Símbolos e termos musicais – uma simplificação didática
Dia desses minha mãe me ligou perguntando o que exatamente significava a expressão carreira solo, quando em referência a um músico e, como me é pouco característico, eu entendi rapidamente o motivo da dúvida. Vamos lá (respirem fundo agora).
Solo, em português, significa: “Porção de superfície terrestre; Revestimento sobre o qual se anda; Parte superficial da terra que se pode cultivar ou onde podem crescer plantas; Terreno”.
Já em italiano, a lingua franca da música (de onde obtemos a própria expressão “lingua franca”), solo é a palavra que designa “sozinho”. Logo, em música, “carreira solo” não diz respeito a um deslocamento em velocidade sobre uma superfície mas a uma escolha profissional solitária, em contraponto a uma “carreira coletiva”. Ou seja, o sujeito tocava/cantava numa banda, saiu e passou a se apresentar sob seu próprio nome.
Então, torna-se completamente entendível que surjam dúvidas caso não se esteja familiarizado com as raízes latinas dos termos musicais.
É bom, no entanto, notar que apesar da maior parte dos termos usados em música formal serem derivados do italiano, há exceções quando em português, que é em espanhol, e quando em inglês, que é em francês. Como é o caso do símbolo acima; clave e clef, respectivamente.
Outro bom exemplo é a notação que chamamos de “semínima”, uma aglutinação do italiano semiminima, ou “metade de uma mínima” (que, por ter metade, já não é mais tão mínima), que em inglês tem duas versões: quarter note, ou “quarto de nota”, designando a metade de uma metade de uma nota que chamamos de semibreve, ou metade de uma breve, que é a nota mais longa possível (fazendo de “quarter note” o quarto de uma nota que não é a maior), e; crotchet, derivado do francês crochet (de onde tiramos “crochê”, artesanato têxtil semelhante à renda), que utiliza o termo noire (preta) para a mesma nota, enquanto reserva croche para metade daquela.
A nossa mínima (duas vezes uma semínima, metade de uma semibreve e um quarto de uma breve), é conhecida em francês por blanche, ou “branca”. Então, uma branca equivale a duas pretas. No entanto, a pausa de uma branca é uma semipausa (demi-pause), um termo descritivo denotando metade de uma pausa de ronde, ou “redonda”. A pausa da preta, por outro lado, é denominada soupir, ou “suspiro”. Existe ainda o “meio suspiro” (demi-soupir), que é a pausa do croche, de onde deriva o nosso “colcheia”, enquanto a mesma nota em italiano é chamada de croma, ou “tremida”, devido, talvez, à possibilidade de uso em mudanças rápidas e curtas, que emulam um tipo de vibração. O que não deve ser confundido com tremolo, que designa vibração de alternância de amplitude e não cromática.
Aliás, a palavra “cromática”, como em “escala cromática”, apesar de ser tão derivada do Latim quanto croma, não diz respeito a cores, mas ao sistema temperado, que não deriva de tempero no sentido de condimento, mas de temperamento, no sentido de harmonia, pois a escala cromática organiza e divide as notas em conjuntos harmônicos chamados oitavas, que não devem ser confundidas com as semínimas, que correspondem a oitavos das breves, nem com as eighth notes (literalmente, “oitavos de nota”), que são as nossas colcheias e as cromas dos italianos. É interessante também ressaltar que o “harmônico” dos conjuntos acima descritos é diferente do “harmônico” das ondas que formam as notas em si, sendo este definido como “sub-frequências do sinal compostas por múltiplos inteiros da fundamental”.
O caso mais confuso, todavia, é o da nossa breve, que, como já aludido, é a nota que menos pode ser descrita como sendo breve.
Na língua original (para todos os fins e efeitos, italiano é a base da língua musical original), ela é conhecida por breve porque era, em tempos medievais, realmente a mais breve das notas, sendo precedida pela longa (duas breves) e pela maxima (ou duplex longa, equivalente a duas longas). Atualmente, por outro lado, as maiores foram extintas das notações musicais deixando-as com tal designação completamente equivocada. Mas isso só é válido em português e italiano (e no russo, que mantém a grafia antiga, Бревис).
Em espanhol, ela se chama cuadrada, para se diferenciar de sua metade (nossa semibreve) chamada redonda. Ambos, como a maioria das notações em espanhol, derivados do francês, onde a palavra carreé, ademais, é também um sinônimo de “praça”.
Em inglês, a nota de maior valor nominal é a whole note, ou “nota inteira” que é, na verdade, metade da maior nota possível, que passou a ser chamada double whole note, ou “dobro da nota inteira”.
Concluindo: em notação musical geral, deve-se usar um substantivo em italiano.
A não ser quando uma língua como português usa um termo em espanhol ou em inglês é usado o mesmo que em francês.
Ou então quando se usa um adjetivo denotando a cor da nota. Menos quando se fala em escala cromática. Ou quando em italiano, onde croma é sinônimo de vibração, de onde vem o português “colcheia”, que já deriva de francês mas que é diferente da vibração tremolo.
É também aceitável utilizar referências ao formato ou subdivisão aritmética das notas, dependendo do idioma, menos no caso de “oitava”, que não é nem a metade de 1/4 nem o formato do dígito 8, mas uma subdivisão cíclica do sistema temperado, mas nunca condimentado, apenas harmônico, mas não matematicamente, apenas agradavelmente.
Dá para notar o motivo da dúvida, não é?