Um livro é uma commodity?

O que é o bom gosto? É possível cultivá-lo ou é inato? Será necessário estudar um tratado de Estética ou há como desenvolver ao longo de uma vida um senso do bom gosto? Não é inato, não é próprio de uma classe apenas, não é nem mesmo exclusivo a tradições culturais eruditas – há bom gosto na cultura popular, embora não na descartável cultura de massas, é minha impressão suassuniana.

Existe algum preconceito nessa visão, de que não pode haver bom gosto na cultura de massas? Não confundamos cultura popular com cultura massificada. Uma tem a ver com a expressão artística não erudita do povo, com a apropriação e, por assim dizer, adaptação das formas de expressão artística por indivíduos ou movimentos de bom gosto vindos do povo. Quem duvidaria do extremo bom gosto e da sofisticação de versos como estes de Patativa do Assaré:

“Canto as fulô e os abróio

Com todas coisa daqui:

Pra toda parte que eu óio

Vejo um verso se bulí.

Se as vêz andando no vale

Atrás de curá meus male

Quero repará pra serra,

Assim que eu óio pra cima,

Vejo um diluve de rima

Caindo inriba da terra.”

São versos de uma força evocativa admirável, sem falar na perfeição métrica e na habilidosa escolha das palavras. Patativa pegou o rude e arcaico dialeto sertanejo, mais apropriado a ameaças e juras de morte, na visão confortavelmente estereotipada, e fez com ela poesia de primeira categoria.Prefiro muito mais seus poemas em sertanejo do que os que escreveu em português padrão, que não era sua língua real, artificiais, formulaicos e sem espontaneidade.

Por outro lado, pode haver mau gosto na arte erudita. Vladimir Nabokov detestava a obra de Dostoievski (mas a conhecia profundamente), principalmente do Crime e Castigo, por considerá-lo confuso e de mau gosto. Nesse caso, não sei se era um julgamento estético ou um preconceito de classe. A São Petersburgo onde o aristocrata Nabokov viveu era muito diferente da São Petersburgo descrita por Dostoievski. Os verões da família Nabokov, por exemplo, eram passados em ricas propriedades rurais distantes da multidão vulgar e da inquietação política da capital da Rússia sob os Czares. Duvido que o jovem Vladimir tivesse jamais sentido “aquele peculiar mau cheiro de verão tão conhecido de cada petersburguense sem condição de alugar uma casa de campo” de que se queixa o nervoso Raskólnikov.

Paradoxalmente, mesmo o mau gosto é gosto e como Ariano Suassuna se queixava, o mal da cultura de massa é a ausência de gosto, ou melhor, é a ditadura do gosto médio, pior do que o mau gosto. Nabokov não negava que Dostoievski era um artista, embora o considerasse um artista do mau gosto e Suassuna, em sua Iniciação à Estética, fala mesmo de artistas que preferem fazer uma Arte do Feio. Os produtos da cultura de massa são outra coisa, são comércio, não arte. Para mim, isso fica explícito e claro na expressão “best seller”, o que vende melhor – não se faz referência à qualidade artística, mas à capacidade de vender.

George Orwell entendeu bem, em seu 1984, o “espírito” da cultura de massas ao descrever os livros produzidos por máquinas novelizadoras no Departamento de Ficção do temido Ministério da Verdade, livros que “não passavam de artigos que tinham de ser produzidos, como botinas ou compotas”, volumes que “só têm seis enredos, que são misturados e adaptados”, produtos para o entretenimento dos “proles”. Aliás, o livro, na cultura de massas, deixa de ser uma obra de arte e passa a ser mais um produto da poderosa e onipresente indústria do entretenimento, como séries de televisão, novelas e matérias do Jornal Nacional.

Em um dos trechos de 1984 transcritos acima, os livros são comparados a artigos banais como cadarços e geleias. Na tentativa de deixar mais clara minha tese, gostaria de transcrever o original em inglês: “Books were just a commodity that had to be produced, like jam or bootlaces.” Não vou discutir a pequena infidelidade da tradução de Wilson Velloso. Quero na verdade me deter um pouco na palavra “commodity” do original. No dicionário de inglês que uso em meu celular, commodity é definida como “an article of trade or commerce, especially a product as distinguished from a service”.

Um livro, ao ser definido como commodity, não passa de “um artigo de negociação ou comércio”, não diferente de uma tonelada de soja ou uma carga de açúcar. E assim as músicas de Apocalypso, a maior parte dos filmes holywoodianos, a Veja, copos de plástico e guardanapos de papel. E talvez as personalidades que se formam consumindo todo esse lixo cultural.

Por que gosto de ficção científica mas não de críticos literários

Acabei de ler Blood Meridian, de Cormac McCarthy, livro sobre o qual não vou falar agora. É o segundo livro que li desse autor, o primeiro tendo sido A Estrada (The Road), sobre o qual quero falar um pouco. Comprei A Estrada meio desconfiado porque não conhecia o autor e porque sabia que já tinham feito um filme baseado no mesmo. Pensei – deve ser a típica excrescência literária americana moderna, o livro escrito para ser um filme de sucesso. Nada. O livro é soberbo. A Estrada é tão bem escrito e intenso que ainda não consegui fazer a releitura, um trabalho de artista maduro, com um domínio espantoso da técnica, criando um sonho ficcional quase tátil.

Quis imediatamente saber mais sobre o autor e descobri que é considerado um dos maiores autores vivos norte-americanos, já quase um clássico. Harold Bloom, o Stephen Jay Gould da crítica literária, considera McCarthy um verdadeiro artista. Que é isso! Fiquei entusiasmado, a crítica literária mainstream americana louvando os méritos literários de um escritor de ficção científica! Harold Bloom, o Harold Bloom, animado com o cara, já o achando um gênio…Aí encontrei um texto esclarecedor.

Assim como Steve Jobs, parece que os críticos literários, ou alguns, criam ao redor das obras que apreciam um campo de realidade distorcida. Porque apesar de eu ter lido A Estrada com meus próprios e cansados olhos de SF aficionado e ter reconhecido nesse livro uma ficção científica inequívoca e de primeira qualidade, os profissionais da crítica literária fizeram questão de deixar bem claro que A Estrada ficção científica não é. É uma fábula pura, senhores. É, como disse um mais idiota, “um épico lírico de horror”, o que quer que isso signifique. Uma história ambientada em um mundo pós-apocalíptico onde ocorreu algum tipo de catástrofe ambiental, não é ficção científica, somos informados.

O problema, parece-me, é que Cormac McCarthy, antes de The Road, era já um escritor mainstream consagrado, elogiado por Harold Bloom, não escreveria, não poderia escrever ficção científica. “Se ele escreve um livro magistralmente elaborado que qualquer forma pensante de vida classificaria como science fiction, deveríamos nós críticos de estabelecida reputação reavaliarmos nossa impressão sobre o gênero?”. Não. A realidade é nada sutilmente distorcida – a ficção científica de McCarthy não é ficção científica, é… é… é “a mais pura fábula, é um épico lírico de horror.” Aaaargh.

Agricultura orgânica ganha páginas de almanaque infantil

HORTA E LIÇA - GIBI 4

 

Criado para incentivar o consumo de hortaliças pelo público infantil, o Almanaque Horta & Liça traz histórias em quadrinhos e diversos passatempos que aliam lazer e informação. A proposta é estimular entre os pequenos novos e bons hábitos – tanto o da leitura quanto o da alimentação saudável – e tudo isso com uma abordagem lúdica e descontraída.

Em sua quarta edição, a publicação, idealizada pela Embrapa Hortaliças (Brasília/DF), explica como funciona o sistema de produção orgânico à turminha do Zé Horta e da Maria Liça. Quem não vai gostar nada do assunto é a Marina, que se assusta com as minhocas no solo, mas isso até descobrir que os túneis cavados por elas são essenciais para a ventilação das raízes das plantas e para a infiltração da água da chuva.

Eles vão aprender que na agricultura orgânica o que vale é produzir sem prejudicar o meio ambiente, por isso, os produtos químicos são proibidos nesse sistema de cultivo. Assim, o modo de produção orgânica preserva a biodiversidade e garante uma salada mais saudável.

Embrapa & Escola
O almanaque Horta & Liça é distribuído para instituições de ensino e para as crianças que visitam a Embrapa Hortaliças por meio do programa Embrapa & Escola. Em 2012, mais de 1300 alunos de escolas da rede pública e privada conheceram a Unidade, os campos experimentais, as casas de vegetação e uma horta demonstrativa com produtos como alface, pimenta, berinjela, cebolinha, tomate, cenoura, entre outros.

De acordo com Orébio de Oliveira, responsável pelo programa na Unidade, o almanaque tem uma aceitação muito boa entre os pequenos. “Eles ficam felizes com o brinde e logo começam a folhear as páginas para ler as histórias e preencher os passatempos”, conta.

Ele ainda diz que a animação é tanta que o brinde tem que ser entregue no final para não atrapalhar o andamento da visita. Este ano, o período de visitação vai até novembro e as escolas interessadas podem fazer o agendamento pelo telefone (61) 3385.9110 ou cnph.sac@embrapa.br.

 

Divirta-se!
Nos links abaixo, é possível conferir as aventuras do Zé Horta e sua turma.
– Almanaque Horta & Liça – Número 1
– Almanaque Horta & Liça – Número 2
– Almanaque Horta & Liça – Número 3
– Almanaque Horta & Liça – Número 4

 

Paula Rodrigues (MTB 61.403/SP)
Assessoria de Imprensa
Núcleo de Comunicação Organizacional (NCO)
Embrapa Hortaliças
Tel.: (61) 3385-9109
E-mail: paula.rodrigues@cnph.embrapa.br 

Saramago

É com sincera e profunda tristeza que leio a notícia da morte do escritor português José Saramago. Acredito que, além de um inigualável e insubstituível artista, perde-se um grande pensador. José Saramago foi o único ganhador do Prêmio Nobel de Literatura a escrever em português, língua à qual tentou, creio que com sucesso, restituir a beleza alcançada na obra do padre António Vieira, segundo suas próprias palavras. Foi um grande homem.

Manifesto Geofágico

(Porque o Geófagos, além de livre, também é cultura! Você pode até pensar que endoidamos, mas não há de dizer que mentimos!).
Só a Geofagia nos une. Biologicamente. Socialmente. Economicamente. Filosoficamente.
À diferença, ou à semelhança – como queiram – do Manifesto Antropófago de Oswald de Andrade, pregamos aqui A LIBERTAÇÃO DA CIÊNCIA e da Verdade Geofágica.
Contra todas as amarras. Puristas, elitistas, idiomáticas, norte-americanistas, imperialistas, Inquisitórias, religiosas, eclesiásticas, moralistas, socialistas, comunistas, capitalistas, obscurantistas, maniqueístas, neo-medievalistas, egoístas, individualistas, populistas, conformistas…
A favor da Geofagia, pois todos os seres vivos são Geófagos. Em maior ou menor grau, direta- ou indiretamente, todos o são! E contra isso não há o que se possa fazer. Ninguém vive do éter! O sujeito, que é o dono do verbo, sobrevive porque pega mata e come!
Sob o Sol, tudo emana da Terra e em seu seio se curva! Não há como fugir desta lei!
Darwin acabou com o enigma humano e outros sustos da psicologia monoteísta. Alguém tinha de fazê-lo um dia, e Darwin o fez! Grande Darwin! Oráculo do Geófagos, Guru da Geofagia!
E já dizia o Livro do Gênesis (3:19), no tempo dos princípios e dos primórdios, “viestes do pó e ao pó retornarás”! Sentença que o elitismo eclesial da nobreza e a ignorância da plebe impediram de se interpretar à risca.
Mas nós afirmamos categoricamente, sem ardil de retórica: sois pó!
Caulim or not Caulim: that is the question!
Oswald manifestou-se “contra as elites vegetais. Em comunicação com o solo”.
In vino veritas? Não, Velho Caraíba, nós afirmamos, a verdade está no Solo!
O vinho, a uva, a videira SÃO terra úmida e sol reluzente. O resto é processo.
Ibitinga, tauá, tabatinga, ibirapitanga, pitanga, curumim-cutuba, cunhã-taí, cunhã-porã. São nada mais que processos.
E assim, naturalmente, sem magia ou revolução, O Anátema torna-se O Verbo, assumindo o lugar que é seu por direito, que lhe foi subtraído pelo império dos dogmas, enquanto se mantinham amordaçadas a Ciência e a Verdade, que o Geófagos exige libertas, em nome da razão e do bom senso!
Filhos do Sol e do Solo, não percam seu tempo buscando respostas no céu. Busquem os vestígios dos eventos geotectônicos, olhem para o chão, datem as rochas, os sedimentos, descubram os fósseis. Lá está a verdade.
A saúde de todas as espécies, Senhores Primatas, todas, vegetais e animais e outras, indistintamente, está no equilíbrio dinâmico da natureza – umbilicalmente ligada ao Solo. Lá, mais uma vez, está a verdade. Mas a medicina elitista insiste em ser curativa. Rende mais dividendos. Enquanto isso vamos navegando, de escorbuto em escorbuto, mais ou menos.
Você, Caraíba, e todos nós somos Geófagos. Gregos, Russos e Romanos. Gauleses, Saxões, Otomanos. Árabes, Latinos, Australianos. Ameríndios, Chineses e Africanos. A Geofagia nos une, mesmo que nos separe a Geografia, quando não as guerras e a hipocrisia.
Morte e vida incontestes. “Da equação eu parte do Cosmos ao axioma Cosmos parte do eu. Subsistência”. Substância. Conhecimento. Geofagia!
O que atropela a verdade é a roupa e a arrogância, “o impermeável entre o mundo interior e o mundo exterior”. A metáfora do homem vestido. Nus somos puros e belos.
Nunca fomos desnudados. O potássio de seus músculos que foi banana que foi feldspato ou mica. O cálcio de seus ossos que foi leite que foi capim que foi mármore que foi calcário que foi carapaça de moluscos no Cretáceo. E você ainda se acha ‘o dono do pedaço’.
Foucault não é suficiente. É na Geofagia que está a construção e a desconstrução do sujeito.
A Geofagia nos constrói e nos destrói na mesma medida!
Sois pó!
Caulim or not Caulim: that is the question!

Ciência, Certezas e Equívocos: Nota de Rodapé (5)

A razão desta “nota” é para dizer que é preciso ter muito cuidado coma as “certezas”. Portanto, peço à Comunidade Geófágica que me permita uma explicação, não uma justificativa, para o meu equívoco do texto passado. É sempre possível tirar alguma lição dos fatos, quaisquer que sejam eles.
Naquele texto, errei a cidade de Chicó e João Grilo, personagens da peça Auto da Compadecida. A história se passa em Taperoá, na Paraíba. Mas há uma canção de autoria de Raimundo Fagner, Manera Fru Fru, Manera, do disco O Último Pau de Arara (há duas versões do disco – tenho ambas). Nesta canção, Fagner repete três vezes a frase “é só catimbó e o Chicó tá no Icó“. Nem sei quantas vezes ouvi isso. Daí, mesmo Ariano Suassuna dizendo o contrário, eu tinha “certeza” de que Chicó estava no Icó, e pronto.
Li a peça Auto da Compadecida por ocasião do famigerado vestibular e por recomendação de um Professor que tive. Muito tempo depois, fizeram a minissérie e o filme O Auto da Compadecida. Assisti a ambos. Geralmente, as versões cinematográficas ou televisivas de livros e peças de teatro ficam pobres em relação aos originais. Mas neste caso não. Todos são bons, pois a obra é excelente, com elementos shakespearianos evidentes – Ariano Suassuna sabe das coisas. Enfim: mesmo depois de tudo isso, Chicó continuou no Icó, eu tinha certeza disso. Coisa de cabeça-dura.
Neste sentido, para quem pretende de alguma forma trabalhar com a Ciência, é bom lembrar sempre de que no terreno das certezas, quem costuma reinar imperiosamente são os equívocos. Fica aí um recado aos cabeças-duras, feito eu.

Com licença Geófagos! Um Desabafo.

Por Elton Luiz Valente

Alguém já disse que toda geração é refém de seu tempo. Eu, declaradamente, sou um desses. O contexto histórico de minha geração me acompanha feito uma sombra, ora me resguardando, como uma castanheira ao sol; ora me assombrando feito fantasmas nefastos. Digo isso porque os protagonistas das manchetes de minha geração estão registrados no núcleo duro da minha memória. De uns poucos tenho saudosas lembranças e referências. De muitos tenho tristes decepções.

Tenho críticas sérias a muitas figuras “ilustres” deste universo brasileiro com “muita estrela e pouca constelação” (como já dizia o saudoso Raul Seixas). Entre eles estão ícones nacionais e internacionais que não viveram em meu tempo, mas deixaram reflexos duradouros na história, quando não nas nossas vidas.

Evidentemente, minhas principais inquietações têm como alvo figuras contemporâneas, na pele de músicos, compositores (Chico Buarque, por exemplo), poetas, artistas plásticos, jogadores de futebol (Pelé, por exemplo), cineastas, novelistas, atores e atrizes com seus personagens de cinema e televisão, papas, políticos… e Oscar Niemeyer.

Se alguém tem curiosidade em saber por que resolvi falar do Niemeyer, é porque vi recentemente uma matéria sobre ele na televisão, com muitos elogios, endeusamentos e NENHUMA CRÍTICA, como é de praxe nesse Brasilzinho hipócrita de muita politicagem e raríssimos estadistas – históricos – porque no presente não há nenhum.

Tenho a honra de dizer que nunca fui comunista. Fui simpatizante do Comunismo na minha juventude pré-universitária, mas desconfiei muito cedo de que aquilo era uma roubada e saí fora. Só para tecer um paralelo, não conheço a biografia do Senador Cristovam Buarque, mas além de sua campanha veemente pela educação, um outro episódio protagonizado por ele merece crédito e respeito. Foi quando destamparam a panela do mensalão. Ele, na tribuna, rasgou sua filiação do PT, dizendo que não tinha condições morais de permanecer naquele partido. É o mínimo que se pode esperar dos homens públicos.

Niemeyer nunca deixou de ser um comunista fervoroso. Talvez isso revele muito do homem por trás do mito – aliás, faço aqui uma observação: eu nunca vi um comunista rico dividir sua fortuna com os pobres. Entre os capitalistas há quem tenha feito isso, existem alguns famosos como Henry Ford, Rockefeller e, mais recentemente, Bill Gates, que pelo menos prometeu.

Antes que alguém proteste, não estou querendo dizer que os capitalistas são bonzinhos e os comunistas são maus, “comedores de criancinhas”. Aliás, gosto muito da biografia de comunistas do naipe de Jesus Cristo e Mahatma Gandhi…

Há uma crítica muito pertinente às obras de Niemeyer, de que elas priorizam as formas, sem um mínimo de consideração pelo conforto dos usuários. Talvez isso revele muito do comunista por trás do homem.

Vivemos tempos desonrosos em todo o mundo, mas especialmente na América Latina, onde VELHAS EXCRESCÊNCIAS POLÍTICAS DA HISTÓRIA ainda encontram ouvidos e palanques. No Brasil, além de encontrá-las nas nossas Universidades Públicas, podemos vê-las por aí lépidas e faceiras, sob muitas siglas e neo-ísmos, e o que é pior, muitas vezes agregadas aos Três Poderes que, em síntese, deveriam zelar pela integridade física e moral desta nação. Mas não é isso o que assistimos. E eles estão aí, perto de você, perto de nós, fazendo as mesmas lambanças de sempre, como na obra “A Revolução dos Bichos” (Animal Farm), do brilhante e impagável George Orwell.

O grego, não me lembro se Aquiles ou Sócrates, que não temia a morte, mas temia a desonra, ficaria horrorizado.

P.S. Ninguém deveria passar pela vida sem ler “A Revolução dos Bichos”.

Vocêé seu fator de impacto

O editor de um periódico científico do qual sou assinante recentemente enviou, creio que para todos os sócios, um e-mail no mínimo curioso. Na mensagem ele informava sobre uma série de mudanças que precisariam ser feitas em relação à política de publicação de artigos na revista e depois explicava, detalhadamente, as razões das mudanças: como o periódico passara a ser classificado recentemente como de nível “A Internacional” o número de artigos submetidos e publicados aumentos vertiginosamente. No entanto, como o número de citações dos artigos publicados não acompanhou o ritmo do número de artigos publicados, o dito periódico corre agora o risco de perder a classificação de A Internacional. Vejam bem, teoricamente a qualidade da revista é tão boa que a permitiu ser classificada entre as melhores do mundo na área, mas devido a um artefato aritmético qualquer, sem que tenha havido mudança observável na qualidade da revista, pelo contrário, há a ameaça de “descer do pódium”. É cisma minha, ou este sistema de classificação é, no mínimo, falho. Permitam que eu use o termo que realmente desejo: é um sistema burro, estúpido. Estamos nos tornando escravos de números.
Qualquer um que, como eu, saiu de uma árdua pós-graduação e agora sofre para conseguir um emprego conhece uma outra face desta escravidão: as coisas ficam muito mais difíceis se não houver, em nosso geralmente minguado currículo, um número expressivo de artigos publicados. Não se faz, comumente, nenhuma exigência especial quanto à qualidade dos mesmos, o que se quer é quantidade. Claro, com a criação dos tais fatores de impacto, em teoria tenta-se medir indiretamente a qualidade de um artigo pelo número de citações ao mesmo – ainda assim, a grande ênfase é nos números. Por que, então, se utilizam estes indicadores? Respondo da forma que considero a menos hipócrita possível: porque os americanos disseram que era para se utilizar e nós somos cultural e cientificamente subservientes. Sim, em sua mania de reduzir tudo a cifras, imaginam que a qualidade está do lado de quem produz muito: sem exagero, é a mesmíssima coisa que considerar que Harold Robbins ou Sidney Sheldon são melhores escritores que J. D. Salinger ou  que Cervantes porque os dois primeiros produziram muito mais, é um absurdo, é idiota. De quem seriam os maiores fatores de impacto?
O pior é que o sistema encoraja a procriação de artigos científicos que em nada contribuem para a ciência, nada acrescentam, que jamais serão lidos ou citados. Quem, no meio, desconhece a tal “multiplicação dos pães”, a virtual geração espontânea de artigos a partir de dados esquálidos? Quem lê a Nature ou a Science tem acompanhado a avalanche de casos de fraudes e plágios de artigos gerados, não tenho dúvidas, pela pressão em publicar. Aqui mesmo no Brasil tivemos um fato recente em São Paulo. Antes de conseguir minha atual bolsa, concorri a uma bolsa de pós-doutorado em Minas pensando em ter tempo para publicar alguns artigos, mas não consegui porque não tinha suficientes artigos publicados, e não sou caso isolado. Serão os pesquisadores de hoje mais desonestos do que os de outras épocas? Sinceramente não creio, mas há uma pressão inexplicável pela geração de artigos. Alguém já percebeu que se se der ênfase demais a este tipo de coisa, por exemplo na escolha de professores universitários, a qualidade de ensino pode cair? Qual a ênfase que está sendo dada a bons professores, com boa didática, com valores outros que não apenas ter um espesso currículo? Eu tive professores na universidade que mal sabiam se expressar com frases de mais de três palavras, mas publicavam horrores.
Será que somos tão incompetentes que não podemos pensar em formas mais eficientes de se avaliar a qualidade de um acadêmico que não seja a que o chefe mandou usar? Não me venham com a conversa de que este é o sistema, que temos de nos adequar. Na primeira parte deste post mostrei o que acontece quando tentamos nos adequar demais. A blogosfera também se torna escrava de números e fatores de impacto: google pagerank, rank Technorati, acessos diários. Não é preciso ser ingênuo para saber qual blog terá melhores indicadores, o nosso ou um de download de filmes pornô? Há algum tempo li um ScienceBlogger comentar que o número de acessos de seu blog subiu estratosfericamente porque escreveu um post em que citava Britney Spears. Nenhuma mudança de qualidade aqui tampouco. Será pedir demais que enfatizemos a qualidade antes da quantidade? Nosso fator de impacto dirá tudo sobre nós?

Um livro chamado Ilíada

Estou tentando, aos poucos, melhorar minha biblioteca com a aquisição de algumas obras cuja ausência considero inadmissível. Fui estes dias a uma livraria em meu bairro e perguntei à funcionária se tinham ali alguma edição da Ilíada. Ela me olhou com uma cara de incômodo, como se não soubesse. Imaginei que a cara fosse pela impossibilidade de ter todo o estoque na cabeça. Sugeri que ela fizesse uma busca no computador, já que estas livrarias geralmente têm arquivos com o estoque. Ela me olhou consternada e disse que não seria possível, “Só conseguimos fazer consultas para procurar livros”!!! Alguém aí falou em decadência da civilização ocidental?

Saramago e a desmarginalização dos blogs

Antes de começar a escrever o Geófagos, há pouco mais de dois anos, enquanto ainda fazíamos o doutorado, das coisas que mais nos preocuparam seria como nossos pares veriam um colega escrevendo um blog. Ontem relembrei isto ao ler este post de Bráulio Tavares em que ele comentava o assombro de alguns amigos quando o ouviam dizer que liam blogs, “essas coisas de menininhas adolescentes”, e não adiantava ele dizer que eram blogs de jornalistas, “Pois deve ser um jornalista muito desocupado – o cara tem tempo de fazer blog!”. Temíamos que algo assim fosse dito de nós. A situação começou a mudar quando não apenas alguns colegas nos solicitaram a participar do blog como até mesmo professores começaram a nos ler. Bem, quem tinha alguma dúvida da validade dos blogs como um meio de expressão válido e adulto, por assim dizer, não tem mais motivo nenhum para temer o preconceito. Os preconceituosos é que correm o risco de parecer antiquados: após ler ontem aqui sobre um blog mantido por um Chancellor de uma grande universidade americana, a University of North Carolina at Chapel Hill, descobrimos hoje maravilhados e perplexos que ninguém menos que José Saramago, Prêmio Nobel de Literatura e em nossa opinião o maior escritor em língua portuguesa vivo, acaba de lançar um blog, O Caderno de Saramago, que já começamos avidamente a ler. Os fatos falam por si.

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