Água, recurso renovável ou não?

Participei essa semana de um concurso onde fui questionado se a água é um realmente um bem renovável, ou se por outro lado, haveria alguma situação onde essa classificação não corresponderia à realidade. Confesso que a princípio, naquela situação de tensão, pensar sobre o tema e dar uma resposta firme e adequada não é fácil. Mas depois de algum tempo e, hoje, depois de alguns dias passados, a resposta se torna mais clara e creio que seria um assunto interessante a ser, aqui, tratado.
Pode-se entender por recurso algo (nesse caso um componente do ambiente – a água) que a que possa ser destinado um uso e/ou valor. Já a classificação como renovável ou não renovável está relacionada à capacidade e facilidade de se regenerar ou serem regenerados num curto espaço de tempo, ou não, respectivamente.
A água, comumente, é classificada como um recurso natural renovável. Literaturas sobre o tema são muitas. Entretanto, algumas ressalvas, muitas vezes, deixam de ser feitas. A questão aqui é se tais ressalvas, em alguns casos, podem “mudar” essa classificação. Essa talvez seja uma questão sem uma clara resposta, sem, contudo, comprometer a possibilidade e a necessidade de uma discussão mais aprofundada sobre o tema. É só por meio dela que um maior entendimento é conseguido e, consequentemente, esforços mais efetivos no combate à degradação do recurso podem ser realizados.
A Terra pode deve ser vista como um sistema fechado quando se trata do ciclo hidrológico. Em outras palavras, a quantidade de água no sistema permanece próxima da constância, globalmente. Dessa forma, também globalmente falando, a qualidade da água é que seria o maior problema à capacidade desse recurso se renovar. Mas algumas questões aqui devem ser consideradas. A qualidade da água, após comprometida, é facilmente recuperada? E localmente, essa manutenção da quantidade de água também é verdadeira? Ambas as respostas dependem das situações em questão. Dependem do grau de degradação do corpo d´água, dependem também do grau de degradação da área de recarga do mesmo, da condição climática em questão, das modificações da mesma, enfim, de um conjunto complexo de fatores.
Baseado em algumas situações fictícias, mas de ocorrência frequente no mundo real, procurarei basear minhas colocações a partir daqui.
Imagine o caso de uma microbacia hidrográfica cujo o entorno foi extremamente desmatado e cujo relevo é forte ondulado a montanhoso, situação comumente encontrada nos mares de morros florestados do estado de Minas Gerais. Nesse caso, a mata representa um importante fator cujas funções são várias, manter o solo estruturado, a ciclagem biogeoquímica, a infiltração de água no solo, reduzir as taxas erosivas, entre outros. A remoção da mata, pode então, levar a situações graves, localmente, reduzindo as taxas de infiltração e consequentemente a quantidade de água disponível para “reabastecer” superficialmente e subsuperficialmente a rede hidrográfica. Além disso, as taxas erosivas elevadas podem levar a um intenso assoreamento dos rios regionais, levando à uma séria mudança na configuração, localização e vazão dos mesmos. Dessa forma, pode-se ter uma situação onde a capacidade de renovação do recurso pode ser comprometida.
As mudanças climáticas globais também vêm sendo frequentemente citadas como responsáveis por mudanças na distribuição do recurso água mundo afora. Locais antes com abundantes reservas hídricas estão enfrentando significativa redução das mesmas, enquanto outros não acostumados com intensos índices pluviométricos, hoje os enfrentam. Naqueles locais onde a redução dessas reservas é extrema, dificilmente elas serão repostas no curto prazo. O conceito de recurso renovável, então, também estaria comprometido.
Falando agora em termos de contaminação hídrica, percebe-se um grande número de possibilidades de ocorrência. Seja por meio de atividades agrícolas intensivas com, o uso de agroquímicos descontroladamente, de despejos industriais e urbanos, entre outras atividades, a qualidade dos recursos hídricos podem ser severamente comprometidas. O comprometimento pode ser tal que não existam técnicas suficientemente adequadas para a recuperação desses recursos ou, mesmo, tais técnicas sejam extremamente caras, inviabilizando o processo. Nesses casos, o recurso continua sendo renovável?
Enfim, sem prolongar esse texto, acredito que em situações específicas os recursos hídricos podem perder o “status” de renovável. Afinal de contas, caso isso não fosse verdade, por que estaríamos tão preocupados com a disponibilidade de água ou, melhor dizendo, com a possibilidade de falta da mesma? É importante salientar que essa é uma opinião pessoal, mas que, apesar disso, nos dá uma real dimensão da importância do recurso e da necessidade de conservação do mesmo, bem como de todos os aspectos que positivamente possam influenciar sua qualidade e a quantidade.

Agricultura Urbana – Parte I

Hoje vou escrever sobre Agricultura Urbana para dar um rápido histórico, mas com a intenção de falar mais sobre o assunto em futuros textos aqui no Geófagos. Vocês já ouviram alguma coisa sobre este tipo de agricultura? Quem respondeu sim, por favor deixe comentários… Eu gostaria muito de saber o alcance que o assunto já tem (agradeço de antemão!).
Adianto que alguns podem confundi-la com a produção de hortaliças, frutas, ervas aromáticas e medicinais nos quintais das casas, como nossas avós faziam no passado (ainda fazem, principalmente no interior) e como alguns fazem hoje nas varandas de seus apartamentos. Inclusive, há hoje uma grande curiosidade por parte da população de grandes centros sobre como produzir alimentos em pequenos espaços dentro das casas ou apartamentos. No entanto, isto se refere a uma camada da população com maior escolaridade e boa qualidade de vida (leia-se: boas condições de saúde, educação etc.), enquanto a Agricultura Urbana carrega em si um caráter sócio-econômico muito forte e está associada à precariedade do atendimento de uma necessidade básica (leia-se: acesso ao alimento).
Muitos já a definiram usando critérios como o destino que se dá aos produtos ou o sistema de produção adotado. No entanto, de maneira bem simples, podemos defini-la como a produção agrícola dentro da cidades. Há, ainda, a agricultura peri-urbana, praticada no entorno das cidades, mas não vou fazer diferença entre as duas porque essa diferença (espacial) não quer dizer muito no que diz respeito às vantagens e desvantagens desse tipo de produção. Assim, considero aqui tanto a produção dentro das cidades quanto em sua periferia como urbanas.
Em vários países do chamado mundo em desenvolvimento, a Agricultura Urbana é hoje uma realidade. Pode-se dizer que esta atividade apareceu sempre em momentos de crise (causados por guerras civis ou problemas econômicos), quando a população carente ou pessoas que se viam desempregadas começaram a produzir alimentos não só em seus quintais, mas também em áreas abandonadas da cidade ou cedidas por particulares ou entidades públicas. Com ou sem regulamentação governamental, esta atividade cresceu em países africanos como Uganda, Nigéria e Zimbabwe nas últimas décadas do século passado e, apesar de problemas técnicos, econômicos e ambientais, tornou-se uma importante alternativa de acesso ao alimento para as famílias envolvidas. Também na Ásia e na América Latina, iniciativas foram surgindo de acordo com necessidades específicas. Cuba é um país onde a Agricultura Urbana ganhou contornos muito peculiares. Lá, por motivos econômicos, passou a ser mais viável produzir alimentos (hortaliças, principalmente) no perímetro urbano das cidades do que a longas distâncias. Daí surgiram projetos de agricultura urbana comunitária, com apoio governamental e resultados compartilhados pelos produtores (abro literalmente parênteses para dizer que o caso cubano é bastante complexo e muito rico em informações importantíssimas, mas é um caso ímpar por várias razões sócio-políticas e, por isso mesmo, é difícil compará-lo com outras realidades).
No Brasil, os primeiros relatos sobre Agricultura Urbana, como meio de acesso ao alimento, vêm da década de 1990. Uma das iniciativas mais conhecidas é a de Teresina (PI), mas outras em Fortaleza (CE), Rio de Janeiro (RJ) e Sete Lagoas (MG) também são desta época. Em Goiás e no Distrito Federal as iniciativas são um pouco mais recentes e acredito que elas existam também em outros estados. De toda forma, um aspecto comum a todas elas é seu caráter comunitário. Atualmente, existem várias ações incentivadas por políticas públicas e, em sua maioria, subsidiadas por recursos dos governos municipais, estaduais ou nacional. Áreas públicas ou privadas são cedidas para as famílias interessadas ou selecionadas, assim como insumos para a produção (sementes, adubos etc.). Em alguns casos há assistência técnica, em outros não. A grande maioria das famílias envolvidas possui rendimentos mensais que as colocam abaixo da linha da pobreza ou da linha da miséria. As hortaliças são preferidas para o cultivo porque apresentam ciclo rápido e demandam pouca área. Os produtos são utilizados como complemento da alimentação e o excedente é comercializado na própria cidade (a comercialização é feita das formas mais variadas). Muitas pessoas se integram à atividade porque não têm emprego formal e a abandonam quando encontram um – às vezes não um emprego formal, mas um “bico” que garanta uma fonte de renda temporária.
É uma atividade que deve ser avaliada com cautela e que (me parece óbvio) não deve ser encarada como uma solução com S maiúsculo para falta de acesso ao alimento e muito menos para a pobreza – falaremos disso na Parte II. Há muitas dificuldades para a implementação e para a manutenção dos projetos e, além disso, custos sociais e ambientais envolvidos. Em termos científicos (estudos sociológicos, econômicos e agronômicos/ambientais), a Agricultura Urbana é algo recente, pouco relatado e estudado.
Nota: Quem tiver interesse em saber mais sobre o histórico da Agricultura Urbana é só dizer e eu envio, com todo prazer, literatura específica.

Luz + Água + Solo = Vida Abundante

(Tocando em frente…)
A vida, como nós a conhecemos, embora detentora de princípios e processos complexos, muitos deles ainda pouco conhecidos, manifesta-se sob uma lógica muito simples, como a expressada pela “equação” título deste texto: Luz + Água + Solo = Vida Abundante.
Nascemos “pisando o solo”. Talvez por isso a humanidade o negligencie tanto. Em uma das muitas e impagáveis canções metafóricas do saudoso Raul Seixas há uma frase em que ele denuncia o que muita gente pensa: “… o chão é o lugar de cuspir” (está na canção “De Cabeça-Pra-Baixo”).
A humanidade tem “cuspido” bastante sobre o solo. No sentido estrito e no sentido lato. O solo e as coleções de água viraram nossos depositários escatológicos.
Como já disse, nascemos “pisando” o solo. A água foi, e ainda é, o primeiro e mais eficiente veículo que encontramos para “levar para longe de nós” os nossos dejetos e coisas indesejáveis, ou que perderam o valor.
A Ciência do Solo, talvez por herança, também padece desse “preconceito”. Há um texto no Geófagos tratando deste assunto. Se não o melhor, pelo menos um dos melhores textos já publicados aqui. É de autoria de nosso Guru Ítalo Rocha. O texto é este: Ciência… do solo? Não deixem de ler!
Voltando à “equação”:
1) Luz: (a) é a energia motriz da fotossíntese, nossa “fábrica de alimentos”; (b) mantém o planeta aquecido em temperaturas amenas, com grande quantidade de água líquida superficial.
2) Água: no estado líquido é o veículo fundamental da vida. É usada em todos os processos, reações e mecanismos de construção e desconstrução dos seres vivos.
3) Solo: (a) todos os seres vivos dependem do solo, direta- ou indiretamente; (b) permitiu que a vida alcançasse a sua maior variabilidade possível em todos os continentes e ecossistemas.
Vejam que, garantidas estas três coisas, luz, água e solo, temos tudo o que necessitamos para sobreviver, como espécime e como espécie. O resto é conforto, ganância e ilusão. Não necessariamente nesta ordem.
A humanidade e a civilização tiveram grandes saltos evolutivos, que possibilitaram a ocupação de todo o Globo Terrestre. Como resultado disso, podemos dizer que “hoje” temos uma vida boa, como nunca havíamos experimentado antes.
Mas, ao longo desse caminho nós nos perdemos, de forma imperdoável, acumulando “riquezas”, explorando a natureza de forma predatória e nos distraindo “buscando” entidades religiosas, místicas e mitológicas que não nos acrescentaram nada de pragmático. Tudo isso de forma irracional. O Sol, pelo menos, já teve seus dias de Divindade. A Terra também, nas culturas Celta e Grega. Mas só teremos, realmente, o direito de nos considerarmos civilizados, no dia em que todo ser humano entender e respeitar o Sol, a Água e o Solo como se estes fossem uma espécie de Santíssima Trindade, genitora dos filhos de Gaia, Geófagos por excelência.
Evidentemente, e por razões óbvias, não estou pregando aqui que essa Trindade se torne objeto de culto e adoração religiosa. É claro que não, ora pois, pois! Quero lembrar apenas que a vida é modesta em suas exigências. O quanto o Sol, a Água e o Solo merecem ser reconhecidos e respeitados por sua importância nesse processo. E o chão, enfim, deixe de ser um lugar de cuspir.

O que penso

Acho que cometi um erro. Há tempos, desde que comecei a formar uma consciência independente e a pensar forro, como diz Riobaldo, venho criticando a tendência subserviente dos brasileiros em imitar as mais insossas manifestações “culturais” dos americanos do norte. Não falo apenas da prostituição cultural dos moradores da Barra da Tijuca, com suas reproduções grotescas da Estátua da Liberdade, nem dos ridículos templos de futilidade e vaidade denominados “shopping centers”, anunciando “sales”, como se a substituição cultural já estivesse irremediavelmente consumada. Não é só isso.
Nos meios intelectuais, no meio acadêmico, dentro da universidade e dos centros de pesquisa, já não se busca apenas o saber. Sob direta influência do pragmatismo industrial americano há hoje entre os acadêmicos um culto quase totêmico a uma divindade chamada currículo. Implantou-se com grossas raízes a crença que a medida da competência de um profissional, de um intelectual, é o número de trabalhos publicados. De trabalhos não, de “papers”, para deixar bem clara a filiação cultural da nova classe intelectual. Os industriais pragmáticos americanos do norte, mantenedores das universidades privadas daquela nação, não tendo conhecimento para julgar o mérito de um acadêmico, de sua pesquisa, de seu trabalho científico, mediam-no pelo número de artigos ou outras peças escritas publicadas. Mediam sua “produtividade” como se o conhecimento fossem latas de tomate, pregos, rolos de papel higiênico, “toilet paper”. Paper.
A colonização cultural mais eficiente é aquela que atinge seus próprios críticos. Interessado em divulgar a pouca ciência que sei para as massas luso-parlantes, para a espécie rara que ainda fala apenas e majoritariamente o português, bastaria apenas para mim uma dessas páginas gratuitas que se encontra na internet, montar um blog sem filiação e esperar que alguém me lesse, como fiz inicialmente. Mas a vaidade, alimentada também pela eficaz máquina de colonização cultural, fez-me desejar fazer parte do melhor, ou melhor, “of the best”. Não, não foi suficiente ser um blog de ciência, era necessário ser um science blog, de preferência um ScienceBlog.
Cá estou eu, de vez em quando criticando severamente a hipocrisia dos outros enquanto eu mesmo chafurdo tranquilamente nas entranhas putrefatas de meu sepulcro caiado. Se o que eu queria e quero é divulgar algum conhecimento para aqueles cuja ignorância fala português, para que escrever em inglês, se não por pura vaidade? Para ter maior visibilidade? Meus conterrâneos da Paraíba, do Amazonas, de Goiás, de Santa Catarina encontrarão mais facilmente meus textos porque escrevo em inglês? Meus potenciais leitores portugueses, moçambicamos e angolanos compreenderão melhor meus textos se escritos em inglês? Realmente, as técnicas de persuasão e lavagem cerebral atingiram um alto grau de refinamento.
Minha culpa, minha tão grande culpa. É uma pena que não tenhamos permanecido como Lablogatórios, e o pior é que eu fui dos que mais entusiasticamente o extinguiram em favor dos ScienceBlogs. A influência não é problema, o problema é a subserviência. A subserviência de, além de escrever em uma plataforma deles, escrever também na língua deles, como eu mesmo fiz, como se disséssemos a nossos mestres “olhem para nós, somos civilizados, escrevemos em inglês”. Sinceramente, não acredito que para divulgar minha ciência isto seja necessário ou benéfico. Não pretendo ofender ninguém, apenas expor o que creio sejam contradições, contradições inclusive minhas. As minhas, pretendo sanar. Acredito que este seja meu último texto nesta plataforma.

Somos Todos Africanos!

A Ciência tem dito há muito tempo que todos nós viemos da África. Mas um estudo da Universidade da Pensilvânia, liderado pela pesquisadora Sarah Tishkoff, publicado recentemente pela Science, anunciado em diversos veículos de comunicação, inclusive no Brasil (Folha de São Paulo e Revista Veja – edição 2112, por exemplo), e já um tanto badalado aqui na internet, joga mais luz sobre a origem do homem moderno.
Em estudos de diversidade genética dos vegetais, cultivados ou não, considera-se como centro de origem de determinada espécie o local do globo onde ela apresenta a maior diversidade genética. Foi exatamente isso que os pesquisadores do referido estudo fizeram. Identificaram na África o local onde se encontra a maior diversidade genética entre nossos irmãos. Fica numa região entre a Angola e a Namíbia.
Para a espécie humana, há outro fator importante que reforça os resultados genéticos. A afinidade linguística e cultural.
Assim sendo, o Jardim do Éden fica mais próximo dos brasileiros do que poderíamos imaginar. Angola e Namíbia são países banhados pelo Oceano Atlântico, logo ali na frente. Um grande contingente de africanos daquela região veio (foi trazido) para o Brasil nos tempos da Colônia. Mais que isso, a Ciência tem dito há muito tempo que todos nós somos descendentes dos africanos – europeus, caucasianos, asiáticos, esquimós, australianos, ameríndios, todos, indistintamente.
Eu, que sempre digo ser descendente “por afinidade” dos índios Botocudos e Malalis, tenho motivos para comemorar.
Saúde a todos!

Ciência e Subjetividade!

Nobres colegas!
Estou com a versão definitiva de minha tese pronta para a Pró-Reitoria de Pesquisa e Pós-Graduação da UFV, ou seja, com isso vou cumprir com o último dos “doze trabalhos” desta fase da vida, que escolhi e que me trouxe muita satisfação pessoal.
Aproveito para dizer, em tom de nostalgia e saudade, esse “charme brasileiro de alguém sozinho a cismar”, que tenho uma enorme dívida de gratidão com a Serra do Cipó. Dívida esta que eu mesmo me atribuí, pois a Serra, metaforicamente falando, não me cobrou nada, nem a admiração por aquela beleza surpreendente. Peço licença para saldar um pouco dessa dívida aqui. É certo que precisamos separar o que é ciência, necessária e objetiva, do que é subjetivo, adverbial, e lúdico. Mas, por favor, estas coisas não precisam ser díspares, adversas, opostas. Elas podem, e devem, conviver de forma independente e sadia, mas dando-se à virtude, numa atitude ética e oportuna, do auxílio mútuo, enquanto fatores da evolução humana.
Digo isso porque estas duas atitudes se aproximaram de forma bastante imperativa durante o meu trabalho na Serra do Cipó. Quando conheci a Serra, no curso do meu doutorado, inevitavelmente o primeiro modelo que se construiu sob minha percepção foi subjetivo. Depois, numa tentativa de desvendar a matemática por trás daquela beleza toda, vieram as análises, correlações e conclusões objetivas, científicas, necessárias. A ciência é necessária!
E assim, depois da tese pronta, das conclusões revistas, pensei: é insatisfatório, além de injusto, que se desenvolva uma pesquisa científica em um lugar como a Serra do Cipó e tal trabalho, embora necessariamente objetivo, não revele de alguma forma, em algum canto ou parágrafo, que o seu autor não foi apenas um pesquisador-observador frio, mecanicista, que não enxergou ali nada mais do que fatores ambientais e a convergência de variáveis pedobioclimáticas. A Serra do Cipó não merece isso, assim como muitas outras riquezas naturais desse Brasilão imenso, e do mundo.
Daí, senhores, eu me senti na obrigação moral e ética de manifestar o meu entendimento pessoal, subjetivo, adverbial, em relação à Serra. Em uma página da tese, anterior aos agradecimentos (pois não realizei o trabalho sozinho), eu registrei essa percepção. Dei-lhe o título de A Serra do Rio Cipó. Peço licença, de novo, para disponibilizá-la aqui no Geófagos:
A Serra do Rio Cipó, na Cordilheira do Espinhaço, em Minas Gerais, é um ambiente extremamente peculiar. Há ali uma convergência de fatores ambientais, geológicos, geomorfológicos, pedológicos, fitofisionômicos e climáticos, que moldam um sistema admirável. É um ambiente pobre em recursos químicos, no que tange aos solos e às rochas que lhes dão origem. No entanto, é um sistema que compõe uma paisagem espantosamente bela, apresentando geoambientes diversos, que se sucedem em curtos espaços ao longo da Serra, formando gradientes de campos graminosos, matas de candeia e capões florestais.
Quando se analisa aquela composição ambiental com o olhar objetivo e necessário da ciência, esbarra-se com um contraste, que se manifesta em um aparente paradoxo. O sistema é pobre, paupérrimo, em recursos químicos do ponto de vista nutricional, no que reza a cartilha da fertilidade do solo com seu viés agronômico, embasado na filosofia mecanicista. Mas ali estão irrecusáveis, diante dos olhos, os capões de mata, as vochysias, candeias, byrsonimas, velózias, paepalanthus, richiteragos, lavoisieras, marcétias, microlícias e muitos outros gêneros de plantas que se desenvolvem impávidas. Quando florescem, elas apresentam seus indescritíveis canteiros naturais, colorindo a Serra com variadas tintas.
A quem se dá o prazer (ou não) de enxergar esse fato, a natureza é imperativa, mostrando de forma inquestionável que a pobreza é um conceito relativo, restando-nos, da surpresa, o deslumbramento, pois é impossível ser indiferente diante daquela paisagem.

Intemperismo de gente – um devaneio!

O intemperismo é um processo de formação do solo. Por ele as rochas se transformam em solo e por ele o solo envelhece. O intemperismo é um processo de formação de gente. Por ele as pessoas se transformam em pessoas melhores e envelhecem enquanto isso… ou envelhecem enquanto se transformam em pessoas melhores. Pelo intemperismo o solo se forma de baixo para cima. Pelo intemperismo as pessoas se formam de baixo para cima, mas as que sabem que assim estão sendo formadas são as que entrelaçam suas mãos com as mãos do tempo. Assim, se tornam suas amigas e se deixam intemperizar serenamente. Aprendem mais fácil a arte-ciência da vida – a suavidade de oferecer a cada coisa seu valor exato, sendo o exato definido por cada qual.
Nota: Peço licença para esse pequeno devaneio, arremedo de prosa e verso. Afinal, hoje é domingo!

Crescimento econômico, sustentabilidade e ascetismo fradesco

O excelente ensaio publicado anteriormente pelo amigo Elton Luiz Valente suscitou uma discussão interessantíssima no âmbito dos leitores e dos autores do Geófagos. Um comentário feito pela Flávia Alcântara, também Geófaga, ao post de Elton, leva-me agora a escrever umas impressões. A questão levantada pelo Valente Elton, da qual a Flávia parece discordar, é quanto à possibilidade de haver crescimento econômico ambientalmente sustentável.
Embora concorde com a Flávia quanto ao papel do ser humano nas condições mundiais atuais advindo do fato de ter consciência, correndo voluntariamente o risco de ser incluído entre os megalomaníacos ingênuos, concordo com o Elton quanto à incompatibilidade do que se chama crescimento econômico e sustentabilidade. O que eu entendo como crescimento econômico é o aumento no número de consumidores e em seu poder de consumo. Esse é o crescimento econômico que o capitalismo deseja e almeja. Se vivêssemos em um mundo de cem milhões de habitantes, poderia concordar que talvez houvesse espaço para um “consumo consciente” ou algo do tipo, não porque o hábito consumista fosse ser menos danoso ambientalmente, mas porque o impacto de uma sociedade consumista relativamente pequena seria muito menor.
Junto-me aos que acreditam que, em um mundo com quase sete bilhões de bocas vorazes, mesmo hábitos relativamente frugais talvez já fossem impactantes, em termos de sobrevivência confortável da espécie. Acredito que conceitos como consumo consciente e crescimento econômico ambientalmente sustentável são mitos úteis à manutenção do statu quo capitalista voluntariamente míope e irremedialvelmente cruel. Mas essas são opiniões típicas de um sertanejo familiarizado com a escassez e a hostilidade ambiental, com tradicionais tendências “ascéticas e fradescas”, no dizer de Ariano Suassuna.

O Homem e o Planeta: a real dimensão de nossa grandeza, ou pequenitude!

Existe um provérbio onde se diz que não há soluções fáceis para problemas difíceis. Corroborando o velho provérbio, encontramos obstáculos praticamente intransponíveis para a equalização das questões ambientais, sociais e econômicas da civilização. Primeiro porque, como já afirmei aqui no Geófagos, crescimento econômico não se harmoniza com sustentabilidade ambiental, são coisas diametralmente opostas, uma só vai em detrimento da outra. Além disso, o maior dos problemas encontra-se no próprio homem, pois há princípios humanos que são imutáveis, daí o grande sucesso universal das Tragédias Gregas.
Responda rápido: qual é a espécie que melhor representa o Planeta Terra?
Se as respostas a esta pergunta fossem registradas, eu me arrisco a dizer que por maioria esmagadora de votos a vencedora seria a espécie humana. Digo mais, dificilmente alguém questionaria a pergunta, argumentando que ela foi mal formulada, porque uma só espécie não é suficiente para representar a Terra, ou a Biosfera.
Sabem o que é isso? Desculpem a franqueza, mas chama-se Megalomania, Arrogância, Pretensão, Egocentrismo e Estupidez. A razão disso, Darwin explica muito mais que Freud. Faz parte da natureza humana achar-se como tal, isso foi importante em um passado muito remoto.
Agora nós estamos na onda de “destruir” e “salvar” o planeta. É mais um enredo de epopéia maniqueísta megalomaníaca que nos propomos. Vez em quando a humanidade, desde que ela assim se compreende, é assaltada por um delírio coletivo desta natureza, respaldado por quase nada de ciência e tudo de sensacionalismo, quando não misticismo e outros sentimentos ungidos na fonte alucinógena da espiritualidade. E lá vamos nós outra vez, nestes tempos de aquecimento global.
O modelo de agricultura que se pratica hoje, as agressões aos solos, à cobertura vegetal, aos rios, lagos e oceanos são maiores e mais comprometedores do futuro do que “as emissões de gases” simplesmente. Estes estragos remontam ao Holoceno, desde que o homem deixou de ser uma espécie com um número limitado de indivíduos, relativamente integrada ao ecossistema, e tornou-se uma espécie cosmopolita, inventora de tecnologias. Foi bom para a espécie e muito ruim para a superfície do planeta. A atmosfera entrou nessa dança há pouco mais de um século, ou dois. Mas uma chaminé de usina soltando fumaça a todo vapor e um engarrafamento de automóveis, caminhões e ônibus produzem um enorme efeito na fotografia, e na tela.
O homem certamente é responsável por uma parcela no atual aumento da temperatura global. E o vilão dessa história não é só as emissões diretas e indiretas de gases, como querem muitos. Um bom exemplo são as mudanças no albedo (relação entre a luz recebida e refletida) da superfície terrestre, causadas pelas atividades humanas, que certamente têm alguma relação com o aumento da temperatura global. Mas, ao que tudo indica, ninguém quer saber deste assunto, muito menos do fato de que a Terra á capaz de aquecer-se e resfriar-se sozinha. A “razão do evento” tem de estar no fato de que “somos nós os protagonistas”!(?).
De qualquer forma, o homem faz parte desta equação, mas estamos superestimando “nossa variável” porque somos uns megalomaníacos incorrigíveis (sem contar o apoio dos espertalhões). Temos certeza de que somos o supra-sumo da criação(?), temos Deus(?) a nosso favor(?), somos capazes de salvar o planeta(?) ou acabar com ele de vez(?). Somos capazes de mudar o clima global com a nossa presença(?). Somos capazes de empurrar, chutar o planeta para uma era de aquecimento(?), que será seguida de uma glaciação(?). Quanta pretensão a nossa! Na verdade, somos o nosso maior problema. Nós não oferecemos nenhuma ameaça grave à existência deste Planeta. Somos ameaça grave, gravíssima, sim, à nossa própria existência. E quando se diz “salvar o planeta”, entenda-se “salvar a nós mesmos” com a maior dose de egocentrismo possível, pois nós nos consideramos como o próprio planeta. Comparando com a idade geológica da Terra e da grande maioria das espécies, ou a classe dos mamíferos, nossa espécie chegou aqui há pouquíssimo tempo, no último minuto, e queremos ser “os donos da bola” e estabelecer as regras do jogo.
E isso vai continuar assim, pelo menos enquanto a Terra não “se aborrecer” com a nossa presença e não nos transformar em fósseis de dentes arreganhados feito os Dinossauros. Vejam que para isso basta UM ÚNICO “sacolejo”. E nós crentes que a ameaçamos – provocação é diferente de ameaça – Ela, sim, ao mesmo tempo que nos oferece as condições básicas de sobrevivência, nos oferece também diversas possibilidades, potencialíssimas, de acabar com a nossa raça.
Se fôssemos mais humildes, mais racionais e menos fantasiosos, talvez pudéssemos divisar a verdadeira dimensão de nossa pequenitude, respeitar, de verdade, os ciclos da Natureza, viver melhor e, quem sabe, ser “grandes” de verdade, e até arriscar uma proposta menos sombria em relação ao nosso futuro.

Depois da Serra do Cipó: Ensaio Sobre a Pedogênese

Sobre minhas “andanças” pela Serra do Cipó, durante os trabalhos de doutorado, já publicamos algumas coisas aqui no Geófagos, como esta aqui, que no geral trata das adaptações daquela vegetação a ambientes oligotróficos.
A Serra do Cipó tem muito a nos revelar e ensinar. Durante os trabalhos que realizamos lá, tive a oportunidade de encontrar algumas referências práticas interessantes sobre a pedogênese. Coisas que eu ainda não havia encontrado nos livros.
Há um entendimento de que os Latossolos, em geral, são uma espécie de “ápice da pedogênese”. No caso dos Latossolos do Domínio dos Mares de Morros, por exemplo, trata-se de solos bastante intemperizados (daí o seu nome), envelhecidos, oxídicos, profundos, muito lixiviados, com baixa capacidade de troca de cátions, baixos teores de minerais primários facilmente intemperizáveis e etc. Ou seja, são solos submetidos a intensos processos de intemperismo.
Mas é preciso ter cuidado com esta afirmativa. Se fossem mantidas as condições climáticas atuais ad aeternum, os Latossolos seriam realmente uma espécie de “ápice da pedogênese” neste sistema. Acontece que, considerando o tempo geológico, o clima da Terra é cíclico. Ora mais seco, ora mais úmido; ora mais frio, ora mais quente (independentemente das ações e vontades do Homo sapiens). Some-se a isso a deriva continental, o movimento de placas tectônicas e a orogênese. Portanto, os Latossolos, ainda que sejam relativamente pobres do ponto de vista químico, têm muito a perder. Dentre outros elementos, podemos citar coisas muito importantes como as argilas. Sob condições de umidade excessiva e em fluxo contínuo (entrada e saída de água) promove-se, dentre outras coisas, o aumento da acidez no sistema e a destruição das argilas. E aí o solo “se desfaz” sobre si mesmo. O limite final desse processo é muito bem exemplificado pelos Espodossolos da Amazônia, na região do Rio Negro.
Quando as argilas são destruídas, sobra o que ainda resiste ao intemperismo, ou seja, o Quartzo, as areias que caracterizam os Neossolos Quartzarênicos e os Espodossolos. Portanto, em determinadas circunstâncias, os Espodossolos podem ser considerados também como ápice da pedogênese, em ambientes de solos submetidos a processos intensos (extremos) de intemperismo. O que leva a uma observação interessante: a primeira idéia, intuitiva, que temos do intemperismo é de sua ação sobre um substrato primário, geralmente uma rocha ou saprolito, promovendo a gênese de um solo. No caso em questão, que aqui coloco, o “substrato” é um solo, um Latossolo por exemplo, que será destruído pelos processos de intemperismo, promovendo a gênese de outro, o Espodossolo.
Alguém pode questionar esta afirmativa, argumentando que podemos encontrar Espodossolos formados por processos pedogenéticos diretos, a partir do intemperismo de rochas como o Quartzito e, portanto, são solos cronologicamente jovens quando comparados aos Latossolos dos Mares de Morros, ou pelo menos contemporâneos destes. Correto! Um bom exemplo deste fato foi encontrado por nós na Serra do Cipó. É bom lembrar também que a “velhice” no caso dos solos não é necessariamente cronológica, ela está ligada principalmente à intensidade dos processos de intemperismo aos quais o sistema foi submetido. Portanto, é preferível a expressão “solo envelhecido” no lugar de “solo velho”.
A Serra do Cipó é uma cadeia montanhosa, que pertence à seção meridional-sul da Serra do Espinhaço, cuja matriz geológica é formada principalmente de Quartzito. Este Quartzito é, por sua vez, resultante do metamorfismo de arenitos que se formaram no Proterozóico (cerca de 2 bilhões de anos atrás). Estes arenitos foram formados por acumulações de areias marinhas, ou seja, as areias que se acumularam ali eram (são) o resultado final de processos de intemperismo anteriores. Em outras palavras, aquele sistema está produzindo solos das sobras do passado, areias (Quartzo) que restaram dos processos de intemperismo de tempos anteriores a 2 bilhões de anos.
Portanto, os Espodossolos da Serra do Cipó são solos cronologicamente jovens, mas já nasceram envelhecidos em razão de seu material de origem, o Quartzito, que foi arenito, que foi areia sedimentada, que por sua vez foi o produto final do intemperismo anterior. E, para finalizar, lembremo-nos de que mesmo a areia pura ainda tem o que perder, o seu próprio elemento constituinte, a sílica, que pode sair lentamente do sistema na forma de sílica solúvel. Então, no fim deste processo pode não sobrar nada? Depende! Mas parafraseando o saudoso e inesquecível “filósofo” Tim Maia, poderíamos dizer que, para o intemperismo, tudo é nada, e nada é tudo!

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