Um gigantesco laboratório agroclimatológico

O problema das mudanças climáticas globais não me parece ser de simples resolução como querem fazer acreditar certos “pensadores” armados com um manual de agricultura orgânica numa mão e um livro de Fritjof Capra na outra. Não nego que a agricultura orgânica e o misticismo possam vir a contribuir com a resolução, mas a interação entre mudanças climáticas e produção agrícola definitivamente não é uma questão simples resolvível em uma manhã cheia de palavras de ordem e frases vazias e emotivas.
A agricultura sem dúvida desempenhou um papel considerável na criação das condições climáticas atuais e futuras e ainda desempenha papel preponderante, por exemplo no Brasil, onde juntamente com o desmatamento supera as emissões de gases de efeito estufa dos outros setores da economia.
Ao mesmo tempo, a agricultura é certamente o setor mais afetado pelo clima e pelas condições atmosféricas – o crescimento vegetal, e consequentemente a produção agrícola, só é possível pela absorção do dióxido de carbono da atmosfera e por sua combinação com a água em grande parte proveniente das chuvas, intermediada pela energia da luz solar. Chama-se a isso fotossíntese. O agronegócio é movido pelo ar, pela água e pelo sol (e seu maquinário por combustíveis fósseis, ainda). As mudanças climáticas alteram as proporções de sol, ar e água e sua distribuição e com isso podem afetar de forma dramática a agricultura, apesar do que querem fazer crer determinados setores retrógados ligados à atividade agrícola.
Os possíveis cenários climáticos futuros não serão necessariamente “algo novo sob o sol”, condições nunca antes observadas. Haverá provavelmente mudanças locais de clima, redistribuições, como sub-tropicalização de regiões temperadas, a savanização de áreas florestadas úmidas, semi-aridificação de savanas, aridifição de zonas semi-áridas… Mas há hoje savanas, caatingas e desertos a partir dos quais uma região pode aprender com as soluções de outra.
O Brasil é um país continental com grande variedade climática e ecológica, e ainda agroecológica. Pode-se e se deve utilizar esta variedade como laboratório gigantesco na tentativa de se prever e, se possível, prevenir-se situações catastróficas futuras que comprometam a segurança alimentar do país. Darei exemplos didáticos.
Há indícios de que, dependendo da evolução das alterações climáticas, pelo menos parte da Amazônia poderá savanizar-se, processo denominado “Amazon Dieback”, tornando-se parecida com os atuais Cerrados. Da mesma forma, parte do Cerrado poderá se tornar mais seco, vindo talvez a se assemelhar com a região semi-árida do Nordeste brasileiro. Pode-se então aprender muito com o Cerrado e a Caatinga, mas apenas se o Cerrado não for destruído para produzir soja e a Caatinga não for dizimada para produzir um deserto.
Estes dois biomas podem ser utilíssimos como fontes de espécies e de genes para uma agricultura mais adaptada às novas condições climáticas, em que espécies e variedades cultivadas mais resistentes à falta d’água, ao calor, à pobreza de nutrientes, às doenças serão indispensáveis. E não falo em possibilidade remota. Um dos grandes problemas da produção de hortaliças atualmente são as doenças do solo, e se agravando. Espécies da família das Solanáceas, como os tomates, têm sido gravemente afetadas, por exemplo, por uma bactéria causadora de murcha com potencial de comprometer muito negativamente a produção, a temida Ralstonia solanacearum.
Pois bem, um dos campos mais promissores atuais de pesquisa visando o controle desta doença tem utilizado plantas não domesticadas do gênero Solanum, conhecidas como jurubebas, como porta-enxertos de tomate devido a sua resistência à bactéria. Nada impede que futuramente os genes mesmos das jurubebas sejam transferidos às espécies cultivadas susceptíveis ou, mais remotamente, que seja feito algum trabalho de domestificação das próprias jurubebas. Aliás, o Cerrado e as Caatingas são fontes destas espécies. Enquanto estiverem de pé.

Vergonha para os políticos II

Membros da Sociedade Brasileira de Ciência do Solo (SBCS) e diversos pesquisadores irão participar do “19th World Congress of Soil Science”, que será realizado na cidade de Brisbane, Austrália e, na oportunidade, será apresentada a candidatura do Brasil para sediar o próximo evento, no ano de 2018. Será uma ótima oportunidade para mostrarmos para as sociedades de todo o mundo a força dos pesquisadores brasileiros. Hoje a SBCS é terceira maior ficando atrás apenas da Americana e Alemã e a frente de escolas muito tradicionais como a francesa e a russa. Numa conversa informal com o 2º. Vice Presidente da SBCS, o Prof. Victor Hugo da Universidade Federal de Viçosa, ele me informou que a diversas Sociedades Sul-Americanas já enviaram cartas de seus representantes ratificando o apoio ao Brasil como sede do evento, porém a grande frustração fica por conta de uma carta do presidente Lula que foi solicitada pela SBCS como apoio ao evento. Até agora ninguém da assessoria do presidente ou o Ministro da Educação ou Ciência e Tecnologia se pronunciaram, mesmo com a interveniência do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Embora se tenha uma carta do Governador do Estado do Rio de Janeiro, cidade escolhida como sede, alguém tem dúvida da relevância desse documento assinado pelo presidente, de popularidade recorde, creio que não! Na contramão da ciência, a governo federal liberou bilhões de reais para serem gastos em obras para a próxima Copa do Mundo de Futebol e liberou os municípios a gastarem cerca de 120 % além de sua arrecadação para custear tais obras. É inegável o legado que ficará para a população brasileira de tais obras de infraestrutura, mas o que a SBCS e os pesquisadores pediram foi apenas uma simples carta, mas como ciência não dá voto porque se meter em campanha para sediar congresso de Terra!

Vergonha para os políticos do Rio Grande do Norte

O Igor Santos já comentou o caso e hoje li a entrevista no Jornal da Ciência. O neurocientista brasileiro Miguel Nicolelis se diz decepcionado com a falta de visão dos políticos municipais e estaduais do Rio Grande do Norte. O poder público potiguar não foi capaz sequer de asfaltar a rua que dá acesso ao Instituto do Cérebro, em Natal. É de surpreender que só agora ele se tenha dado conta da cegueira e estupidez da classe política. Pergunto-me apenas se há muitos lugares no país em que ele não se decepcionaria. Já disse aqui e repito – o mundo precisa de cientistas, não de políticos, muito menos de politiquetes.

Mudanças climáticas versus desenvolvimento

A reflexão sobre os impactos das mudanças climáticas globais sobre a agricultura e o inverso tem feito parte constantemente de minhas atividades e atribuições profissionais, principalmente desde o último ano. Tenho dedicado muito esforço intelectual e mesmo físico à questão, tendo me concentrado com um pouco mais de foco às práticas de manejo do agroecossistema que minimizem a emissão de gases de efeito estufa ou mesmo que os sequestrem, as ditas ações mitigadoras, como o plantio direto e a aplicação de carvão como condicionador de solo.
Um colega por quem tenho grande respeito e que trabalha diretamente na área de sustentabilidade agrícola me chocou um tanto hoje ao afirmar que não gostava desta ênfase excessiva nas medidas de mitigação por parte de países em desenvolvimento. Vejam bem, ele não pertence a esta espécie retrógrada que se auto-denomina de “céticos do clima” – ele não tem dúvida que as mudanças climáticas causadas pelo clima são reais. Sua opinião no entanto é de que os países em desenvolvimento, como o Brasil, não deveriam arcar com o ônus da mitigação destas mudanças em detrimento de seu desenvolvimento social e econômico. Para ele, quem deveria arcar com este ônus seriam os países ditos desenvolvidos. Antes que se lancem as pedras, ele não é agrônomo, é um biólogo com doutorado em impacto ambiental.
Não digo que seus argumentos não tenham alguma lógica, mas não posso deixar de pensar que os impactos das mudanças climáticas não se restringirão aos países desenvolvidos. Embora alguns cenários prevejam condições de relativo conforto para a agricultura no sudeste do Brasil, estes mesmos cenários, e talvez evidências atuais, prevêem condições mais que preocupantes para o semi-árido e mesmo para a Amazônia. Por nosso despreparo, talvez venhamos mesmo a sofrer mais as consequências do que os países desenvolvidos. Bem, é uma questão a se pensar, se alguem quiser opinar sobre o assunto, sinta-se à vontade.

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