Nota de Rodapé (6)

Prezados,
Minha avaliação do imbróglio de Honduras continua a mesma. Espero que a Democracia saia ilesa de lá. Embora eu não acredite que isso vá acontecer, devido a pressões várias, principalmente aquelas orquestradas pela Alba.
Resolvi, por minha própria conta e risco, substituir por esta nota o post que aqui havia colocado tratando do assunto. Ele fugia um tanto dos propósitos do blog.
Se eventualmente alguém se interessar, pode pedi-lo por e-mail: elton_valente@yahoo.com.br
PS. Meus sinceros agradecimentos aos comentários de João Carlos; Roberto Takata e Gabsz.

A terra e seu destino

Uma das coisas que mais me deixam feliz em escrever aqui é o amor que todos nós, geófagos, temos pelo solo. Acredito já ter expressado esta minha paixão (não! Paixão é passageira, amor é duradouro), corrijo, este meu amor pelo solo no meu primeiro post – O solo é a mãe de todas as coisas. Mas confesso que com o Manisfesto Geofágico do Elton, onde ele também expressa o que vai por dentro dele, a vontade voltou e a inspiração também.
Muitas vezes dou palestras sobre “Manejo do solo na produção agrícola”, ou temas afins, para estudantes de Agronomia e sempre começo com a pergunta: “O que é Solo?”. Os alunos, em geral, ficam meio perplexos com a aparente simplicidade e a falta de resposta a tal pergunta. E eu a faço justamente para que eles parem por alguns segundos e se lembrem que a terra está bem ali, aos nossos pés, e que, mesmo assim (talvez por isso mesmo) nos passa despercebida, seguindo seu destino de provedora. Da vez mais recente, um deles respondeu: “Sistema trifásico que sustenta a Vida” – resposta decorada das aulas de Solos, dada com uma frieza tão glacial que me entristeceu, e composta de duas partes: a primeira, mecanicista (sistema trifásico) e a segunda, poética (que sustenta a Vida). Ambas verdadeiras, mas confesso que é pela segunda que sou pega.
No ano passado, quando começou uma grande (elas são sempre grandes!) obra de anel viário perto do meu trabalho, algo me fez pensar sobre a terra e seu destino. Ela, a terra, estava disposta em enormes montes, esperando para ser jogada em caçambas de caminhões e ir cumprir a função de tapa-buracos (literalmente) em algum outro lugar… Há a terra que nasce para gerar o alimento que vai para as mesas continuar a Vida; há a terra que nasce para ser jogada num caminhão e tapar buracos que darão lugar a viadutos e anéis viários ou, ainda, para dar espaço a fundações de prédios onde morarão centenas de pessoas… Destinos mais nobres que outros? Não sei, é difícil julgar o que é nobre. Como disse Carlos Drummond de Andrade em A Verdade Dividida, cada um opta conforme seu capricho, sua ilusão, sua miopia.
A mensagem que quero deixar é que, qualquer que seja o destino da terra, é preciso traçá-lo com cuidado porque a terra é a pele do Planeta Terra – a Geoderma. Seja para o plantio e o cultivo do alimento que chega às nossas mesas, seja para dar lugar a obras da engenharia, nós traçamos seu destino… Mas só enquanto ela traça, maternalmente, o nosso.
PS: para os que quiserem ler A Verdade Dividida clicar aqui

Manifesto Geofágico

(Porque o Geófagos, além de livre, também é cultura! Você pode até pensar que endoidamos, mas não há de dizer que mentimos!).
Só a Geofagia nos une. Biologicamente. Socialmente. Economicamente. Filosoficamente.
À diferença, ou à semelhança – como queiram – do Manifesto Antropófago de Oswald de Andrade, pregamos aqui A LIBERTAÇÃO DA CIÊNCIA e da Verdade Geofágica.
Contra todas as amarras. Puristas, elitistas, idiomáticas, norte-americanistas, imperialistas, Inquisitórias, religiosas, eclesiásticas, moralistas, socialistas, comunistas, capitalistas, obscurantistas, maniqueístas, neo-medievalistas, egoístas, individualistas, populistas, conformistas…
A favor da Geofagia, pois todos os seres vivos são Geófagos. Em maior ou menor grau, direta- ou indiretamente, todos o são! E contra isso não há o que se possa fazer. Ninguém vive do éter! O sujeito, que é o dono do verbo, sobrevive porque pega mata e come!
Sob o Sol, tudo emana da Terra e em seu seio se curva! Não há como fugir desta lei!
Darwin acabou com o enigma humano e outros sustos da psicologia monoteísta. Alguém tinha de fazê-lo um dia, e Darwin o fez! Grande Darwin! Oráculo do Geófagos, Guru da Geofagia!
E já dizia o Livro do Gênesis (3:19), no tempo dos princípios e dos primórdios, “viestes do pó e ao pó retornarás”! Sentença que o elitismo eclesial da nobreza e a ignorância da plebe impediram de se interpretar à risca.
Mas nós afirmamos categoricamente, sem ardil de retórica: sois pó!
Caulim or not Caulim: that is the question!
Oswald manifestou-se “contra as elites vegetais. Em comunicação com o solo”.
In vino veritas? Não, Velho Caraíba, nós afirmamos, a verdade está no Solo!
O vinho, a uva, a videira SÃO terra úmida e sol reluzente. O resto é processo.
Ibitinga, tauá, tabatinga, ibirapitanga, pitanga, curumim-cutuba, cunhã-taí, cunhã-porã. São nada mais que processos.
E assim, naturalmente, sem magia ou revolução, O Anátema torna-se O Verbo, assumindo o lugar que é seu por direito, que lhe foi subtraído pelo império dos dogmas, enquanto se mantinham amordaçadas a Ciência e a Verdade, que o Geófagos exige libertas, em nome da razão e do bom senso!
Filhos do Sol e do Solo, não percam seu tempo buscando respostas no céu. Busquem os vestígios dos eventos geotectônicos, olhem para o chão, datem as rochas, os sedimentos, descubram os fósseis. Lá está a verdade.
A saúde de todas as espécies, Senhores Primatas, todas, vegetais e animais e outras, indistintamente, está no equilíbrio dinâmico da natureza – umbilicalmente ligada ao Solo. Lá, mais uma vez, está a verdade. Mas a medicina elitista insiste em ser curativa. Rende mais dividendos. Enquanto isso vamos navegando, de escorbuto em escorbuto, mais ou menos.
Você, Caraíba, e todos nós somos Geófagos. Gregos, Russos e Romanos. Gauleses, Saxões, Otomanos. Árabes, Latinos, Australianos. Ameríndios, Chineses e Africanos. A Geofagia nos une, mesmo que nos separe a Geografia, quando não as guerras e a hipocrisia.
Morte e vida incontestes. “Da equação eu parte do Cosmos ao axioma Cosmos parte do eu. Subsistência”. Substância. Conhecimento. Geofagia!
O que atropela a verdade é a roupa e a arrogância, “o impermeável entre o mundo interior e o mundo exterior”. A metáfora do homem vestido. Nus somos puros e belos.
Nunca fomos desnudados. O potássio de seus músculos que foi banana que foi feldspato ou mica. O cálcio de seus ossos que foi leite que foi capim que foi mármore que foi calcário que foi carapaça de moluscos no Cretáceo. E você ainda se acha ‘o dono do pedaço’.
Foucault não é suficiente. É na Geofagia que está a construção e a desconstrução do sujeito.
A Geofagia nos constrói e nos destrói na mesma medida!
Sois pó!
Caulim or not Caulim: that is the question!

Ernesto Paterniani, 1928-2009

“Faleceu em Piracicaba, SP, aos 81 anos, o pesquisador Ernesto Paterniani. Em 1988, recebeu do CNPq uma das mais importantes premiações do país, o Prêmio Álvaro Alberto para a Ciência e Tecnologia, instituído em 1981 em reconhecimento e estímulo a cientistas brasileiros que venham prestando relevante contribuição nos campos da ciência e tecnologia.
Em 1º de junho deste ano, recebeu o Prêmio Fundação Conrado Wessel (FCW) 2008 de Ciência Aplicada pela sua extraordinária contribuição ao desenvolvimento agrícola e nutricional do país, propiciando por meio de intensa pesquisa a melhoria das variedades do milho cultivadas hoje no Brasil.
Ernesto Paterniani é filho de José Paterniani, que chegou ao Brasil com seis meses de idade da região de Veneza e de Almerinda De Vita, uma jovem napolitana que chegou ao Brasil com 20 anos de idade. Nasceu em 1928 no bairro do Bom Retiro em São Paulo, na rua Anhaia 185, onde a parteira precisou chegar em barco devido às freqüentes inundações do rio Tietê, naquela época.
Com um ano de idade, a família transferiu-se para Piracicaba, onde Ernesto realizou os cursos: primário, ginasial, colegial e superior, este na Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq), formando-se Engenheiro Agrônomo em 1950. Em 1951, com bolsa da Fundação Rockefeller passou um ano no Programa Agrícola Mexicano, precursor do CIMMYT. Em 1957/58 com bolsa da Fundação Rockefeller, passou seis meses na Universidade de Nebraska e seis meses na Universidade de Iowa, trabalhando sempre com melhoramento de milho.
Exerceu atividades de docência e pesquisa no Departamento de Genética da Esalq, de 1952 a 1983, quando se aposentou.
Paterniani foi responsável pelo Banco de Germoplasma de Milho, tendo efetuado viagens de coleta visitando agricultores, reservas indígenas e países adjacentes do Brasil. Suas pesquisas foram dirigidas para a identificação e avaliação de raças de milho e métodos de melhoramento de populações, tendo desenvolvido inúmeras variedades melhoradas: Piramex, Centralmex, Pérola Piracicaba, Esalq-VF-1, Esalq-VD-2, Piranão VF-1, Piranão VD-2, Esalq VD-2 waxy, entre outras.
Desenvolveu novos métodos eficientes de melhoramento de milho, destacando-se: seleção entre e dentro de famílias de meios irmãos (CropScience 7:212), seleção recíproca recorrente com famílias de meios irmãos (Maydica, 22:141), seleção recorrente com famílias de meios irmãos e plantas prolíficas (Maydica, 23:209), seleção massal para prolificidade com controle em ambos os sexos (Maydica, 23:29), avliou o efeito do tamanho do pendão do milho na produtividade de grãos (Maydica, 26:85 e XI Congress Eucarpia, 31:04). Conduziu pesquisas visando a obtenção de milho sacarino com alto teor de açúcar, no colmo (Maydica, 25:185).
Em 1962 e 1963 exerceu o cargo de Professor Titular na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Rio Claro para ministrar os cursos de Genética e de Evolução, atendendo ao convite do Prof. W.E. Kerr para substituí-lo por ter assumido a Diretoria Científica da Fapesp.
Em decorrência do curso de Evolução, determinou a distância efetiva de dispersão do pólen de milho no campo (Euphytica, 23:129) e conduziu seleção para isolamento reprodutivo entre duas populações de milho (Evolution, 23:534), pesquisa que se tornou clássica nos cursos de Evolução de vários países.
Paterniani desenvolveu atividades administrativas na Esalq, como Chefe do Departamento de Genética, Diretor do Instituto de Genética, Coordenador do Curso de Pós-Graduação em Genética e Melhoramento de Plantas, Presidente da Comissão de Pós-Graduação e membro de várias comissões.
Contratado pelo IICA como consultor da Embrapa de 1983 a 1986, Membro do TAC (Technical Advisory Committee), do CGIAR (Consultative Group on International Agricultural Research) de 1987 a 1990.”
(Assessoria de Comunicação do CNPq)

Extensão rural: o elo que falta entre ambientalistas e produtores rurais

Alguém me perguntou recentemente quais seriam os principais problemas atuais da agricultura brasileira. São muitos problemas para se adotar este ou aquele mais premente. Mas como já disse e insisto em dizer, gosto de pensar por mim mesmo, sem dar muita atenção ao que os formadores de opinião-manipuladores de mente desejariam que eu, juntamente com a massa, pensasse.

O problema principal da agricultura no Brasil é a escandalosa e escandalosamente ignorada inexistência de uma política e um órgão nacional de assistência técnica e extensão rural. O visionário “estadista” Fernando Collor de Mello, com todos os Ls que a elitóide aprecia, teve a genial idéia de extinguir, durante seu grotesco mandato, a Empresa Brasileira de Assistência Técnica e Extensão Rural, Embrater, transferindo para os Estados a responsabilidade pela manutenção das atividades de extensão.

Para se começar a ter uma idéia de a quantas anda o setor no país, tenho a informação de que os abnegados agrônomos da Emater em Minas Gerais, por exemplo, ganham mensalmente um salário em torno de R$ 1.200,00. Minas Gerais, que é dos estados mais ricos da federação. Seiscentos dólares mensais para um profissional de nível superior, para atender enormes áreas, uma gama ampla de culturas, para resolver problemas que vão do projeto de irrigação ao preparo de compotas. Muitas vezes sem o mínimo necessário, como o salário para abastecer o carro da empresa. Como exercício de imaginação, sugiro ao leitor tentar adivinhar quanto ganhará um extensionista no estado que Sua Excelência o ex-presidente Collor de Mello representa  no Senado da República. Nem sei se há um órgão de extensão rural em Alagoas.

E o que faz um extensionista? Idealmente, orienta os produtores quanto às técnicas e tecnologias mais apropriadas às práticas agropecuárias locais, tendo em vista a situação do produtor, a região etc. Deveria ser o intermediário entre o setor de pesquisa e os produtores rurais. Os ambientalistóides urbanos deveriam se preocupar mais com a ausência de assistência técnica eficiente no país, porque enquanto ela não existir, não há em minha opinião muita esperança de que a maioria dos agricultores adotem práticas produtivas menos nocivas ao ambiente e ao homem. Estas práticas devem ser ensinadas, mas onde estão os professores?

Imagine o leitor que alguem se lhe dirija agressivamente, um dia, reclamando que está fazendo tudo o que sempre fez de forma incorreta, mas se negue a lhe ensinar o certo. É exatamente isto o que se tem feito com o “malévolo” agricultor brasileiro. Há algum movimento ambientalista exigindo a recriação de uma empresa de assistência técnica rural de qualidade, com orçamento decente para que possa atrair técnicos qualificados para seu quadro? Creio que não.

O vazio da extensão rural é parcialmente ocupado por consultores privados, caros e limitados, e pelos técnicos de empresas de insumos agrícolas, compreensivelmente mais interessados em vender seus produtos e cumprir metas do que em educar os agricultores. Algumas ONGs, mas não todas, sofrendo da Síndrome do Colonizador Amargurado, estão mais interessadas, de forma politicamente correta, em valorizar os “saberes tradicionais”, uma forma moderna e eminentemente urbana de se reviver o mito romântico do bom selvagem, do que resolver o problema de se alimentar sete bilhões de ávidas bocas e mais ávidos corpos.

Uma velha parente minha, ao saber que eu estudava Agronomia, perguntou-me sarcasticamente se era necessário estudar por cinco anos para se saber plantar. Algum dos poucos que me leem poderá imaginar um profissional, no mundo de hoje, que possa prescindir de um preparo relativamente longo para exercer sua atividade de forma eficiente e correta? Os produtores rurais em geral serão preparados para exercer profissionalmente suas atividades? Serão educados para isto? Ao consciente ecologista de apartamento isto não parece importar. O que se deseja é que se produza comida barata e sem sem estragar o ambiente. Se o agricultor não faz isso, é porque é uma encarnação do mal. Educação, assistência técnica para este? Não, para o agricultor – cadeia e a antipatia eterna do ambientalista motorizado (em geral, com a barriga bem cheia, presumivelmente com comida, cara, produzida em comunidades tradicionais usando técnicas orgânicas, que não agride o ambiente nem chega à mesa dos pobres).

A extensão rural, que poderia sanar esta falha educacional, ainda que parcialmente, não existe, não é recompensada, não é mesmo reconhecida como ausente. Seu papel na resolução de boa parte dos problemas técnicos e ambientais da produção agropecuária brasileira deveria ser óbvio. Esta situação não deveria perdurar.

Enfim, uma chance de começar de novo!

Devo anunciar aos Amigos Geófagos que passei em um concurso público para docente no Instituto Federal de Minas Gerais, Campus de São João Evangelista (antiga Escola Agrotécnica). Para que a coisa se concretize, falta o MEC autorizar a “assinatura do contrato”, pelo que aguardo com uma certa ansiedade.
Enfim, meu currículo foi avaliado naquilo que ele tem de algum valor, o que corresponde, em boa parte, à minha experiência profissional.
A “massa corporal” de meu currículo foi adquirida com muito exercício e suor, e não por efeito anabolizante de papers e outras drogas similares.
Ironicamente, desta vez não fui muito bem na prova didática. Mas o processo de realização do concurso, a meu ver, foi coerente com os seus propósitos. Entre outras coisas, foi atribuído peso 1,5 para a prova didática e peso 1 para as outras avaliações. A prova objetiva foi de questões fechadas (embora eu prefira a prova aberta, dissertativa). Os currículos, de todos, foram avaliados naquilo que tinham a oferecer. Dos nove candidatos, foram classificados sete.
Vou retornar ao exercício da profissão de professor. Coisa de que gosto muito, além da extensão rural. A extensão me permitiu levar conhecimentos e adquirir conhecimentos, foi uma troca justa e muito gratificante, sem contar o prazer de trabalhar com nosso povo, nas pequenas comunidades rurais, nos municípios pequenos. A extensão rural é uma espécie de irmã da docência. O bom professor e o bom extensionista têm muito em comum.
Considero um bom professor aquele que, entre outras coisas, tem noção da importância de seu trabalho, tem responsabilidade e amor à profissão, e não se vê como “educador”, mas sim como um orientador no processo de aquisição de conhecimentos. Porque, geralmente, experiências e conhecimentos nós adquirimos sozinhos, pelo nosso próprio exercício. Facilita muito quando uma alma caridosa nos aponta alguns caminhos.
O bom professor é, enfim, um plantador de boas sementes. E tudo indica que aqui vou eu, mais uma vez, semear minhas sementes enquanto posso.

O Desafio das Idéias e a Ordem Estabelecida: Um Ensaio

É um grande desafio ter idéias próprias, livres – como diz nosso Amigo Ítalo, usando as palavras de Riobaldo: pensar forro! – É complicado pensar forro.
Não vou considerar como “complicador” o fato de que duas ou mais pessoas possam ter, separadamente, as mesmas idéias – chamo a isso de pressão do conhecimento – pois a cada nova descoberta, um conhecimento vai pressionando o outro e as novas idéias surgem, pipocam, quase que ao mesmo tempo, em pessoas diferentes, em lugares diferentes. Foi mais ou menos assim com Darwin e Alfred Wallace; Mendeleiev e Lothar Meyer; Oparin e Haldane; e muitos outros.
Nesta relação de desafios, não vou considerar também o fato que algumas pessoas possuem uma facilidade, uma capacidade inata de raciocínio, de conclusões lógicas dentro de seu universo de conhecimento. Conheço algumas pessoas assim, que não frequentaram a escola formal, mas possuem uma capacidade de raciocínio lógico, contextualização e síntese acima da média geral.
E é bom lembrar ainda que, além dos desafios, quem se propõe a raciocinar, às vezes pode esbarrar no ridículo e chegar a conclusões medíocres. O que é comum e natural, pois isso faz parte do processo, vem com o pacote. O anedotário da ciência e tecnologia está cheio de frases e posturas equivocadas e famosas de alguns gênios destas áreas. Mas esses pequenos equívocos em nada desabonam seus autores.
Os grandes desafios de ter idéias próprias, aos quais quero me referir, são outros. O primeiro deles são os estudos. É preciso exercitar o cérebro para que ele possa funcionar com desenvoltura. O estudo, além de exercitá-lo, fornece um arsenal de informações que são, no fim das contas, a matéria prima de onde surgem as idéias. Estudar demanda disciplina, tempo e descaso com as vaidades humanas. Daí o grande desafio para a maioria das pessoas que não nasceram gênios. O mundo das vaidades é uma tentação quase irresistível, como argumenta, e se justifica para a esposa, um veterinário amigo meu em relação às suas vaidades: “fui pressionado pela mídia!”
O outro desafio, talvez o maior deles, é que as novas idéias podem esbarrar na ordem estabelecida, ir de encontro, bater de frente com o “sistema”, bater de frente com os dogmas e desafiar o senso comum. E isso já rendeu processos, execrações públicas e mortes na Fogueira do Santo Ofício. Para ficar nos exemplos mais famosos, foi assim com Giordano Bruno, Joana D’Arc, Galileu Galilei e Darwin que, se este não enfrentou A Fogueira, suas idéias enfrentaram e ainda enfrentam o Tribunal do Santo Ofício.
O processo de pensar forro é um grande desafio. É mais fácil seguir o rebanho, não importa para onde ele vá. E assim, vejo o mundo caminhando irremediavelmente na direção do que previu o “visionário” George Orwell, no romance 1984, com o seu Big Brother. Sim! É daí que nasceu o Big Brother da holandesa Endemol.
Vejo meus colegas quase desesperados correndo em busca de “publicações e papers“, sendo pressionados por seus orientadores, pelos departamentos, pelas agências de fomento, pelos concursos públicos, pelo “sistema”. Ninguém quer saber de qualidade, nem de maturidade profissional. O que importa é o número. E quanto mais rápido, melhor! Vejo pouca gente criticando esse processo. E essa pouca gente, até onde sei, resume-se ao Geófagos.
A falta de bom senso é tanta que, recentemente, participei de um concurso público para docente de uma universidade federal em que a prova escrita tinha peso 4. A pessoa que passou no concurso não ficou entre os primeiros colocados na prova didática. Não estou querendo dizer que um bom professor não necessite saber escrever bem, ao contrário, mas não estamos selecionando alguém para a Academia de Letras, e sim para professor. Então, se era preciso atribuir peso, deveria ser para a prova didática. É o que me parece óbvio. Fui o segundo colocado na prova didática, mas quando ponderaram a nota do currículo, fui DESCLASSIFICADO. Eu não tinha um “currículo bom” na avaliação deles. Classificaram três pessoas e meu nome nem apareceu na lista. Meus 12 anos de efetivo serviço de docência e extensão rural não serviram para nada, pois são anteriores a cinco anos, a data limite que estabeleceram. Não estou querendo dizer que eu deveria ter sido classificado apenas porque tirei boa nota na prova didática, mas sim que a coisa fosse feita com coerência, razão e bom senso.
Acabei de assistir a um filme chamado Austrália. Falaram muito mal desse filme, por razões de clichês e outras filigranas. É um filme mediano na minha avaliação, mas traz nos diálogos uma frase memorável e forte: “não é porque é assim, que deveria ser assim!” Vejo o mundo caminhando na direção oposta desta consciência. Não vejo nada de bom nisso. Mas posso, talvez, estar equivocado!

Origem dos Murundus: uma questão em aberto!

Os Murundus são geoformas (formas do terreno ou unidades do relevo) encontradas em diversas áreas do território brasileiro, bem como na África (sabendo-se que os da África possuem dimensões muito maiores). Segundo o Dicionário Aurélio, murundu significa montículo, morrote, outeiro. Trata-se de pequenas elevações do terreno, cujo formato tem a semelhança de uma seção esférica ou meia laranja, com variada convexidade, cujas configurações podem variar de arredondadas a elípticas. Geralmente não passam de três metros de altura. A maioria possui menos de dois metros. Segundo alguns autores, sua base pode atingir até 15 metros de diâmetro. Ocorrem de forma abundante em determinadas áreas, formando campos de murundus.
Para quem nunca viu, ou notou, um ambiente desses, o aspecto da área é semelhante àquele que se tem quando se observa à distância uma área de aterros, comuns nas obras de engenharia civil, em que os caminhões depositam suas cargas em uma sequência de vários montículos de terra. A imagem é mais ou menos essa.
A gênese dos murundus é um objeto de discussão na Ciência do Solo, pois ainda não há um consenso a esse respeito. Simplificadamente, a questão é a seguinte:
Alguns autores defendem a origem predominantemente geomorfológica dos murundus, portanto seriam relevos residuais, ou seja, a dissecação (erosão) diferencial do terreno seria a sua principal causa. A erosão diferencial, em linhas gerais, é aquela que, em uma unidade de área, remove preferencialmente determinadas seções da superfície de forma mais acentuada, deixando outras para trás. Ou seja, rebaixa o nível do terreno de forma desigual, deixando alguns “núcleos” que formam os morros da paisagem que vemos.
Outros autores defendem a origem biológica, que seria promovida pela mesofauna, principalmente pelos térmitas (cupins), de forma geralmente cumulativa, um ninho sobre o outro, com alguma contribuição indireta da fauna de predadores desses organismos. Assim, os montículos seriam ninhos abandonados (fósseis) de térmitas, bem como grandes termiteiros ainda ativos que podem ser observados em alguns casos. Ambos oferecendo alguma resistência aos processos erosivos de superfície.
Os defensores da origem geomorfológica argumentam que, em algumas áreas, principalmente nas vertentes de vales, não existem evidências de ação da mesofauna, como canais ou restos da estrutura dos ninhos de térmitas. A morfologia interna dos montículos em tais áreas se assemelha àquela dos Latossolos. Além disso, os murundus tendem a ter uma concordância de topos, isto significa que suas partes mais elevadas têm alturas mais ou menos concordantes, sugerindo uma superfície regular que sofreu erosão diferencial.
Os defensores da origem biológica argumentam que, em muitos casos, principalmente em depressões fechadas, existem evidências da ação biológica da mesofauna, justamente canais e restos da estrutura de termiteiros. O interior desses murundus apresenta uma organização estrutural característica dos ninhos de térmitas. Além do fato de que podemos encontrar montículos com termiteiros ainda ativos. Tais autores apontam, entre outros argumentos contrários à origem geomorfológica, que sob uma dinâmica de erosão diferencial tais elevações deveriam ser, preferencialmente, mais alongadas no sentido da declividade do terreno e aqueles murundus das partes mais elevadas deveriam ser menores do que os das cotas mais baixas, o que não parece ser o caso, principalmente o fato de que a hipótese geomorfológica não explica a ocorrência de murundus em depressões fechadas.
Até prova em contrário, parece-me mais plausível a origem biológica. Pois, mesmo naqueles casos em que não há evidências da ação biológica, onde a estrutura interna dos murundus assemelha-se à dos Latossolos, acredito que não podemos descartar a ação dos térmitas. Neste caso, a ausência de evidência não implica necessariamente em evidência de ausência. O ambiente, favorável à gênese dos Latossolos, pode ter favorecido a latolização daquela unidade do relevo “apagando” as evidências da ação biológica. Neste sentido, seria interessante datar as diversas áreas, observar se há diferenças de idade geológica, diferenças paleoclimáticas, diferenças ou semelhanças na micromorfologia e outras razões que poderiam promover a evolução diferencial de pedogênese entre elas, ou seja, fazendo com que em alguns murundus, mais envelhecidos, não existam mais vestígios da ação biológica. É apenas uma especulação.
Aos interessados, isso dá uma boa tese de doutorado. Embora já existam alguns trabalhos tratando do assunto, a dúvida ainda persiste.

Ciência, Certezas e Equívocos: Nota de Rodapé (5)

A razão desta “nota” é para dizer que é preciso ter muito cuidado coma as “certezas”. Portanto, peço à Comunidade Geófágica que me permita uma explicação, não uma justificativa, para o meu equívoco do texto passado. É sempre possível tirar alguma lição dos fatos, quaisquer que sejam eles.
Naquele texto, errei a cidade de Chicó e João Grilo, personagens da peça Auto da Compadecida. A história se passa em Taperoá, na Paraíba. Mas há uma canção de autoria de Raimundo Fagner, Manera Fru Fru, Manera, do disco O Último Pau de Arara (há duas versões do disco – tenho ambas). Nesta canção, Fagner repete três vezes a frase “é só catimbó e o Chicó tá no Icó“. Nem sei quantas vezes ouvi isso. Daí, mesmo Ariano Suassuna dizendo o contrário, eu tinha “certeza” de que Chicó estava no Icó, e pronto.
Li a peça Auto da Compadecida por ocasião do famigerado vestibular e por recomendação de um Professor que tive. Muito tempo depois, fizeram a minissérie e o filme O Auto da Compadecida. Assisti a ambos. Geralmente, as versões cinematográficas ou televisivas de livros e peças de teatro ficam pobres em relação aos originais. Mas neste caso não. Todos são bons, pois a obra é excelente, com elementos shakespearianos evidentes – Ariano Suassuna sabe das coisas. Enfim: mesmo depois de tudo isso, Chicó continuou no Icó, eu tinha certeza disso. Coisa de cabeça-dura.
Neste sentido, para quem pretende de alguma forma trabalhar com a Ciência, é bom lembrar sempre de que no terreno das certezas, quem costuma reinar imperiosamente são os equívocos. Fica aí um recado aos cabeças-duras, feito eu.

Referências sobre Agricultura Urbana

Caros,
Sigo a sugestão da nossa leitora Sibele e publico algumas referências sobre Agricultura Urbana aqui. Abraços fraternos a todos!
Literatura sugerida
ALTIERI, A.A.; COMPANIONI, N.; CANIZARES, K.; MURPHY, C.; ROSSET, P.; BOURQUE, M.; NICHOLS, C.I. 1999. The greening of the “barrios”: urban agriculture for food security in Cuba. Agriculture and Human Values, 16: 131-141.
FAO, 1999. Issues in Urban Agriculture. Disponível em: http://www.fao.org/ag/magazine/9901sp2.htm
GOCKOWSKI, J.; MBAZO’O, J.; MBAH, G.; MOULENDE, T.F. 2003. African traditional leafy vegetables and the urban and peri-urban poor. Food Policy, 28: 221-235.
LADO, C. 1990. Informal Urban Agriculture in Nairobi, Kenya. Land Use Policy, 7: 257-266.
MAXWELL, D.G. 1995. Alternative food security strategy: a household analysis of urban agriculture in Kampala. World Development, 23: 1669-1681.
MAY, J.; ROGERSON, C.M. 1995. Poverty and sustainability cities in South Africa: the role of urban cultivation. Habitat International, 19: 165-181.
GOVERNO DE MINAS GERAIS. s.d. Programa Minas sem Fome. Disponível em: www.fomezero.gov.br/dowload/folder_alta.pdf
SEMAB. s.d. Políticas públicas e suas intervenções a nível municipal em agricultura urbana na cidade de Teresina – PI, Brasil. Disponível em: www.ipes.arcoinfo.org
CASTELO BRANCO, M.; ALCÂNTARA, F.A.; MELO, P.E. (eds.) Hortas Comunitárias vol. I – O Projeto Horta Urbana de Santo Antônio do Descoberto. Brasília: Embrapa Hortaliças. 160p. 2007.
CASTELO BRANCO, M.; ALCÂNTARA, F.A. (eds.) Hortas Comunitárias vol. II – Os Projetos Horta Urbana de Teresina e Hortas Peri-urbanas de Novo Gama e Abadia de Goiás. Brasília: Embrapa Hortaliças. 122p. 2008.

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