1 Macaco e Meio, um filme com Luisa Mell sobre a invasão do Instituto Royal que ninguém quer ver
O portal G1 fez uma matéria entrevistando Mayana Zatz, geneticista de renome (termo relativo, mas…) e sua meio-prima Marina Zatz, ativista ambiental que invadiu (nada de relativo aqui, invasão é crime, vide artigo 202 do Código Penal) o Instituto Royal e que prefere o codinome “Luisa Mell” ao seu nome real.
A “ativista” (que não será chamada de terrorista aqui porque ainda não definimos legalmente o termo) aparenta ser também malabarista de ideias, se utilizando do expediente já tão conhecido dos pseudocientistas (homeopatas, auto-hemoterapeutas e outros xamãs) de contar apenas a verdade que lhe convém completando os buracos com informações falsas e mentiras esteticamente bonitinhas.
(Recomendo que leiam a matéria já linkada lá em cima. Assim minhas citações do que Marina diz, entre aspas e italizadas, farão mais sentido.)
A primeira parte da pergunta sobre a possibilidade da extinção de testes em animais é respondida com “[é] possível e é necessário” enquanto a segunda parte, sobre quais seriam as alternativas, jamais é sequer lembrada. Marina não quer alternativas, apenas o fim do status quo. Desde que os avanços científicos que permitem que ela faça luzes nos cabelos e use batom e base matificante não sumam, obviamente.
Marina Zatz (você deve preferir “Luisa Mell” mas, em não concordar com o uso de animais para o benefício da humanidade, não acho justo usar o “mel” do seu nome), se você sabe com tanta propriedade como é possível, por que não mostra a alternativa? Se é tão necessário, por que o maior poder do universo (a Economia) continua tolerando e preferindo tais métodos? Talvez você não saiba ou prefira esquecer que um dia soube, mas testes em animais são a etapa mais cara de uma pesquisa antes de chegar nos humanos. Se “testes científicos em animais não são um sistema de teste robusto” e existe alternativa (e “vasta literatura a respeito” – mais sobre isso daqui a pouco), por que a Big Pharma, que adora sarrabuiar em dinheiro, continua desperdiçando notas altíssimas fazendo testes em animais?
Você afirma que a “indústria farmacêutica tem mais fracassos (…) do que sucessos” e que “nove em dez drogas experimentais falham em estudos clínicos (…) com base em estudos laboratoriais e animais“. Se testes em animais erram a previsão 90% das vezes como você diz, qual outro método tem um grau de acerto melhor? Você inclui estudos laboratoriais. Você quer que deixemos de usar animais E deixemos de usar laboratórios também? Como vamos testar eficácia e segurança então? Em pedras ao ar livre? Porque pela sua própria admissão os animais que “[p]ossuem características relacionadas evolutivamente” a nós já não servem e, mais para frente, diz que humanos também não podem ser envolvidos, como vamos criar compostos para salvar mais vidas? Vidas até desses mesmos animais que você quer ver saudáveis e saltitantes fora dos laboratórios.
Você diz ainda que esses erros “não são revelados por motivo óbvio: mercado“. Se eles não são revelados… como você sabe deles? E o que o mercado tem a ganhar com uma taxa absurda de erros dessa?
Voltando ao seu uso de “vasta literatura a respeito“. Onde você encontrou essa vasta literatura? Na Vogue ou na Marie Claire? Porque se você descobriu essa mina de informação em periódicos científicos, no momento em que você diz que “Cientistas partem do pressuposto errôneo” você está criando um paradoxo onde você, ao mesmo tempo, acredita no que os cientistas escrevem na literatura E sabe, com uma propriedade ímpar que seu curso de direito a conferiu, que eles estão errados.
Mas não, o que está acontecendo aqui é que você prefere acreditar na informação que mais lhe seja confortável. Isso tem vários nomes; viés de confirmação, seleção discriminatória, falácia do atirador e etc, mas todos se resumem apenas a desonestidade intelectual. Você desacredita completamente na ciência e faz questão de tentar sujar o nome dos cientistas mas usa tanto dados científicos quanto o bom nome de qualquer cientista que você acha que concordam com seu ponto de vista enviesado. Só isso.
Ou você sabe que está errada e está sendo vilmente desonesta, ou não sabe que está esfericamente errada e está sendo hiperesfericamente ignorante.
“Vários médicos e cientistas americanos já são contrários a experimentos com animais, não pela ética, mas sim por isso atrapalhar a ciência!“. E por que você acredita logo nessa minoria? Porque cita apenas um “ex-secretário de Serviços Humanos e de Saúde dos EUA” e não as dezenas de outros? O que esses poucos equivocados (não sei porque você incluiu médicos ali, sinceramente) têm de tão especial para você, fora o fato de seu equívoco ser o mesmo deles?
A segunda pergunta é meio mal feita e supõe várias coisas baseadas em achismos, mas sua resposta, Marina, é ainda pior. Você diz que não é ético usar animais para beneficiar humanos. Você só não definiu o que entende por “ética”, porque a alternativa, baseada na pergunta, pode ser resumida como “é ético não beneficiar humanos”. Você misturou humanos e demais animais no mesmo bolo e tentou sambar com palavras fortes como “instrumentalizar”, “mero meio”, “ser dotado de inteligência, consciência, projetos” (características humanas que você trouxe para o picadeiro por conta própria e está misturando cretinamente numa discussão sobre animais). E sinto informar, mas com essa linha de argumento é você que está convertendo “seres vivos complexos em mero instrumento para nossos desejos e necessidades“. Quando o “desejo” é o de melhorar a vida humana (e animal, graças a remédios e tratamentos, nunca esqueça disso) e o “instrumento” é uma prática controlada e constantemente refinada para justamente se aproximar cada vez mais desses “direitos mais básicos” pelos quais você clama, suas palavras não parecem mais tão apocalípticas assim, né?
Você finaliza sua resposta com “além de injusto, é imoral“. Muito mais imoral é deixar alguém morrer de tuberculose, muito mais injusto é alguém perder uma perna por falta de insulina. Mas isso é apenas uma opinião minha. Talvez você não concorde com a minha definição de moralidade e justiça.
A terceira pergunta (algo como “é melhor assumirmos o bem-estar animal como prioridade, em detrimento à nossa saúde”, mais ou menos) é até um tanto pior que a segunda em grau de direcionamento da resposta, mas você consegue enfiar os dois pés na boca mesmo assim.
Você, Marina, afirma que testes animais são uma metodologia equivocada (evidências?) que visam “atender uma necessidade exclusivamente humana“. Sério? Você conhece a história da ararinha-azul (que, aliás, muito ironicamente perdeu habitat para abelhas melíferas, Luisa Mell)? Especialmente o pedaço sobre a luta para a restauração da espécie? Recomendo uma leitura a respeito, textos estando disponíveis em periódicos científicos. Ah, e você sabia que seu bichinho favorito no momento, o beagle, pode sofrer uma morte horrível por causa de uma entidade conhecida por “doença do carrapato”? Você acha que o cachorro prefere o bem-estar de uma doença sanguínea natural, provocada por outro animal, ou outro estilo de bem-estar que envolve uma coleira vermelha e atóxica? Novamente, minhas definições conflituam com as suas.
Você cita “Dr. John Pippin (diretor acadêmico do Comitê de Médicos pela Medicina Responsável, nos EUA)” e completa com “[i]sso não é ciência, é bruxaria“.
Esse comitê do qual Pippin é diretor é o mesmo Physician’s Committee For Responsible Medicine (PCRM) que o Conselho Nacional Contra Fraudes na Saúde diz ser “uma associação sem fins lucrativos que alega promover uma ‘dieta ideal para a prevenção de doenças’, que diz não haver evidências de que os seres humanos tenham um requisito dietético específico para proteínas e ensina que ‘muita proteína de origem animal na dieta é prejudicial à saúde’ e que “seu líder, Neal Barnard, médico, foi identificado como consultor médico da organização radical pelos direitos dos animais, PETA, que também substancialmente financia o PCRM.”
O Conselho completa a introdução da análise com: “Na nossa visão, o PCRM é uma máquina de propaganda cujas coletivas de imprensa são teatros para disfarçar de notícia sua ideologia.” Mas tem mais nessa análise. Muito mais.
Você confia absolutamente na palavra desse comitê pelo simples fato de que sua ideologia é compartilhada com a dele. Nada além disso. Com a mesma veemência, você acusa o FDA de cometer fraude “por causa de dinheiro” enquanto suas evidências são somente as palavras que saem das bocas de pessoas de rabo preso ideológica e financeiramente com organizações radicais como a sua. Você faz parecer que o FDA financia testes em animais, o que não é verdade.
A quarta pergunta tenta comparar animais usados em pesquisa com animais criados para consumo.
Marina, sua resposta é pouco mais que um desabafo que visa deixar claro o quanto você sofre, por procuração, pelos animais, tipificado por “uma das inúmeras e terríveis formas de exploração animal“. Mais uma vez você escolhe certas definições que na sua boca parecem muito mais graves do que realmente são. Nem toda “exploração” é “terrível”, vide a produção de mel, que deixa bilhões de abelhas felizes (você atropomorfiza, então também posso) e permite a você, vegetariana, se deliciar com tomates e amêndoas. Ou você acha que tomateiros e castanhas se polinizam sozinhos? Ou acha que outros animais que não abelhas conseguem polinizar tomates e amêndoas?
Por outro lado, você também mostra como pensa por procuração através dos explorados quando diz “tão errado quanto criá-los para abate por questões tão frívolas como hábito, tradição ou conveniência“. Quem é o criador de gado que você conhece que tem um rebanho de milhares de cabeças por hábito? Onde é essa avícola que insemina milhões de perus por tradição? Qual é o agricultor que usa um boi para puxar um arado para plantar feijão por conveniência? Marina, ou você é completamente desconectada da realidade e delirante ou refinou e sintonizou seu discurso precisamente para pintar uma humanidade muito mais macabra e sombria do realmente é (logo eu tentando defender os humanos, quem diria) nos fazendo parecer monstros que matam, mutilam e torturam animais por prazer. Ou, pior, porque sim.
Você prega que animais são “criaturas biográficas que percebem o mundo à sua volta e interagem com ele” e, guess what? Nós também somos! E parte dessa interação, parte dessa biografia que nos permitiu “parar de pensar como humanos da era paleolítica” foi justamente a interação do nosso sistema digestivo com proteína de origem animal e a interação das nossas necessidades (fome e abrigo) e desejos (parar de sentir fome e frio) com a inteligência inferior de bestas maiores, mais fortes e mais peludas que nós. Nosso cérebro só serve para dar entrevistas porque nossos ancestrais paleolíticos o cultivaram com mais e melhor nutrição e mais tempo para usá-lo. Não se iluda, absolutamente nenhum item que você consome é animal free; das minhocas que limpam as raízes do alface aos jegues atropelados que viram a cola que segura as pedras dos seus anéis e brincos. E se você, através de seus atos (vide foto abaixo), aceita esse uso “natural” de animais, por que não o igualmente natural ato de consumí-los?
É justamente por não pensarmos paleoliticamente que usamos animais da forma como usamos, ao invés de correr atrás de rebanhos em direção a penhascos.
A última pergunta da matéria é sobre um suposto acordo para acabar com o uso de animais em pesquisas e seu prazo de cumprimento.
Quase sensatamente, Marina diz que mudanças precisam de prazos e discussões e que “[e]ssa discussão (…) deve existir“. E existe. Desde décadas atrás, especialmente entre os cientistas, que são os mais habilitados/atingidos/interessados a ter essa discussão.
Eu disse “quase” porque ela completa dizendo que a discussão deve envolver “especialistas em ética e ciência, junto à opinião imprescindível do público leigo“. Por que a opinião do “público leigo” (diferente de qual outro público?) é tão necessária e imprescindível? O que um público que, pela sua própria admissão, não sabe do que está falando teria tanto a contribuir que não desinformação, equívocos e noções destoantes da realidade, como as suas, Marina?
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