Civilização Amazônica antes de Colombo
Esta vem quente do forno e para fechar bonitamente a semana: um artigo saído hoje na Science por uma equipe mista de americanos e brasileiros mostra evidências de uma sociedade urbana na Amazônia antes do descobrimento. O título do artigo é “Pre-Columbian Urbanism, Anthropogenic Landscapes, and the Future of the Amazon“, por Michael J. Heckenburger et al. Um comentário ao artigo pode ser lido aqui e o artigo na íntegra pode ser lido aqui para os que possuem acesso ao periódico. Aos que não possuem, transcrevo o resumo do mesmo em inglês:
“The archaeology of pre-Columbian polities in the Amazon River basin forces a reconsideration of
early urbanism and long-term change in tropical forest landscapes. We describe settlement and
land-use patterns of complex societies on the eve of European contact (after 1492) in the Upper
Xingu region of the Brazilian Amazon. These societies were organized in articulated clusters,
representing small independent polities, within a regional peer polity. These patterns constitute a
“galactic” form of prehistoric urbanism, sharing features with small-scale urban polities in other
areas. Understanding long-term change in coupled human-environment systems relating to these
societies has implications for conservation and sustainable development, notably to control
ecological degradation and maintain regional biodiversity.”
Ainda não li o artigo na íntegra, mas pretendo fazê-lo e comentar depois. A todos, um bom fim de semana.
Ítalo M. R. Guedes
As fezes não morrerão de sede
Alguém já parou para pensar que absurdo é usar-se água limpa em abundância para transportar dejetos humanos para a rede de esgotos quando milhões de pessoas sequer têm o suficiente para beber? Este é o tipo de questão que vem naturalmente ao longo da leitura de um excelente artigo publicado na Scientific American Brasil de setembro (não estou ganhando nada pelo marketing), escrito pelo engenheiro ambiental americano Peter Rogers, sob o título “Preparando-se para enfrentar a crise da água”. Li o artigo ontem a noite, após a publicação deste post, mas fiquei feliz em encontrar trechos como este: “E a escassez se tornará mais comum em parte porque a população do mundo está aumentando. Uma parcela está ficando mais rica – aumentando assim a demanda – sem contar que a mudança climática global está ampliando a aridez e reduzindo as reservas em muitas regiões”. Mas o autor não se satisfaz em apenas desfiar informações – ele faz sugestões, algumas das quais o cidadão médio acharia bem antipáticas: “Estabelecer preços mais altos para a água está (…) quase no topo da minha lista de prescrições.” Nasci e cresci numa das regiões mais secas do semi-árido nordestino (Patos, na Paraíba), sei exatamente o que é escassez de água e quão frustrante é ver sociedade e governo agindo quase anualmente como se períodos de seca fossem uma anormalidade, um desvio do esperado. Aprendi quase no berço a economizar água de toda forma possível, nos pequenos hábitos, como desligar o chuveiro enquanto me ensaboava ou a torneira enquanto escovava os dentes. Tive oportunidade de morar numa região em que a água é um recurso abundante (Viçosa, Minas Gerais) e pude ver como meus hábitos econômicos surpreendiam e muitas vezes faziam rir aqueles para quem escassez de água era algo muito remoto e possivelmente exagerado, coisa de Jornal Nacional para ganhar audiência. Sinceramente creio que se mudanças drásticas nos hábitos da sociedade não forem adotadas, atitudes antipáticas terão que ser tomadas ou o mundo real baterá rudemente às nossas portas. Aos que têm acesso aos Periódicos da Capes e desejem se aprofundar no assunto, recomendo o excelente artigo Water Use, escrito por Peter H. Gleick, no Annual Review of Environment and Resources de 2003.
Ítalo M. R. Guedes
O contexto ambiental brasileiro e a Amazônia
Ja faz algum tempo que venho observando o comportamento dos chamados “formadores de opinião” brasileiros com relação às questões ambientais. Nos noticiários, documentários e outros meios de divulgação sempre ouço e vejo uma grande omissão relacionada aos aspectos ambientais do país. Quando fala-se em ambiente no Brasil quase sempre fala-se em Amazônia, como se questões relacionadas a outros ecossistemas não existissem. Cito a seguir algumas poucas, das muitas questões ambientais corriqueiramente observadas no país. Vejo, diga-se de passagem com muita preocupação, o cerrado brasileiro ser exterminado e não vejo, também com muita preocupação, os tais formadores de opinião criticarem tal fato. Vejo a Mata Atlântica às mínguas e seu território continuar sendo ocupado. Vejo o rio São Francisco moribundo, sendo transposto, sem que antes haja sua revitalização. Continuo vendo corpos d´água que são verdadeiros esgotos a céu aberto em diversas cidades que visito. Os resíduos sólidos de grande parte dos municípios (infelizmente ainda a maioria deles) continuam sendo dispostos de maneira inadequada. E chamo de disposição inadequada não só a existência de lixões, mas também os chamados aterros controlados, que ao contrário dos aterros sanitários, não possuem tratamento do percolado gerado na decomposição da massa orgânica de lixo. O destino final desse lixiviado não tratado, obviamente, são os corpos d´água, apresentando-se então como potenciais poluentes. É claro que a importância estratégica e ambiental da Amazônia é inquestionável e políticas públicas e pesquisas relacionadas a esse ecossistema são de extrema importância para o país e para o mundo. Porém, outras tantas questões ambientais e, principalmente, outros tantos problemas ambientais, sejam eles de ecossistemas nativos, rurais ou até mesmo urbanos existem e possuem grande importância, devendo ser resolvidos. É necessário abrir-se os olhos também para tais questões, tomando-se as providências cabíveis, elaborando-se políticas públicas de desenvolvimento sócio-ambiental, preconizando de maneira enfática a educação ambiental da população brasileira e, principalmente, dos governantes e legisladores desse país. É necessário que exista um planejamento com políticas de médio e longo prazo para tais questões. Aplicar a legislação com a mesma intensidade para todas as camadas da sociedade, diferente do que é observado hoje, também é fator primordial para o sucesso do desenvolvimento ambiental do país. Não obstante, é necessário conhecer a realidade dos diversos ecossistemas brasileiros, investindo em pesquisas dos mesmos, elaborando leis menos utópicas e mais realistas, levando-se em conta características peculiares dos mesmos e também da população neles residentes. É necessário, portanto, cuidar sim da Amazônia, mas em conjunto com os outros ecossistemas e não em detrimento desses. Por fim, nunca é demais lembrar que o ambiente deve ser encarado como o todo e não apenas uma parte. Ele não é só o verde ou só os animais, ele também é todo o conjunto de interações entre as diversas esferas do planeta, incluindo nelas a capacidade do homem de modificar o meio em que vive, respeitando sempre suas características culturais.
Carlos Pacheco
Do carvão que já foi caatinga
Talvez preocupado com a má repercussão da permissão de plantio de cana de açúcar no Pantanal, o Ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc, comandou pessoalmente uma operação conjunta do Ibama e das Polícias Federal, Rodoviária Federal e Militar que destruiu ontem 79 carvoarias ilegais no sertão de Pernambuco. A operação foi chamada de Vesúvio. Até que enfim, os olhos oficiais desviam-se um pouco da Amazônia e do Pantanal e se voltam para a caatinga, intensamente ameaçada de extinção completa. Seria interessante agora que o governo abandonasse a atitude ufanista e hipócrita com que agracia a agricultura do Planalto Central e reconhecesse o crime que está sendo cometido contra o Cerrado em nome do famigerado Agronegócio. A esperança é a última que morre (depois do cerrado e da caatinga).
Ítalo M. R. Guedes
A riqueza, a hipocrisia e o fim do mundo
Querem saber qual é o problema ambiental mais grave do planeta? Não titubeio em dizer: a riqueza, ou melhor, o “desenvolvimento”. Os padrões ocidentais de riqueza e desenvolvimento. E não me refiro apenas à riqueza dos países desenvolvidos com seus padrões de consumo irresponsáveis. Em países “em desenvolvimento” também há o tipo de riqueza a que me refiro. Não queremos todos alcançar um nível de vida típico de classe média americana, nós da classe pensante brasileira? Até onde posso ver, é comum o desejo de possuir carros. Para aplacar a consciência, exigimos carros flex, ou a álcool, ou doravante movido a qualquer biocombustível, mas ignoramos tranqüilamente as montanhas de minério de Minas Gerais e do Pará literalmente transportadas para as siderúrgicas para retirada de ferro e alumínio destes mesmos carros. Alguém tem idéia do impacto disto? Alguém se predispõe a protestar contra o desejo de possuir um carro? Não, é melhor ser hipócrita. Bastam os biocombustíveis, aliás cultivados utilizando-se insumos agrícolas produzidos com o uso de combustíveis fósseis ou de recursos minerais não renováveis. Sim, porque pouquíssimos estariam dispostos a pagar por biocombustíveis totalmente orgânicos (alguém já viu os preços de hortaliças orgânicas?). Um outro grande desejo humano é ter casa, e a classe média bem informada prefere apartamentos, talvez na beira da praia, tirando a vista dos outros do mar. Uma surpresa para os que acham que só os grandes empresários e os agricultores do mal produzem gases de efeito estufa: a produção do cimento de seu apartamento comprado a suadas prestações é feita a partir da calcinação do carbonato de cálcio: CaCO3 → CaO + CO2. Este CO2 aí no final é o dióxido de carbono, principal gás de efeito estufa. Alguém se propõe a combater a construção de casas? Não, é melhor ser hipócrita. A vaquinha que produziu a picanha que entusiasticamente queimamos no fim de semana produz uma quantidade não desprezível de metano, um gás de efeito estufa mais poderoso que o CO2, imaginem quanto metano produzem vaquinhas para alimentar 6 bilhões de bocas. Ah, você não come carne? Um dos maiores produtores de metano no planeta são os plantios de arroz inundado. Você é um ambientalista ativamente preocupado com a possibilidade de construção de usinas nucleares? Orgulhoso porque o Brasil produz energia a partir da água, um recurso natural renovável? As hidrelétricas estão bem, obrigado, produzindo quantidades nada desprezíveis de metano. Creiam-me, pouquíssimos estão dispostos a realmente fazer as mudanças necessárias para que vivamos numa sociedade realmente sustentável. Modernizando a imagem que Cristo utiliza no Novo Testamento para descrever os hipócritas, preferimos ser sepulcros caiados exalando metano pelas mal disfarçadas rachaduras.
Ítalo M. R. Guedes
A desinformação e o efeito estufa
Imagino que os defensores de uma causa qualquer em geral sentem-se felizes quando alguma celebridade (ou até mesmo um número grande de não celebridades) lhes adota fervorosamente a causa. Não sei se é um erro comum a outras pessoas, mas até há pouco eu achava que para se apoiar qualquer coisa, ou combatê-la, era necessário entendê-la. Triste engano. Durante a semana que passou pude testemunhar dois casos bem claros do que estou falando: no meio da semana vi um membro de uma ONG de conservação da natureza no Pará vangloriar-se de um projeto de lei estadual que não só proibia o plantio de cultivos transgênicos como também a realização de pesquisas com organismos geneticamente modificados. Nada mais mais medieval seria possível, no puro estilo inquisitorial adotado pelos eco-idiotas. No fim de semana vi uma modelo tentar defender seu vegetarianismo como uma atitude individual contra as mudanças climáticas globais. Até aí tudo bem. Mas quando perguntada sobre como esta atitude, e outras semelhantes, poderiam ajudar, mostrou completa ignorância sobre o assunto e até do que seria realmente o tal aquecimento. Ela adotou a causa porque achou que era “do bem”. Céus! Não é só divulgar, a plenos pulmões, Ciência, mas também o modo científico de avaliar o mundo, as questões, as opiniões. Incrivelmente ainda há os que não só combatem tecnologias pela escassez de conhecimentos sobre a mesma, combatem a pesquisa sobre o assunto, que poderia esclarecer as dúvidas. Digam-me, de que forma se pode ser mais estúpido do que isso?
Ítalo M. R. Guedes
Origem e natureza dos solos I
O famoso físico brasileiro Mário Schenberg acreditava que os ditos fenômenos paranormais, como a telepatia, poderiam ser resultado da interface Biologia-Física. Creio que esta interface é algo literalmente mais pé no chão: o solo. Sim, o solo é uma interface entre o mundo físico e o biológico, produzido pela interação entre organismos e minerais. Iniciado pela degradadação física das rochas e sua intemperização química, não fossem os seres vivos o solo seria apenas detrito, pó sem estrutura – mesmo dentro de um solo, aquelas camadas em que a atividade biológica é menos intensa, como o horizonte C e o saprolito (partes do solo mais profundas, onde já se iniciou a formação do solo, mas ainda com características, pelo menos macroscópicas, típicas das rochas de origem) são pouco estruturadas. Aliás, a exposição destas camadas por obras como cortes de estrada ou barrancos é responsável por muitos desastres, como deslizamentos e formação de voçorocas exatamento pela falta de estrutura. Na verdade, a erosão seria o destino natural de todo detrito da decomposição de rochas não houvesse vida sobre o mesmo. A atividade biológica, animal, vegetal e de microrganismos diminui a desordem, ou melhor, aumenta o ordenamento dentro do sistema solo, criando estrutura, que estabiliza o solo, modificando o ambiente químico e até mineralógico. Os restos orgânicos dos organismos são deixados sobre e dentro do solo e a atividade biológica age sobre estes restos, decompondo-os e ao mesmo tempo originando substâncias complexas de grande importância ambiental, as ditas substâncias húmicas. Por sinal, uma das maneiras que se usa atualmente para se avaliar a sustentabilidade de atividades agrícolas sobre o solo é a observação se há mudança no grau de ordenamento do solo.
Ítalo M. R. Guedes
Agora sim, Lablogamos
Pedimos desculpas aos leitores e companheiros Lablogueiros por nossa demora em começar a escrever, além das mudanças relativas ao próprio Geófagos, houve também uma série de mudanças pessoais, como se pode ver alguns posts atrás. Agora estamos mais calmos e, aparentemente, mais inspirados. Começamos esta nova fase do Geófagos com grandes expectativas e esperamos manter o nível dos posts e aumentar o número de postagens. Continuem conosco e, para não perder a oportunidade, Hello, world!
Ítalo M. R. Guedes