências práticas com profissionais de cada área.

Tirando o fato de que “acesso completo a todas as informações” é uma afirmação um tanto quanto grandiosa (e uma promessa dificilmente cumprível), notem que eles oferecem informações jurídicas num “curso” para o consumo de um entorpecente. Legal, né?

Percebam também a estrutura da frase: “O participante terá acesso (…) a todas as informações (…) através de aulas teóricas e vivências práticas com profissionais de cada área“. Acesso a informação através de vivência prática? Com profissionais? Quer dizer que os participantes vão ter uma aula teórica e em seguida vão compartilhar o chá alucinógeno com médicos, advogados, biólogos, historiadores e xamãs (este último não sendo exatamente uma “profissão”)? Uau!

Este curso poderá propiciar ao participante a afiliação ao Céu Nossa Senhora da Conceição, e a partir disto, ser beneficiado recebendo gratuitamente todo mês como cortesia 1 litro de nossa forte ayahuasca para seu uso religioso e individual no altar de sua casa.

A mensalidade de filiação ao Céu Nossa Senhora da Conceição é de apenas 10 reais ao mês.

Viram a evasiva palavra “poderá”? E a tergiversação convoluta do “recebendo gratuitamente todo mês como cortesia” seguido de “A mensalidade (…) é de apenas 10 reais ao mês“? O produto é gratuito, você só paga pela “mensalidade”. Certo.

O CONAD (Conselho Nacional de Políticas sobre Drogas), na Resolução nº 1, de 25.01.10, considerando uma ruma de coisa, resolveu que o ayahuasca é legal (concordo 100% com a decisão, que fique claro desde agora). No entanto, o relatório final do Grupo Multidisciplinar de Trabalho (GMT – Ayahuasca) ressalva e aconselha o seguinte (editado e grifado para maior efeito):

V – CONCLUSÃO:

b. Considerando que o GMT, após diversas discussões e análises, onde prevaleceu o confronto e o pluralismo de idéias, considerou como uso inadequado da Ayahuasca a prática do comércio, (…), a propaganda, e outras práticas que possam colocar em risco a saúde física e mental dos indivíduos;

O Grupo Multidisciplinar de Trabalho aprovou os seguintes princípios deontológicos para o uso religioso da Ayahuasca:

5. Ressalvado o direito constitucional à informação, recomenda-se que as entidades evitem a propaganda da Ayahuasca, devendo em suas manifestações públicas orientar-se sempre pela discrição e moderação no uso e na difusão de suas propriedades;

Eu não pedi para ser contactado pela Céu Nossa Senhora da Conceição (aliás, que nomezinho mais contraditório) e não considero a prática de spam como “discrição e moderação no uso e na difusão“. Logo, acho que a entidade está abusando de seus direitos, manobrando as considerações e sugestões do GMT para promover, para todos os fins e efeitos, comércio através de propaganda, apesar do trecho “para seu uso religioso e individual” estar devidamente grifado na mensagem original.

Minha reclamação, no entanto, é questão de premissa. Eu posso fazer uso do chá no “altar” de minha escolha, mas devo (minha interpretação) eu mesmo procurar entidades organizadas e me afiliar a elas, e não o contrário.

Agora, a melhor parte de todo o email:

“Cabresto é coisa que se põe em burros, não se põe cabrestos em HOMENS! Quem AMA… Liberta!!!”

Xamã Gideon dos Lakotas

Agora sim! Agora que o xamã Gideon (sério, esses nomes são muito contraditórios) tirou essa frase do bolso declamou essa profunda verdade, eu me sinto inclinado a usar tal “mediador de realidade”! Não quero ser burro, quero ser homem! Especialmente agora que vi que a frase termina com tantas exclamações!!

Ops… peraí… O que essa frase tem a ver com as calças? Quem está colocando cabresto em quem? De onde saiu tanta energia defensiva? E como assim “quem ama, liberta”? Quem ama o quê liberta quem de onde por qual motivo (e de que horas)?

Essa frasezinha de efeito é totalmente vazia sob o mínimo escrutínio. Parece estar dizendo “use o daime e seja livre” ou algo assim, mas não faz o menor sentido. Quem incluiu essa citação (que, sem a mais fina sombra de dúvida, não é original daquele sujeito) deve ter contratado muito os serviços da minha agência de viagens favorita, a Non-SequiTur.

Finalizando esta escaramuça, eis o restinho da mensagem:

Duração do Curso: 09 dias na fazenda sede

Contribuição: 180 reais. Está incluso nos 09 dias todas as refeições (café da manhã, frutas, almoço e janta) alojamento, aulas, fogueiras e vivências com ayahuasca em rituais nas matas.

Ufa! Ainda bem que não vou precisar pagar por fora pelas fogueiras!

Resenha – Por Que as Pessoas Acreditam em Coisas Estranhas

– Pode ser que seja uma mulher…

– Ora essa, e o que mais podia ser?

– Há mais coisas entre o céu e a terra… Se é uma mulher, por onde é que ela entra?

– Não sei.

– Pois é. Nem eu. Mas se for outra coisa… Ora, qual, para um prático homem de negócios no fim do século dezenove, essa espécie de conversa é um tanto ridícula.

Ele parou por aí, mas eu vi que o assunto o preocupava mais do que ele queria dar a parecer. A todas as velhas histórias de fantasmas de Thorpe Place, uma nova se estava acrescentando bem sob os nossos olhos.

No conto “A caixa de charão” (The Jappaned Box – 1899), dois personagens discutem acerca de uma voz feminina que surge sem explicação num quarto trancado onde ninguém é visto entrar ou sair.

Notem que a incredulidade expressa acima por um dos interlocutores é acompanhada de uma auto-recriminação, visto que “essa espécie de conversa é um tanto ridícula” já “no fim do século dezenove“. E por que pessoas práticas acreditam em coisas estranhas?

O conto citado acima foi escrito pelo criador do detetive que é (discutivelmente) o símbolo máximo do ceticismo, Sherlock Holmes. E mesmo assim, Arthur Conan Doyle, que tanto pregava a racionalidade em seus escritos, acreditava em fadas. Então, por que pessoas inteligentes acreditam em coisas estranhas?

Michael Shermer descreve casos, discute estudos, apresenta evidências e nos transporta para dentro da mente das pessoas que acreditam; tanto em coisas “comuns”, quanto em coisas “estranhas” (ou seja, todos nós).

Com uma bibliografia impressionante (quase vinte páginas só de referências), este livro, dividido em capítulos auto-contidos, é prazeroso e divertido de ler. Pelo menos para o verdadeiro cético, já que muitos conceitos e pré concepções são desafiados e demonstrados à luz da evidência científica, fazendo dele um volume bastante revelador em alguns pontos, que certamente são bem interessantes para os céticos de carteirinha (mas sinta-se à vontade para duvidar desta minha afirmação).

Eu notei alguns erros de tradução (como o uso de “desvio” em lugar do mais comum “viés” e o mais literal e confuso “sistema de endereçamento público” quando um simples “caixa de som” resolveria) e uma certa desatualização (como quanto ao consenso do início da vida na Terra), culpa da demora do lançamento nacional, quase dez anos depois da edição revisada e quase quinze depois do lançamento original.

Fora algumas besteiras que meu pedantismo não deixa passar, todo o livro se mantém fresco e revigorante.

Por que o fenômeno de “caça às bruxas” ocorre mesmo frente à impossibilidade das alegações? Como uma filosofia que prega o racionalismo e a individualidade absoluta se desvirtua e se transforma num movimento com aspectos de seita (onde discutem-se até se homicídio é justificável em casos de desrespeito ao líder)? Por que pessoas inteligentes defendem, com todos os seus recursos, ideias absurdas e apoiam a negação pura e simplesmente insustentável de fatos científicos e históricos, como a evolução e o holocausto nazista?

Algumas das pistas que Shermer nos dá para respondermos a essas (e outras) perguntas tão difíceis são: gratificação imediata; simplicidade, e; moralidade e sentido. Ou seja, algumas vezes, crer em absurdos é mais reconfortante, mais fácil e ainda transfere a responsabilidade para algo maior.

Teorias conspiratórias, seitas, religiosismo (e até livros de auto-ajuda) podem ser criaturas de simples falhas de pensamento crítico (como seria o caso das fadas de Conan Doyle, que não escapa de ser mencionado no último capítulo).

Dedicado a Carl Sagan, com prefácio de Stephen Jay Gould e com inúmeras referências a Martin Gardner, “Por Que as Pessoas Acreditam em Coisas Estranhas” tem um público certo que, sem dúvida, vai se identificar com as palavras do editor da revista Skeptic, Michael Shermer (e de Pope, Hume, Eddington, Malinowski, Randi, Pinker e outros tantos citados).

Excelente livro que irá residir ao lado do meu Mundo Assombrado Pelo Demônios (assim que a reforma aqui em casa acabar) por sua capacidade em ser, ao mesmo tempo, tanto uma leitura introdutória quanto de aprofundamento. Se você se interessa pela maquinaria do pensamento humano e gosta de ter seu próprio status quo interno desafiado, eu o recomendo fortemente.

Agora, vamos para o sorteio

Kentaro, editor do Ceticismo Aberto, está sorteando um volume entre todos que responderem à pergunta abaixo:

Participem. E, para a maioria que não ganhar, o livro pode ser adquirido diretamente pela página da editora.

A Veja e os índios

A SBPC lançou uma nota de repúdio e até por aqui fizeram barulho por causa disso. Tão parecendo uma ruma de índio!

E daí que um jornalista insinuou que todo índio é preguiçoso? São não, por acaso?

Só falta virem me dizer que nem todo japonês é igual e que nem todo cearense tem a cabeça chata.

Até que ponto somos fruto da nossa época?

Ano passado, o cineasta Roman Polanski foi preso por “namorar garotas menores de idade” na década de 70. A acusação foi feita em 1977 porque, aparentemente, ele não sabia que era contra a lei fazer sexo com meninas de treze anos.
(Antes de continuar, uma das minhas famosas interrupções que quebra completamente o fluxo da narrativa e faz a segunda parte do argumento parecer sem sentido até que se leia a primeira novamente pulando os parênteses: manter relações sexuais com menores é crime, independente da vontade do parceiro. Um sujeito que for seduzido por uma garota de 14 anos vai pagar, e vai pagar caro, por ter consumado o fato, caso seja denunciado.)

Em 1976, o mundo nos dava Quando as Metralhadores Cospem (Bugsy Malone), estrelando Jodie Foster que, aos catorze anos de idade, interpretava uma dançarina de cabaret (que não é exatamente o mesmo que um cabaré como nós conhecemos, mas também não é nenhum salão de vendas de concessionária de automóveis).

Não só todas as dançarinas são igualmente jovens como todo o elenco do filme o é.

Em 1980, três anos depois da acusação, víamos os peitos de Brooke Shields, recém-familiarizada com a adolescência (aos quinze anos, mais precisamente).

Não vou incrustrar o vídeo aqui porque quem já ligou a TV durante a tarde mais de uma vez nos últimos trinta anos já viu esse filme.

A mesma atriz, cinco anos antes, fez um ensaio “sensual” (até onde um corpo de uma criança de dez anos pode ser mais sensual que, digamos, tinta fresca ou um prato pingando no escorredor de louça) cujas fotos foram, não só no mesmo ano como no mesmo mês e apenas quatro dias após a prisão de Polanski, retiradas de uma exposição na Inglaterra porque “estava atraindo pedófilos” ou algo do tipo.

Atrair não pode, mas acobertar, proteger e remanejar tá liberado, né Ratzo?

Num mundo assim é realmente difícil ter certeza de que é errado fornicar com menores.

Notem que eu disse “ter certeza”. Obrigado.

Você, que agora me lê, tem certeza de que deve dar passagem a um carro de emergência (ambulância, polícia, bombeiros) mesmo correndo o risco de ser multado por uma câmera de sinal?
Certeza mesmo?

Eu sei que isso beira a analogia falsa e que desconhecer a lei não é desculpa para infringí-la sem punições, mas sério, se de uma hora para outra você descobrir que o simples fato de ter assistido ao vídeo acima faz de você um(a) criminoso(a), você acharia justo?

gramatica capaMudança 100% de assunto mas me aproximando cada vez mais da minha meta, no começo da semana eu desenterrei minha velha gramática (que é a minha preferida pois tem mais figuras que as outras) e, enquanto meu queixo caia ao ler que “explodir” não pode ser conjugado na primeira pessoa do singular do presente do indicativo (i.e. eu explodo) e que o mesmo se aplicar a “feder” (regra essa abolida segundo meu dicionário de conjugações 2010, graças ao qual agora eu fedo o quanto quiser), resolvi relembrar os erros gramaticais mais comuns do passado (a publicação é de 1994) e, na página 389, me deparo com o seguinte exemplo:
gramatica indio detalhe.jpg

Nós (e quando eu digo “nós” quero na verdade dizer “eu”, já que tenho uma forte tendência a extrapolar a minha experiência para todas as pessoas existentes e que são mais jovens que meus pais mas ainda nascidos antes do mundo se transformar num paraíso ridiculamente estéril) fomos criados realmente pensando que índio é bicho e que deve ser tratado como tal.

Mas, pior que isso, bicho selvagem, porque também fomos criados para tratar nossos cães e gatos como gente, então eles não contam. Bichos caseiros, de estimação, são melhores que índios.

Eu tomei um choque alucinante quando fui a Macapá em sei-lá-que-ano e vi índios andando na rua. Porque aquele dia foi a primeira vez que eu aprendi a associar “indío” com “pessoa” e não com “aldeia”.

Antes daquilo, todo índio usava cocar, andava com calção da copa de 86 e morava em uma oca. Depois daquilo, “índio” virou raça, como preto, branco e pardo (que só é raça no Brasil e uma vez por década, durante o censo).

Eu cresci sabendo que índio = bicho = selvagem < eu. E, sinceramente, num sistema de ensino deformado como o nosso é demais querer que um mero jornalista saiba que "selvagem" tem mais de um sentido.

Ironia? Talvez. Preconceito? Sem dúvida. Mas um preconceito institucionalizado, enraizado no âmago mais profundo da pessoa do nosso ser individual, com direito a todos os pleonasmos repetitivos e desnecessários que caibam aqui.

Antes da primeira pedra, impulsionada pela mentalidade de turba que há de se criar ao redor disso, voar e atingir algum inocente, vamos tentar atribuir culpa a alguém mais distante e mais efêmero, cuja honra, por já ser suficientemente etérea, não pode mais ser manchada.

O propósito deste ensaio não é inocentar a revista ou os redatores ou os jornalistas envolvidos na matéria, mas relembrar que devemos manter sempre a chama do ceticismo acesa, em todos os momentos.

Antes de matar, vamos ver se tem graça.

Antes de queimar a bruxa vamos ver se ela boia primeiro.

Depois, se forem realmente culpados, pau neles.

Eu seguro e vocês batem.

Você sabe conjugar o verbo "rir"?

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