O amor pelos cães e a imaturidade epidêmica
Duas coisas me surpreenderam quando cheguei em Águas Claras para morar – a ausência de pedestres e a profusão de pessoas passeando com cachorros. A ausência de pedestres eu entendi rapidamente: o jovem profissional urbano de sucesso teme ser confundido com a massa pobre deserdada e utiliza o automóvel até para ir à padaria da esquina. A questão dos cães, no entanto, permaneceu obscura para mim até há pouco.
A luz começou a surgir quando observei que minhas tentativas de civilidade eram quase sempre recebidas com frieza, como quando tentava dar um bom dia dentro do elevador. As relações humanas nesta cidade são dificílimas, a não ser em duas situações – quando se fala de futebol ou de cães. Dois cidadãos que em qualquer ocasião se ignorariam mutuamente, conversavam animadamente quando acompanhados de seus cães e a conversa giraria invariavelmente ao redor dos cães, sobre os cães, quase para os cães. Não me surpreenderia se repentinamente parassem de conversar e começassem a latir.
O que acho mais estranho é que, sinceramente, nunca vi ninguém com outro animal de estimação que não fosse canino, nem mesmo gatos. Será que gatos são mais difíceis de criar que cachorros? Então se fez a luz! Não, o problema é que os gatos, como as pessoas, não são tão subservientes (ou, no jargão dos cinófilos, “carinhosos”).
Mas que luz é essa, tão obscura ainda? O que só agora entendi é que as pessoas nesta cidade, e talvez em outras grandes cidades, estão substituindo as relações humanas pelas relações caninas. As pessoas são muito complicadas, desapontam, não são fáceis de agradar. Até mesmo ter filhos passa a ser preterido por ter cães. Um idiota recentemente me disse que para ele cães e crianças estão na mesma categoria, mas ele preferiu ter um cão.
Para mim, o amor moderno pelos cães é mais um sintoma da imaturidade epidêmica das pessoas. O jovem profissional urbano tem medo da complexidade das relações humanas. Teme-se até mesmo a infelicidade, qualquer desconforto é visto como depressão e se trata com remédios e com cães. O cão, como me disse o idiota acima citado, também é gente, a ele se permite tudo. O respeito pelas pessoas é posto em último plano, como atesta o mar de merda no parque da cidade, onde deixei de passear com meus filhos por medo de zoonoses.
Não tenho medo da complexidade, prefiro pessoas a cães. Não tenho medo de decepções, na verdade, as decepções e o sofrimento me tornaram uma pessoa melhor, mais madura. Não desisti de ter filhos pelo temor infantil de que venham a me decepcionar. A maior decepção para mim será se eles decidirem abandonar sua humanidade e trocar as pessoas pelos cães e que só dêem bom dia a quem abanar o rabo para eles.