Dona Hilda


Tive a oportunidade de visitar Hilda Hilst pouco dias antes de sua morte. Estava prostrada, bastante abatida e, em meio ao alvoroço daquele hospital, jazia anônima. Peguei-me lendo alguns de seus poemas e, daí, a lembrança daquele dia brotou. Mas essa história é para outro “post”. Deixo aqui um de seus mais belos poemas.

“Se te pareço noturna e imperfeita
Olha-me de novo.
Porque esta noite
Olhei-me a mim, como se tu me olhasses.
E era como se a água
Desejasse
Escapar de sua casa que é o rio
E deslizando apenas, nem tocar a margem.
Te olhei. E há tanto tempo
Entendo que sou terra. Há tanto tempo
Espero
Que o teu corpo de água mais fraterno
Se estenda sobre o meu. Pastor e nauta
Olha-me de novo. Com menos altivez.
E mais atento.”

(Dez chamamentos ao amigo)

Arte e ciência


Depois de algumas horas de atraso, mais exatamente dezessete horas, provocado pelas chuvas e aberturas intermitentes da pista principal de Congonhas, consegui chegar. Enquanto esperava o embarque, acabei por ler que o médico austríaco Christian Albert Theodor BILLROTH (1829-1894), que é considerado o pai da moderna cirurgia abdominal, era muito próximo de Johannes Brahms . A amizade entre os dois era tão grande, que o Concerto para Piano número 2 só foi executado publicamente após a aprovação de Billroth. Mais uma vez, um exemplo da interface ciência e arte, ao mesmo tempo tão rara e tão necessária nos dias de hoje. Para quem não conhece, vale a pena aproveitar a dica e escutar o Concerto. Se possível, com Arthur Rubinstein ao piano e a Filarmônica de Israel sob regência de Zubin Mehta. Atente para o terceiro movimento, Andante. Boa audição!

Nietzsche e o aprendizado do amor

Caros amigos, não estarei em São Paulo até domingo, dia 21, e terei grande dificuldade em acessar a rede. Assim, escrevo o último “post” até lá. Escolhi um aforismo de Friedrich Nietzsche, da Gaia Ciência, que julgo bastante interessante. Chama-se “É preciso aprender a amar”: ” Eis o que nos acontece em música: é preciso aprender a ouvir em geral, um tema, um motivo, é preciso percebê-lo, distingui-lo, isolá-lo e limitá-lo em uma vida própria; pois é preciso um esforço e boa vontade para suportá-lo, malgrado a sua estranheza, para ter paciência com seu aspecto e sua expressão, caridade pela sua estranheza; chega enfim o momento em que nos acostumamos com ele, quando esperamos, pressentimos que nos faria falta se não existisse(…). Mas isso não acontece apenas com a música; é da mesma forma que aprendemos a amar as coisas que amamos(…)”. Acredito, pessoalmente, que o tal “amor de mãe”, incondicional, não deva sempre ter sido assim, desde a concepção do filho. Durante a gestação, há um “ser” estranho em seu ventre, que pode ser birrento, acordá-la às 3h00, não gostar de ler, preferir Orlando a Veneza e etc. Mas com o passar do tempo, “pressentimos que nos faria falta se não existisse”…

Cogito ergo sum?

Desde tempos imemoriais discute-se o que é vida e, mais ainda, quando a vida começa. Em pleno século XXI, ainda não temos respostas consensuais para tais perguntas. Para se ter uma idéia da complexidade que o tema carrega, vale a pena ler a entrevista do último domingo, dia 14 de janeiro, que o Procurador da República do Ministério Público Federal, Daniel Sarmento, deu para o caderno “Aliás”, do “Estadão. Entre outras coisas, ele cita que a legislação alemã usa a nidação (momento em que o recém-formado embrião fixa-se à parede do útero) como marco que estabelece o início da vida; os tão conservadores norte-americanos, por paradoxal que possa parecer, consideram o início da vida no momento em que o feto possa ser capaz de sobreviver fora do útero, ou seja, em torno do quinto para o sexto mês de gestação. A legislação brasileira “só atribui personalidade após o nascimento”, segundo Sarmento. Para o neuropsicólogo Michael Gazzaniga, a vida só pode ser estabelecida a partir do momento em que o córtex cerebral esteja desenvolvido, mas parece que sua opinião está longe de ser aceita por boa parte das agências fomentadoras de pesquisa, conforme escreveu o físico Marcelo Gleiser para o caderno “Mais” da Folha de São Paulo também no último domingo. E você, o que pensa a respeito?

” I can’t imagine”

O hipocampo é uma estrutura anatômica cerebral que tem por função a memória. Indivíduos portadores de doença de Alzheimer, por exemplo, apresentam grave acometimento do hipocampo. Assim, eles perdem a capacidade de memorizar novos fatos e, com o passar do tempo, de se lembrar de fatos do passado remoto; esquecem-se dos amigos da infância, do nome da professora do colégio e até do primeiro beijo. Pesquisadores da University College London descobriram que o hipocampo também desempenha um papel importante na capacidade de imaginar cenas. Pediram a indivíduos normais para imaginar uma cena na praia e descrevê-la em todos os seus detalhes- luminosidade do dia, cor da água do mar, temperatura, entre outros- e não houve problemas. Já indivíduos com lesão do hipocampo foram incapazes de imaginar a mesma cena de maneira integrada, descrevendo apenas superficialmente cada elemento de forma isolada. Tais dados apontam para um papel adicional do hipocampo, que seria o de possibilitar a integração de elementos para a formação de uma imagem mental complexa, ou seja, pela capacidade de imaginar(http://www.nature.com/news/2007/070115/full/070115-2.html). Será que eles seriam capazes de entender a letra de “Imagina”?

Pitágoras, o Bom

Meu amigo Montaigne diz: “(…) nunca consegui sequer ver sem desprazer perseguirem e matarem um animal inocente, que está sem defesa e do qual não sofremos mal algum. E como costuma acontecer que o cervo, sentindo-se sem fôlego e sem força, não tendo mais outro remédio, atira-se e se rende a nós mesmos que o perseguimos, rogando-nos mercê com suas lágrimas, esse sempre me pareceu um espetáculo muito desagradável. Nunca apanho animal vivo ao qual não devolva a liberdade. Pitágoras comprava-os dos pescadores e dos passarinheiros para fazer o mesmo. As índoles sangüinárias com relação aos animais dão prova de uma propensão natural para a crueldade.” Retomarei o assunto quando escrever sobre Jean-Martin Charcot.

Borges, gênio


Vale a pena ler J.L.Borges. Cada vez mais ele me surpreende com a sua genialidade. Relendo “O Duelo” , que faz parte de “O Informe de Brodie”: “(…) é indiscutível, embora misterioso, que a pessoa que confere um favor supera de algum modo quem o recebe”. E pensar que existem pessoas que associam Borges ao infame “Instantes”…

Carpeaux e ” Que livros ficariam melhores se um pedaço fosse suprimido?”


Andy Warhol, “16 Jackies”, 1964

Acabo de ler o “Estadão” de hoje. Na seção “Antologia pessoal”, está a escritora gaúcha Letícia Wierzchowski, que escreveu “A Casa das Sete Mulheres”. Como escritora, ainda tem de melhorar e, certamente, vai melhorar, pois é muito nova para escrever romances. O que me intriga nessa tal seção é a presença constante da pergunta “Que livros ficariam melhores se um pedaço fosse suprimido?”. Será que essa pergunta teria sido formulada caso estivéssemos em outra época, mais remota ? Acho que não. Vivemos na era do videoclipe, das imagens profusas e alternantes, do videogame. Como escreveu o grande O.M.Carpeaux em sua coluna no mesmo “Estadão” em 19 de fevereiro de 1966 (“A época ótica”), “(…) o homem moderno é criatura essencialmente ‘distraída’, pelo fluxo ininterrupto das imagens da publicidade, pela acumulação de notícias heterogêneas numa página de jornal, pela mudança caleidoscópica dos aspectos e ruídos da rua; já teria perdido a capacidade de acompanhar estruturas mais complexas, ler um livro até o fim (…)”. Enquanto continuarmos vivendo nesse mundo que cada vez menos privilegia a leitura, em que cada vez mais vemos jovens comprando livros pelo número de páginas (quanto menos, melhor), a próxima pergunta a ser feita é “Que livros ficariam melhores se um pedaço fosse acrescido?” Bom final de domingo!

Esse tal de sono…

A imprensa não especializada insiste em dizer que “o normal é dormir oito horas por noite”. Há algum tempo, com o surgimento da Cronobiologia, tal afirmação foi definitivamente derrubada. De maneira bastante grosseira, poderíamos dizer que a humanidade se divide em dois grandes grupos em relação ao padrão de sono: “os que dormem com as galinhas” e os “que dormem ao amanhecer”. Além dessa particularidade, as horas necessárias para garantir um sono reparador também variam entre as pessoas e seguem um padrão familiar, geneticamente modulado. Assim, há pessoas que se deitam às 21h00 e se levantam às 04h00 prontas para enfrentar um árduo dia de trabalho com plena disposição. Por outro lado, há aquelas pessoas que se deitam à meia-noite e se levantam ao meio-dia completamente estafadas, como se precisassem (e precisam) de mais duas horas de sono, pelo menos. A resposta para essas diferenças parece ter sido encontrada, pelo menos em parte. Trata-se do gene “period 2” (PER2). Para quem se interessar, vale a pena visitar o link www.nature.com/news/2007/070108/full/070108-9.html. Enquanto isso, ao arrumar um (a) parceiro(a), certifique-se do padrão de sono para não cair na canção do Chico…”O nosso amor é tão bom/O horário é que nunca combina/Eu sou funcionário/Ela é dançarina/Quando pego o ponto/Ela termina”.

Bandeira e o ócio


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Sábado é o dia perfeito para o ócio. Como diz Kien, personagem de Canetti em seu “Auto-de-fé”, “sem ócio não há arte”. Então aproveito o dia e resolvo folhear Manuel Bandeira. Acabo por ler “Meninos Carvoeiros”. E que melancolia!

(…)
– Eh, carvoero! Só mesmo estas crianças raquíticas
Vão bem com estes burrinhos descadeirados.
A madrugada ingênua parece feita para eles…
Pequenina, ingênua miséria!
Adoráveis carvoierinhos que trabalhais como se brincásseis!
– Eh, carvoero!
Quando voltam, vêm mordendo num pão encarvoado,
Encarapitados nas alimárias,
Apostando corrida,
Dançando, bamboleando nas cangalhas como espantalhos desamparados!

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