Tudo Bem: Lulu Santos traduzido
Este texto foi adaptado de um que seria publicado no meu blog sem censura. Aqui neste link vocês poderão ler minhas outras traduções de músicas populares (mas, cuidado, o conteúdo é fortemente não recomendado para pessoas com restrições linguisticamente morais e/ou menores de idade).
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Esta música de Lulu Santos, lançada em 1986 somente em compacto, discorre acerca das mazelas que afetam os indivíduos. Umas físicas, outras mentais e outras ainda sociais. É uma canção de denúncia, com nuances de confissão. Segue:
Já não tenho dedos pra contar / Hanseníase é uma doença séria que afeta milhares de brasileiros e que, apesar de ser facilmente tratável, ainda mata e aleija vários cidadãos anualmente por falta de informação sobre tratamento.
De quantos barrancos despenquei / O problema da moradia urbana ainda é grave em praticamente todo o país. Os governos municipais, estaduais e federal ainda têm uma séria dificuldade em criar (e impor) padrões e limites para construções clandestinas. Os desvalidos da nossa terra muitas vezes se veem obrigados a construir barracos em áreas de deslizamento. Muitas vezes sem a noção real do risco que estão correndo.
E quantas pedras me atiraram, ou quantas atirei / Muitos tentam ignorar mas ainda há, em pleno 2013, um problema gravíssimo de violência causada e incentivada pelas religiões. Aqui, Santos chama atenção especificamente para o islamismo, que considera adúlteros como criminosos passíveis de pena de morte por apedrejamento.
Tanta farpa, tanta mentira. Tanta falta do que dizer / As farpas aqui citadas se referem ao sentido figurado da palavra, significando “ataque pessoal, difamação”. Lulu denuncia claramente as muitas mentiras e “farpas” que líderes religiosos precisam usar para atacar aqueles que consideram como ameaça às suas posições de poder. E se utilizam de subterfúgios dessa espécie justamente pela “tanta falta do que dizer”, pois quem não tem argumentos precisa se valer de ataques para denegrir a imagem do adversário, como as fotos abaixo demonstram (notar os nomes dos autores na capa e suas respectivas posições na Igreja Católica):
Nem sempre é “so easy” se viver / Não é fácil viver num mundo comandado, pelo menos em parte, pela cegueira ideológica da religião e seus preconceitos congelados no tempo. Mas a busca pelo conhecimento (explicitamente demonstrada pelo trecho bilíngüe, que tem a intenção de fazer o ouvinte se interessar em expandir sua mente para o aprendizado, começando pelo de outros idiomas) pode ajudar a mudar isso, futuramente.
Hoje eu não consigo mais me lembrar / Esta parte, incrivelmente bem pensada e aplicada, diz respeito a três áreas simultaneamente. Em primeiro lugar, é uma ligação entre o antiquado e ultrapassado (tão antigo que é difícil lembrar) modo de pensar do homem primitivo – que dá abertura às atitudes bárbaras das passagens anteriores, com a modernidade diagnóstica que nos permite caracterizar um certo conjunto de sintomas como Alzheimer, uma doença progressiva e – até o momento – incurável, que faz com que seu portador passe a ter dificuldades de memória, tanto piores quanto mais avançada.
O trecho ainda, ao mesmo tempo, liga a modernidade e religiosidade previamente citados a outro diagnóstico, causado pela situação a seguir.
De quantas janelas me atirei / Continuando poeticamente o tema “doenças”, essa frase faz referências múltiplas (de uma genialidade rara para o mesmo autor de “garota eu vou pra Califórnia viver a vida sobre as ondas”) à cidade de Praga. Nos anos de 1419 e 1618, dois eventos ficaram conhecidos por “defenestração de Praga”, quando líderes religiosos defenestraram (ou seja, atiraram pela janela) líderes políticos de quem discordavam. Hoje, graças aos avanços da Ciência e da Medicina, sabemos que a causa mortis seguida de queda é geralmente traumatismo cranioencefálico ou sangramento interno de órgãos e tecidos. E ainda mantém o tema central da canção por “praga” ser sinônimo de “doença”.
E quanto rastro de incompreensão eu já deixei / A incompreensão citada faz alusão à ignorância a respeito da Teoria Microbiana das Doenças (TMD). Antes de Semmelweis na Áustria, Pasteur na França e Koch na Inglaterra, achava-se que doenças eram transmitidas por mau cheiro (teoria miasmática).
Durante a época em que a TMD estava sendo aperfeiçoada, o médico John Snow identificou uma fonte de água como centro de uma epidemia de cólera na Inglaterra. E é em clara referência ao estado incontinente e fedorento de alguns acometidos pelo vibrião colérico que o autor da canção usa a expressão “quanto rastro (…) eu já deixei”.
Tantos bons quanto maus motivos, tantas vezes desilusão / Chamando atenção para o problema crescente do transtorno maníaco-depressivo, o roqueiro nos remete ao tempo em que doenças psiquiátricas eram tratadas, via de regra, como casos de possessão ou influências malignas de toda a sorte. Os “bons motivos” eram os que levaram a tentativas de exorcismo por piedade, visando curar a pessoa. Já os “maus” eram guiados somente pelo ódio e medo, pela vontade de destruição dos taxados como “súditos do demônio” e que levariam, inexorável e inescapavelmente, às infames caças às bruxas e cruéis execuções por afogamento ou queimamento. Este último celebrado ainda hoje em dia nas regiões menos abastadas e desenvolvidas do país (e, por isso, mais “tradicionalistas”) sob a inofensiva alcunha de fogueira junina. E isso causa, em todos nós, uma sensação de desengano e frustração; ou, desilusão.
Quase nunca a vida é um balão / Concordo em parte. Acho que Lulu Santos não foi longe o suficiente. Eu diria que a vida nunca é um balão.
Por mais úteis que sejam, acho que a comparação da vida com Erlenmeyers não foi das mais adequadas. Tudo bem que ambos podem ser descritos, em alguns casos, como “ambiente para cultura de micro-organismos” e o balão tenha sido criado na mesma época da TMD, mas acho uma comparação infeliz e exagerada.
Mas o teu amor me cura de uma loucura qualquer / Continuando no subtema psiquiátrico, o tratado melódico entra aqui no ramo do charlatanismo. Justificavelmente retirada da quarta versão do DSM em 1994, a condição conhecidas por séculos como “neurose” não passa de um termo impróprio que evoca agentes etéreos e esotéricos para explicar o que hoje se conhece como ansiedade. Dois dos piores reducionistas comportamentais que, misteriosamente, são também dois dos mais influentes nomes da psicologia, Jung e Freud, deram eminência ao termo sempre numa esfera de “problemas da mente fraca”, uma não-explicação mística que abriu caminho para muitos tipos de pseudociências que alegam ter o poder de curar essa “loucura qualquer”, os quais incluem: terapia genital da neurose, influenciada por A Função do Orgasmo, de Reich (discípulo de Freud) que também é responsável pela neuro-vegetoterapia, uma forma de pseduoterapia por expressão corporal; psicoterapia do amor próprio, derivada da obra de Fromm, A Arte de Amar (fortemente influenciada pelo Talmud); terapia primal, descrita no livro O Grito Primal de Janov; terapia de regressão, uma recombinação eufemística da terapia de vidas passadas de Blavatsky e do já citado volume de Janov; e culminando na mais vil e destrutiva espécie de pseudotratamento, a terapia de conversão, criada por extremistas religiosos cristãos e que alega ter o poder de transformar a identidade sexual do submetido (para heterossexual, mais especificamente, já que religiosos consideram homossexualismo como doença), denunciada na música pelo uso do pronome “teu”, forma possessiva arcaica largamente utilizada na Bíblia. O trecho “teu amor me cura”, portanto, é uma clara referência a Êxodo 15:26.
É encostar no seu peito e se isso for algum defeito, por mim, tudo bem / Ligando os temas e subtemas da letra e arredondando a poesia, ligando o final com o começo numa espécie de Ouroboros lírico, Lulu Santos mais uma vez mergulha na bíblia e pesca a afamada citação em Êxodo 4:6 que conta que, ao “encostar no peito” a mando do “deus de Abraão”, Moisés fica com a mão leprosa, ou com “algum defeito”. Mas “por mim, tudo bem”, pois hanseníase é facilmente tratada hoje em dia.
Recheada de fatos históricos e salpicada com lições de pensamento crítico, esta é, certamente, uma das letras mais rebuscadas da música popular brasileira.
Profissões do futuro – endocronologista
Endocronologista: profissional que se especializa nas secreções internas e regressões progressivas dos tecidos temporais; estudioso dos fenômenos responsáveis pelo crescimento e prolongamento da massa temporal, reprodução de eventos, comportamento e pelo fluxo de substratos e minerais nas épocas adequadas para manutenção da homeostase física do Universo; praticante do ramo da Cosmedicina que cuida dos transtornos das “glândulas” endocronológicas.[1]
A endocronologia é a atividade que tem como finalidade o entendimento completo das consequências de secreções intertemporais no fluxo da corrente não-linear dos éons.
Os endocronologistas são especialmente treinados para reconhecer e tratar problemas temporais, ajudando a restabelecer o equilíbrio natural entre causa e consequência. Alguns endocronologistas também trabalham com pesquisa básica, para desvendar os segredos do funcionamento da seta do tempo, e desenvolvem novas mediações e tratamentos para os distúrbios da continuidade. A pesquisa é importante para ajudá-los a aprender as melhores maneiras de tratar falhas no espaço-tempo.
O campo de atuação do endocronologista é extremamente vasto, visto que o cone de luz regula praticamente todas as funções orgânicas, inorgânicas e energéticas, e portanto as alterações de causa podem provocar cataclismos dos mais variados, envolvendo o Universo como um todo.
Interessante notar que as descobertas científicas mais recentes mostram que praticamente todos os momentos do tempo secretam algum tipo de energia. Até mesmo aquelas ocasiões que se acreditava ter funções únicas bem definidas, tais como supernovas e gravidade. Até buracos negros secretam energia.
São de atribuição do endrocronologista o tratamento de condições como retrobetes [2], hiperandroidismo [3], brevidade [4], cronesterol [5], transtornos de crescimento [6], menopausa e/ou qualquer outra pausa envolvendo incrementos temporais (semanopausa, anopausa, onipausa, etc) [7], dentre outros que ainda serão descobertos.
A Sociedade Intercontemporânea de Endocronologia e Metabooleanologia será criada numa data inespecífica para reunir aqueles profissionais com o intuito de fortalecer e proteger a categoria e agrupar simpatizantes interessados em formar grupos de re-flexão.
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[1] Neste contexto, “glândulas” são momentos que secretam energia. Preferível ao neologismo arcaico “pré-póstula”.
[2] Síndrome metabooleana caracterizada pelo movimento retrógrado do tempo. Do grego retrobainein “ir para trás”, de ρετρο– “para trás, retrógrado” + βήτης– “ir”.
[3] Situação envolvendo um número excessivamente indesejado de indivíduos auto-sencientes não-humanos pós-revolução metaindustrial.
[4] Condição psicológica com sintomas agudos causados pela sobrepercepção das diferenças entre um momento e o anterior (ou anterior).
[5] Distúrbio proveniente de falhas de continuidade individual onde o indivíduo percebe o tempo diminuindo até quase parar completamente. Do grego χρόνος– “tempo” + στερεός– “sólido, rígido”.
[6] Alguns dos transtornos de crescimento conhecidos são causados quando o viajante extrapola certos limites temporais, vendo-se em momentos como o Período Inflacionário, muito próximo ao Big Rip ou até após a morte térmica do Universo.
[7] Latim menopausis, do grego μήν– (genitivo μήνας) “mês” + παύση– “cessação, pausa”.
Que 2013 nos traga saúde (ou, Uma Ode aos Mediconomistas)
Neste arbitrário ponto em nossa órbita ao redor de uma estrela mais-ou-menos, me pego esperançoso, desejando que mais de nós – humanos – fôssemos de uma classe rara mas imprescindível e cuja falta é cada vez mais sentida; a dos mediconomistas.
É função desses pro(-bono)fissionais nos nortear em direção a investimentos físicos seguros que nos amealhem riquezas de modo a não nos preocuparmos indevidamente com a perda de bônus e tônus, empregando corretamente nossa suada ATP e evitando a longo prazo ações que desvalorizem nossa circulação (sanguínea ou monetária), como depósitos de gordura (até na poupança) que podem reduzir a liquidez das nossas artérias, elevando as taxas e aumentando perigosamente o nosso débito cardíaco, nos levando a uma possível falência respiratória.
É também de sua responsabilidade nos recomendar movimentar os fundos visando evitar a necessidade de aplicações de risco cirúrgico (passando longe tanto do Tesouro quanto da tesoura), monitorando regularmente nossa conta corrente sanguínea para que fiquem seguros todos os nossos bens – incluindo o bem-estar, sem deixarmos de considerar todas aquelas siglas (HDL, CDB, TGP, DOC, T4, CC) que tanto nos esvaziam os bolsos das calças quanto nos criam bolsas nos olhos.
À maioria de nós, pessoas comuns, falta experiência para lidarmos com o balanço de nossas contas e as balanças dos nossos cantos. Temos também dificuldade em seguir as orientações da Receita e as instruções de receitas mesmo geralmente quando bem-sucedidos em evitar colapsos – emocionais e econômicos.
Precisamos que esses profissionais nos mostrem que a única promoção que nos é realmente essencial é aquela da saúde. E que esta não deve vir com descontos ou prestações, mas sempre à vista de todos.
Toda riqueza consiste de coisas desejáveis, isto é, coisas que satisfazem as necessidades humanas, direta ou indiretamente. Mas nem todas as coisas desejáveis são contadas como riqueza.
– Alfred Marshall
Tudo em excesso é contrário à Natureza.
– Hipócrates
A boa (e curta) vida
O texto a seguir foi escrito por Dudley Clendinen e publicado no New York Times em julho de 2011 e trata da autonomia de um paciente terminal.
A tradução foi feita por mim, sem permissão.
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Eu tenho amigos maravilhosos. Neste último ano, um me levou para Istambul. Um me deu uma caixa de chocolates artesanais. Quinze deles fizeram dois excitantes e pré-póstumos funerais para mim. Vários assinaram cheques grandes. Dois me enviaram uma caixa com todas as cantatas sacras de Bach. E um, do Texas, pôs a mão no meu ombro emagrecido e pareceu estudar o terreno onde estávamos. Ele tinha vindo me ver.
“Precisamos comprar uma pistola, não é?”, Ele perguntou em voz baixa. Para eu atirar em mim mesmo, ele queria dizer.
“Sim docinho,” eu disse, com um sorriso. “Precisamos”.
Eu o amava por isso.
Eu amo a todos eles. Tenho uma sorte imensa por ter a minha família e amigos, e minha filha, meu trabalho e minha vida. Mas eu tenho esclerose lateral amiotrófica, ou ELA, mais gentilmente conhecida como doença de Lou Gehrig, por causa do grande rebatedor Yankee e homem de primeira base, a quem foi dito que o tinha em 1939, e que aceitou o veredicto com tanta graça, morrendo menos de dois anos depois . Ele tinha quase 38 anos.
Às vezes eu a chamo de Lou, em sua homenagem, e porque o familiar parece menos ameaçador. Mas não é uma doença gentil. Os nervos e músculos pulsam e se contorcer e, progressivamente, morrem. Do lado de fora, parece a onda de teclas de piano nos músculos sob a minha pele. Por dentro, parece aquela ansiedade que dá frio do estômago, tentando sair. Ela começa nas mãos e nos pés e vai fazendo seu caminho para cima e para dentro, ou ela começa nos músculos da boca e da garganta e no peito e abdômen, e vai indo para baixo e para fora. A segunda maneira é chamada “bulbar”, e que é o jeito que acontece comigo. Nós não vivemos muito porque ela afeta a nossa capacidade de respirar logo no início e só fica pior.
No momento, para alguém com 66, eu pareço muito bem. Perdi 10 quilos. Meu rosto está mais fino. Eu até ouço alguns “Olá, bonitão”, de que gosto. Eu penso nisso como minha fase de cosméticos. Mas é difícil sorrir e mastigar. Estou com falta de ar. Eu engasgo muito. Eu soo como bêbado ofegante do lábio preso. Para um alcoólatra em recuperação, é realmente irritante.
Não há nenhum tratamento significativo. Não há cura. Existe uma medicação, Rilutek, o que pode fazer a diferença de alguns meses. É vendido por cerca de US $ 14.000 por ano. O que não me parece valer a pena. Se eu deixar a doença correr seu curso, com todo o carinho e apoio pessoal, medico e tecnológico que precisarei ter nos próximos poucos meses, ela vai me deixar, em 5 ou 8 ou 12 anos, uma múmia consciente, mas imóvel, muda, murcha e incontinente. Mantida por tubos de alimentação e de excreção e por máquinas de respiração e sucção.
Não, obrigado. Eu odeio dar trabalho. Eu não acho que vou ficar para ver a metade final de Lou.
Eu acho que é importante dizer isso. Nós somos obcecados neste país por coisas como comer, vestir, beber, achar emprego e um companheiro. Sobre sexo e filhos. Sobre como viver. Mas nós não falamos sobre como morrer. Agimos como se encarar a morte não fosse uma das maiores emoções da vida e um dos maiores desafios. Acredite em mim, é. Isto não é entediante. Mas temos de ser capazes de ver os médicos e máquinas, sistemas médicos e seguros, familiares e amigos e religiões como informativos – e não impositores -, a fim de sermos livres.
E esse é o ponto. Não se trata de uma doença em particular ou mesmo da morte. Isso é sobre a vida, quando você sabe que não resta muito. Essa é a bênção estranha de Lou. Não há como escapar e pouco a fazer. É libertador.
Comecei a perder a dicção em maio de 2010. Quando o neurologista me deu o diagnóstico em novembro daquele ano, ele apertou minha mão com um sorriso amarelo e me liberou para o frio, vazio e cinza estacionamento abaixo.
Era crepúsculo. Ele confirmou o que eu tinha suspeitado por seis meses de testes com outros especialistas à procura de outras explicações. Mas suspeita e certeza são duas coisas diferentes. Ali, de repente me bateu que eu ia morrer. “Eu não estou preparado para isso”, pensei. “Eu não sei se fico aqui, entro no carro, me sento nela, ou dirijo. Para onde? Por quê?” A confusão durou cerca de cinco minutos, e então me lembrei que eu tinha um plano. Eu tinha um jantar marcado em Washington naquela noite com um velho amigo, um estudioso e autor que estava se sentindo deprimido. Conversávamos muito sobre ele. Justo. Hoje à noite, eu aumentaria a aposta. Falaríamos sobre Lou.
Na manhã seguinte, percebi que eu tinha um modo de vida. Por 22 anos, tinha ido a terapeutas e reuniões dos alcoolicos anônimos. Eles me ajudaram a lidar com um alcoólatra gay que era. Eles me ensinaram a me manter sóbrio e saudável. Ensinaram-me que eu poderia ser eu mesmo, mas que a vida não era apenas sobre mim. Eles me ensinaram como ser um pai. E, talvez mais importante, eles me ensinaram que eu posso fazer qualquer coisa, um dia de cada vez.
Incluindo isto.
Estou, de fato, preparado. Isto não é tão difícil para mim como é para outros. Não é tão difícil como é para Whitney, minha filha de 30 anos de idade, e para minha família e amigos. Eu sei. Eu tenho experiência.
Eu era próximo da minha velha prima, Florence, doente terminal. Ela queria morrer, não esperar. Eu era legalmente responsável por duas tias, Bessie e Carolyn, e pela minha mãe, as quais teriam morrido de causas naturais anos antes se não por causa da tecnologia médica, sistemas bem-intencionados e mãos carinhosas e atenciosas.
Eu passei centenas de dias ao lado da mãe, segurando a mão dela, tentando contar-lhe histórias engraçadas. Davam-na banho, e fraldas, a vestiam e a alimentavam, e nos últimos anos ela olhava para mim, seu único filho, como olharia uma nuvem passageira.
Eu não quero essa experiência para Whitney – nem para quem gosta de mim. Protelar seria um desperdício colossal de amor e dinheiro.
Se eu optar pela traqueostomia que vou precisar nos próximos meses para evitar asfixia ou morte por pneumonia aspirativa, o respirador e os funcionários e um sistema de apoio necessário para manter-me vivo vai custar meio milhão de dólares por ano. Meio milhão do dinheiro de quem, eu não sei.
Eu prefiro morrer. Eu respeito os desejos de pessoas que querem viver tanto tempo quanto puderem. Mas eu gostaria o mesmo respeito para aqueles de nós que decidem – racionalmente – o contrário. Eu fiz minha lição de casa. Eu tenho um plano. Se eu pegar pneumonia, eu deixo ela me levar. Se não, existem aquelas outras maneiras. Eu só tenho que agir enquanto minhas mãos continuam funcionando: a arma, entorpecentes, lâminas afiadas, um saco plástico, um carro rápido, remédios, chá de oleandro (uma maneira educada do Sul), monóxido de carbono, mesmo hélio. Que me daria uma voz muito engraçada no final.
Eu encontrei um caminho. Não uma arma. Uma forma que é calma e tranquila.
Saber disso me conforta. Eu não me preocupo mais com alimentos gordurosos. Eu não me preocupo em ter dinheiro suficiente para envelhecer. Eu não vou envelhecer.
Estou tendo uma experiência maravilhosa.
Eu tenho uma filha brilhante, linda e talentosa que mora por perto, o presente da minha vida. Eu não sei se ela aprova, mas ela entende. Deixa-la é a única coisa que eu odeio. Mas tudo o que posso fazer é dar a ela um pai que era vigoroso até o fim e soube quando desistir. O que mais existe? Eu passo muito tempo escrevendo cartas e notas, e gravando as conversas sobre isso, que eu encaro como A Boa Vida Curta (e Terna Saída), para a WYPR-FM, a principal estação pública de radio em Baltimore. Eu quero quebrar o gelo, tornar mais fácil falar sobre a morte. Estou muito atrasado em minhas notas, mas as pessoas são incrivelmente pacientes e agradáveis. E convidativa. Eu tenho convites e mais convites.
No mês passado, um velho amigo me trouxe uma gravação dos maiores shows que ele já havia ouvido; Leonard Cohen, ao vivo, em Londres, há três anos. Música poderosa, etérea, escrita por um poeta, compositor e cantor, cuja vida tem sido tão dura e vigorosa como uma velha árvore.
A canção que me paralisou, palavras e música, foi “Dance Me to the End of Love”. Essa é a maneira que eu sinto ultimamente. Eu estou dançando, girando ao redor, feliz nos últimos compassos da vida que eu amo. Quando a música parar – quando eu não puder amarrar minha gravata borboleta, contar uma história engraçada, passear com meu cachorro, conversar com Whitney, beijar alguém especial, ou escrever linhas como estas – eu saberei que a vida acabou.
É hora de ir embora.
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Dudley Clendinen é um ex-correspondente nacional e editorialista do The Times e autor de “Um Lugar Chamado Canterbury”.
Participe da campanha “Seja um Médico Limpinho”
Andando por São Paulo semana passada me deparei com a incrível necessidade de alguns médicos e estudantes de medicina de precisar afirmar que são profissionais de saúde. E como eles tentam mostrar ao mundo o que são? Através de um desfile de moda monocromática na forma de jalecos brancos.
Se essa toga moderna fosse apenas para mostrar como certas pessoas têm uma auto-estima tão baixa que precisam criar uma ilusão de grandeza com uma farda que lhes garante o pseudostatus de supercidadãos, tudo bem; cada Bob com seu Mundo Fantástico.
O problema que eu tenho com isso é que essa mesma autopropaganda em página dupla que é usada na rua é também usada dentro dos hospitais.
Jaleco não é só o nome vulgar de um pequeno tamanduá do Maranhão. Não. Jaleco deveria ser também uma proteção, uma luva para as roupas, uma camisinha para o corpo.
Se seu padeiro contar o dinheiro com a mesma luva que usa para colocar seu pão no saco você teria nojo.
(A analogia da camisinha e a dicotomia “cabaré/sua mulher em casa” fica para outro dia.)
Por causa dessa prática irresponsável, eu resolvi criar (no meu outro blogue) duas camisetas grátis, tanto para os aprendizes de boçal estudantes de medicina quanto para os caroneiros de infecção médicos (clique nas imagens para vê-las maior):
A repercussão foi boa e estudos mostram que alguns já estão usando a peça na rua! Fantárdigo!
No entanto, outros ainda assim preferem o guarda-pó mesmo, pois camiseta qualquer um pode ter. Um sobretudo branco, por sua vez, só é vendido mediante apresentação do CRM.
Então, usando a ideia de uma comentarista do artigo original (já linkado), achei por bem criar, mais uma vez sem qualquer custo para os pobres profissionais, um modelo de jaleco para evitar confusão entre o de sair e o de trabalhar (porque, para alguns médicos, jaleco é como bolsa de mulher; um para cada ocasião):
E, o mais importante, a mensagem:
Ainda, feita por Atila, também participando da Campanha, uma camiseta para aqueles momentos de descontração fora dos horários de trabalho (pois sair de jaleco nas madrugadas pode atrair atenções indesejadas e fazer os outros pensarem que você é o Cadeirudo):
Então vamos lá, todo mundo! Participem da Campanha “Seja um Médico Limpinho”!
Envie esse artigo do médico Karl para todos os médicos que você conhece.
Presenteie pelo menos um deles com algum dos modelos grátis acima.
Bata palmas quando vir algum estudante de jaleco no metrô! Vamos compensar a falta de auto-estima deles fazendo-os se sentir especiais.
No texto de Atila, um reclamou da reclamação dizendo que a correria é muita e até roupa íntima carregam bactérias. Meu recado para ele é: Super Homem, a cueca não vai por cima das calças. Quanto tempo você precisa para abrir oito botões? E não consegue fazer isso e andar ao mesmo tempo? Você deveria passar menos tempo aperfeiçoando sua boçalidade e mais tempo aprendendo a fazer duas ações simples simultaneamente. Ah, e aprenda também o significado de “profissão mais antiga” porque você está usando errado sem saber.
Outro ainda disse que esse tipo de crítica é inveja. Quem diz que crítica é inveja é porque não tem autoconfiança suficiente para receber uma e critica de volta da forma mais infantil possível. Seu feio, una! 😛
Todavia, eu preciso concordar com outro comentarista: “Novamente, ridiculo, vontade de aparecer e se sentir superior, quando na verdade está so expondo desnecessariamente os cidadaos e seus pacientes.”
(Juramento de Hipócrates, trecho)
Alopatia é uma farsa!
Sim, vocês leram certo. O conceito alopático de cura é criação de mentes doentes e é mantido por pessoas sem escrúpulos ou vergonha na cara!
Duzentos e alguns anos atrás, o físico Samuel Hahnemann raciocinou da seguinte forma:
Estamos em pleno século 18 (cento e trinta anos antes da descoberta da penicilina e quase cem antes da teoria dos germes que explica que ficamos doentes por causa de organismos microscópicos e não por causa de miasma ou mal cheiro) e a maioria das pessoas terminalmente doentes que recebem sangrias ou laxantes poderosos morre por algum motivo ainda desconhecido. O que posso fazer para ajudar?
Já sei! Vou purificar a água que essas pessoas estão bebendo!
E, para não parecer tão prosaico, vou usar um argumento de antiguidade e basear minha técnica no pensamento do famoso charlatão/alquimista/astrólogo de um século ainda mais atrasado que o meu, o famoso Paracelsius, que achava que veneno pode curar o envenenado, e vou usar água destilada para diluir cocô de rato/catarro de tuberculoso até que não sobre uma só molécula do veneno/toxina no meu frasco limpo de água tratada e pura (quinze anos antes de Avogadro demonstrar o princípio de diluição máxima)!
Aí, aproveito o embalo e desenvolvo uma “técnica” para “potencializar” o efeito benéfico do reagente inexistente enquanto magicamente elimina seus efeitos maléficos, e que consiste em saculejar a água (100% pura dentro de um vidro esterilizado) um número arbitrário de vezes (porém sempre divisível por 10, que é um numero bonito e redondo, cheio de propriedades mágicas), e invento um nome bem marcante para ela, quase um cacófato, mas nem tanto, que faça rir da primeira vez mas perca a graça rapidamente… humm.. vejamos… Ah! Sucução!
Beleza! Estou pegando fogo! Agora vou provar que café causa cáries, olheiras, impotência e toda sorte de doenças crônicas humanas![1]
E a isso ele deu o nome de “homeopatia”, estuprando a língua helênica até que ela concordasse que isso seria grego para “igual à doença”, pois como já vimos, o espertão acreditava que doença cura doença (e deu até nome ao rebento fruto dessa violência: Lei de Similares, que apesar de se dizer “lei” só é cumprida na Terra da Fantasia, no município de Ignorantópolis, capital do estado de Magicolândia).
Achando pouco tal atrocidade contra a vida, os bons costumes e um dos idiomas mais antigos da humanidade (no entanto sendo apenas fruto do seu tempo), cunhou também o termo “alopatia”, que aparentemente deveria significar “contrário à doença”.
(Esse método linguístico aglutinativo é equivalente à ideia de que posso inventar o termo “mesamormelada” para descrever um caso hipotético que envolva o objeto mesa, o sentimento amor e a sobremesa marmelada e esperar que concordem comigo que isso faz sentido fora da minha cabeça.)
Agora alguém por favor me responda e me tire essa dúvida que me aflige já há algum tempo: sendo alopatia o inverso ideológico e idiomático de homeopatia, qual seria o remédio que representaria o contrário de uma dor de cabeça? Talvez uma pílula feita de um cérebro saudável e indolor?
E o oposto de tuberculose? Catarro comum?
Se eu tiver diarreia, devo me medicar com o quê exatamente?
Homeopaticamente eu sei. As respostas são, respectivamente: estresse diluído, silueta bacilar magicamente impressa nas moléculas de água e bosta nenhuma.
Mas e alopatia?
Farsa! Pura farsa!
Hahnemann, como eu sugeri, era um médico preocupado com a vida de seus pacientes e que criou, para a época, um método melhor do que fazer as pessoas vazarem por ambas extremidades do aparelho digestivo. Funcionava, quando funcionava, por fazer absolutamente nada!
Algumas doenças precisam exatamente disso; ficar quietas. O corpo se vira eventualmente.
Logicamente seus tratamentos não funcionavam sempre, mas aí entra o bom e velho viés de confirmação e o “dom da caneta” que só relata casos de sucesso.
Mas e os homeopatas atuais que continuam enganando o público com essa canalhice intelectual pejorativa de “alopatia”? Qualé a desculpa deles? Ignorância ou desonestidade?
Homeopatia é exatamente o que diz ser: medicina alternativa.
Quando medicina alternativa comprova sua eficácia e mostra que funciona ela muda de nome. Vira “medicina“.
E sabem qual é a alternativa para saúde?
Exatamente.
Querem cuspir na cara dos médicos que se lascam todos os dias para tentar salvar algumas vidas que, sinceramente, não deveriam ser salvas?
Cuspam, mas não enquanto eu estiver olhando.
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[1] Seria essa a origem do Starbucks e seu café infinitamente diluído e ligeiramente morno?