Sobre Ciência e Arte
No livro Desvendando o arcoíris, o biólogo e grande divulgador da evolução por seleção natural Richard Dawkins tenta mostrar como o universo desvendado pela Ciência pode ser uma rica fonte de inspiração para os artistas, ao contrário do que pensam muitos, como o poeta inglês Keats, que acreditava que Newton roubara todo o encanto dos arcoíris, ao desvendá-los. Fora os escritores de ficção científica, conheço poucos exemplos de artistas usando temas científicos ou inspirados pela Ciência. Dos poucos exemplos que conheço, sobressaem os poetas repentistas do sertão nordestino, que em geral mostram sua superioridade em relação aos adversários desfiando seus conhecimentos, muitas vezes surprendentemente minuciosos, casando de maneira admirável a criatividade artística com o maravilhamento frente à complexa beleza do universo, da Natura, como gostam de dizer. Não deixa de ser uma possibilidade interessante tentar usar a abilidade destes artistas em prol da divulgação do conhecimento científico, além de exemplo do casamento possível Ciência-Arte. Mundialmente, há tentativas sérias de instigar o uso da Ciência como tema artístico bem como de incentivar que cada vez mais cientistas se expressem artisticamente, cito especificamente o movimento Lablit (laboratory literature), bem representado na internet no site www.lablit.com, por exemplo. Há uma série de exemplos de grandes cientistas que em algum momento sentiram necessidade de conjugar arte e ciência, no Brasil:Mário Schoenberg e José Lopes Leite; no exterior: Einstein, Feynman, o próprio Asimov era um cientista por treinamento. E há, claro, o caso bem mais raro de grande artista que sentiu necessidade de atuar como cientista, ainda que por um período relativamente curto, disto só conheço um exemplo: o inigualável Vladimir Nabokov. Interessado desde criança em colecionar borboletas, o escritor russo de expressão inglesa chegou a atuar como anatomista de lepidópteros nos EUA, tendo feito importantes contribuições na taxonomia de certo grupo de borboletas.
Pedologia Titânica
No número de hoje da Nature saíram dois artigos sobre a lua de Saturno Titã. Com clima que apresenta uma série de similaridades com a terra, Titã tem nuvens, tempestades, rios e lagos… de metano! O metano toma o lugar da água na gênese da paisagem. Fico imaginando como será o intemperismo por metano e o regolito e solos formados. Eis aí um novo ramo da pedologia, a planetária. Aliás, há uma série de artigos interessantíssimos sobre solos marcianos, principalmente na Science. Para os desavisados, pedologia é o estudo da formação dos solos.
Era dos Extremos
Em seu livro Era dos Extremos, Eric Hobsbawm afirma que nos dias de hoje, em que a ignorância é rainha tranqüila, não se pode pressupor que as pessoas sabem, nem aquelas de que se espera isto, citando o exemplo concreto de um seu aluno perguntando se o fato de se falar em II Guerra Mundial queria dizer que houvera uma I Guerra Mundial. Os que trabalham com pesquisa científica em geral atuam voluntariamente como revisores científicos de periódicos ligados a sua área, comigo não é diferente. Há pouco recebi um trabalho para revisar sobre contaminação do solo por metais pesados. Que os trabalhos em sua primeira versão não sejam perfeitos, vá lá, mas neste caso a imperfeição beirava o cômico. O autor ou os autores fizeram um experimento com colunas de lixiviação sem repetições! Havia dois tratamentos, cada um representado por uma única coluna de solo, cuja classe em nenhum ponto é especificada, diga-se de passagem, e passaram um ano fazendo lixiviações, um ano regando duas colunas de solo! Ainda arranjaram um jeito de fazer “correlações” entre teores de metais e pH, correlação a partir de uma amostra… Obviamente recomendei a não-aceitação desta pérola, mas o dinheiro público possivelmente foi gasto para esta “pesquisa”, além de meu precioso tempo.
Amazônia
A revista Scientific American Brasil de julho trás um artigo sobre como surgiu, ao longo das eras geológicas, a biodiversidade da Amazônia. O artigo é muito bem escrito e os argumentos são convincentes. É interessante comparar o modelo descrito com os de Paulo Vanzolini e Ab’Saber, por exemplo.
Previsões
Aproveitando uma deixa do último post, gostaria de abordar aqui o viés filosófico das previsões científicas. Por previsões refiro-me às predições baseadas em modelos matemáticos. Menos abstratamente, estou falando de previsões de safras a partir de recomendações de adubação baseadas em análises químicas do solo ou em previsões climáticas utilizando-se modelos matemáticos apropriados para determinada região, por exemplo. Os leigos, e muitas vezes os próprios especialistas, não percebem o quanto acreditar (reconhecendo o limite imposto pelo fato de serem probabilidades estatísticas) nestas previsões é uma negação à crença em uma entidade sobrenatural governando cada aspecto da existência. A mim me parece que quanto maior o grau de acerto dos modelos matemáticos preditivos de fenômenos naturais, deveria se tornar mais clara a improbabilidade e implausibilidade de qualquer influência sobrenatural. A sociobiologia tem demonstrado que mesmo o comportamento humano é bastante previsível. Os milagres e fenômenos correlatos possivelmente não passam de variáveis ainda não quantificadas em uma grande equação.
Em que acreditar
Há pouco um conhecido meu disse não acreditar em estimativas de idade de fósseis e outras afirmações semelhantes feitas por cientistas, no entanto acredita fielmente que alguém possa ter ressuscitado após três dias de morto, que uma mulher possa ter dado a luz a uma criança e ter se mantido virgem (sem que tenha havido inseminação artificial) e outras coisas do tipo! Além de tudo isso, é completamente cético em relação a análises químicas de solo e recomendações de adubação. Paul Pirsig deveria escrever uma nova Arte de manutenção de motocicletas sobre os que não acreditam em cientistas. Sem dúvida há uma falha enorme na educação destas pessoas mas a religião também vem prestando há séculos um grande serviço na deseducação dos indivíduos.
Olá, Mundo!
Este é o primeiro post do blog Geófagos e resolvi intitulá-lo com a clássica expressão usada pelos programadores quando criam um programa. Este blog tem por objetivo discutir e antes de tudo divulgar a Ciência do Solo (sim, isso existe) e sua importância, em minha opinião fundamental, no mundo e na História. Como espero deixar claro no futuro, o bom manejo dos solos é imprescindível para a sobrevivência e sustentabilidade não só das nações mas também das civilizações. Como último comentário, gostaria de salientar que além de comentários sobre solos, reservo-me o direito de comentar e divulgar a Ciência em geral na esperança de que este espaço possa ser um bastião contra o avanço das idéias obscurantistas, supersticiosas e pseudocientíficas que assolam nosso tempo. O nome do blog é uma referência ao fato de nós humanos e praticamente todos os seres vivos sermos em última análise comedores de terra. A vida existe porque existe solo. Não deixa de ser uma homenagem a Charles Darwin, seu último livro foi sobre earthworms, minhocas, animais geófagos por excelência.