O nitrogênio pode causar podridão-apical em tomate?

TomI19-06-2012 016

Em 2012 uma colega pesquisadora procurou o laboratório onde trabalho em busca de explicação e solução para um problema recorrente em uma linhagem de tomate sendo usada em cruzamentos em um programa de melhoramento. Apesar de ser promissora em outros aspectos, a linhagem apresentava uma alta susceptibilidade a uma desordem fisiológica conhecida como podridão apical dos frutos ou fundo-preto. É conhecimento comum de que a principal causa desta desordem seria a deficiência no nutriente cálcio, envolvido principalmente na formação das paredes celulares dos vegetais superiores. Depois de analisar a solução nutritiva utilizada pela equipe da pesquisadora na fertirrigação do tomateiro, chegamos à conclusão de que a concentração de cálcio utilizada estava adequada, a priori ficando descartada a hipótese de falta ou insuficiência daquele nutriente.

Pesquisando o que havia sido publicado sobre as possíveis causas da podridão apical notei que, apesar do que se tinha como unanimidade no meio produtivo, a pesquisa científica sobre o tema estava longe de ter certeza do papel exclusivo do cálcio como causa da podridão apical em tomate e outras solanáceas. Alguns trabalhos apontavam um possível papel também da forma de nitrogênio utilizada. O nitrogênio é o único nutriente essencial que pode ser absorvido tanto como cátion, na forma de amônio (NH4+), quanto como ânion, sob a forma de nitrato (NO3-). Muitos dos elementos químicos essenciais para as plantas são absorvidos na forma de íons, ou seja, na forma de elementos químicos com carga elétrica. Aqueles com carga elétrica negativa são chamados ânions, os que possuem carga positiva são os cátions. O nitrogênio é o único nutriente absorvido pelas plantas tanto como um cátion quanto como um ânion.

No interior das células, que é para onde vão os nutrientes, deve ser mantido um equilíbrio eletroquímico, ou seja, um equilíbrio entre a concentração de ânions e cátions. Existem interações, sinergísticas e antagônicas, entre alguns nutrientes. Nas interações sinergísticas, a absorção de determinado elemento pode favorecer a absorção de outro, como tem sido observado entre K+ e Cl– em algumas espécies. Por outro lado, nas interações antagônicas, a absorção de determinada forma de um nutriente pode dificultar ou mesmo impedir a absorção de algum outro nutriente. Muito conhecida entre os técnicos que lidam com tomate é a interação antagônica que existe entre a forma amoniacal do nitrogênio (NH4+) e o cálcio (Ca2+). Como se pode observar, ambas as formas são catiônicas.

Como o cálcio é absorvido pelas plantas na forma do cátion Ca2+, pode haver uma relação de antagonismo entre a absorção do cálcio e do nitrogênio na forma de amônio, que também é um cátion. Uma relação de antagonismo entre dois nutrientes significa que a absorção ou mesmo a presença excessiva de um nutriente atrapalha a absorção ou o uso pela planta de outro nutriente. Tendo em vista que não havia indícios de deficiência de cálcio causando o problema de podridão apical na linhagem de tomate em questão, partimos da hipótese que a forma de nitrogênio usada na fertirrigação afetaria a incidência de podridão apical dos frutos do tomateiro, pelas razões delineadas acima ou por outras.

No experimento conduzido testamos várias proporções de nitrato e amônio na solução nutritiva e observamos que a presença do amônio em determinadas proporções realmente aumentou a incidência de fundo-preto nos frutos da variedade de tomate avaliada e mesmo diminuiu o peso dos frutos que não apresentaram a desordem, impactando negativamente a produção e deixando claro que as variedades de tomate susceptíveis ao fundo-preto ou podridão apical devem ser adubadas ou fertirrigadas com fertilizantes que contenham a forma nítrica do nitrogênio, como nitrato de cálcio e nitrato de potássio. Os resultados desta pesquisa foram relatados na publicação “Componentes de produção e incidência de podridão apical em frutos de tomateiro cultivado em fibra de coco e fertirrigado com diferentes proporções de amônio (N-NH4+) e nitrato (N-NO3-)”, a qual pode ser acessada e baixada gratuitamente no link https://ainfo.cnptia.embrapa.br/digital/bitstream/item/186832/1/BPD-161.pdf.

Bananas, batatas fritas e a ditadura da aparência

Foto: Italo M. R. Guedes

Foto: Italo M. R. Guedes

A produção agrícola é muito mais complexa do que imaginam os consumidores finais, com razão preocupados em obter alimentos livres de resíduos de agrotóxicos e outras impurezas que comprometem a qualidade e segurança dos alimentos. Darei alguns exemplos desta complexidade e tentarei deixar claro como as próprias preferências dos consumidores levam muitas vezes ao uso excessivo de agrotóxicos pelos agricultores.

Vejamos o caso da banana. A principal doença dessa espécie deve ser o Mal de Sigatoka, ou Sigatoka Amarela, causada pelo fungo Mycosphaerella musicola, forma perfeita ou sexuada do Pseudocercospora musae. Uma forma interessante de se controlar a doença sem a utilização de agrotóxicos seria o plantio de variedades resistentes à doença. Mas a solução não é tão simples. Não basta ao produtor decidir plantar uma variedade resistente, sem outras considerações. É necessário ter alguma garantia de que os frutos produzidos serão comprados. “Isto é fácil”, dirá o consumidor ingênuo, “é só ele dizer que não usou agrotóxico”. Não é assim tão simples.

Para a comercialização de qualquer produto agrícola, deve haver uma aceitação comercial da variedade escolhida, mas o consumidor é em geral conservador e “exigente” e não há garantia de que a aparência ou o sabor de uma nova variedade, por resistente e “ecologicamente correta que seja, agradará a proverbial dona de casa. Já deve ser lugar comum a recomendação de que se dê preferência por hortaliças e frutos com lesões causadas por insetos porque provavelmente receberam menos agrotóxicos. Os consumidores, no entanto, preferem frutos de aparência impecável, mesmo que essa aparência tenha sido conseguida à custa de doses enormes de produtos biocidas. A ditadura da aparência é um grande problema.

A batatinha comum, certamente a hortaliça mais consumida mundialmente, sofre no Brasil de uma doença chamada sarna comum, causada por bactérias do gênero Streptomyces, que não apresenta risco algum à saúde humana. Os sintomas mais comuns da sarna são lesões superficiais na casca da batatinha. Interessantemente, esta doença não afeta nem a produtividade nem a qualidade da batata – afeta sua aparência apenas. Por afetar a aparência, no entanto, sua aceitação comercial é grandemente reduzida e sua presença significa prejuízo sério para o produtor. A utilização de variedades resistentes, neste caso, é problemática pela escassez de variedades altamente resistentes e pela inexistência de variedades imunes. Claro, há práticas de manejo integrado que podem minimizar a incidência da doença, como o controle biológico, o manejo adequado da irrigação… Mas o que quero dizer é que uma situação difícil é criada por causa da ditadura da boa aparência.

Este conservadorismo em relação à aparência pode trazer prejuízos também em termos de variedade de escolha para o consumidor. Um grande problema enfrentado por cozinheiros é a produção de batatas fritas. Ao contrário do que propala o conhecimento comum, não é uma técnica específica que permite a confecção de batatas fritas sequinhas, sem encharcamento por óleo, como se vê em grandes redes de fast-food. Na verdade, há variedades específicas para a confecção de batatas fritas, com teor de água e de sólidos solúveis adequados à fritura e que naturalmente impedem o encharcamento. Um exemplo é a variedade holandesa Atlantic. Sei de pelo menos uma tentativa de se introduzir esta variedade no mercado paulista – tentativa falhada porque a cor da casca desta variedade não agradou o consumidor. De São Paulo para cima, as variedades de batata de casca rosada, adequadas para se fritar, como a Atlantic e a BRS Ana, não são bem aceitas pelos consumidores. Não há nenhuma outra razão para a não aceitação que não uma antipatia estética. Absurdo mas verdadeiro.

O consumidor, como já disse, está certo em exigir alimentos de qualidade. Mas exigir apenas, sem que se ofereça uma contrapartida mínima é cômodo e errado. É necessário buscar-se informações sobre o que realmente significa qualidade para que não se criem padrões absurdos de consumo baseados em pressupostos falsos, como o de que aparência significa invariavelmente qualidade. Parece-me claro que o consumidor tem, em muitos casos, um considerável grau de culpa pela utilização excessiva de agrotóxicos em frutos e hortaliças e pela menor variedade nos alimentos consumidos.

Por que agricultura em ambiente protegido no Brasil?

Produção de tomate sem solo.

Produção de tomate sem solo.

Crescemos acostumados a ouvir que a vocação agrícola do Brasil se deve majoritariamente à abundância de terra e ao clima tropical propício a uma agricultura altamente produtiva. Apesar da pressão da expansão urbana e das mudanças climáticas, há muita verdade naquela afirmação. O fato de o Brasil ser hoje considerado uma superpotência agrícola produtora de grão se deve sem dúvida à grande quantidade de terras agricultáveis (e mecanizáveis) e à diversidade climática do país, associados ao desenvolvimento e à adoção de tecnologias e práticas agrícolas avançadas. Estranha, à primeira vista, que apesar de tudo isso cresça cada vez mais a área de agricultura sob ambiente protegido no Brasil, hoje estimada em mais de 30 mil hectares, principalmente ao redor de grandes centros urbanos.

O cultivo de hortaliças, plantas ornamentais e algumas frutíferas sob ambiente protegido (estufas, túneis altos e túneis baixos) vem em resposta a determinadas especificidades que as fazem muito diferentes das espécies produtoras de grãos que são hoje cultivadas em grandes extensões de terra Brasil afora. Para se ter uma ideia, a área sob cultivo de hortaliças no Brasil, anualmente, tem girado em torno dos 900 mil hectares. Em comparação, apenas a área cultivada com soja na safra 2016/2017 foi de quase 34 milhões de hectares, quase 35 vezes maior do que a área cultivada com hortaliças. Por outro lado, enquanto a produtividade da soja está em 3,3 toneladas por hectare, a produtividade de tomate para consumo in natura já se aproxima de 100 toneladas por hectare.

Uma outra diferença fundamental entre a produção de hortaliças e a produção de grãos é que o consumidor tradicionalmente compra hortaliças “com os olhos”, baseado na aparência. Pouco importa se o produtor consiga 100 ou 200 toneladas de tomate em um hectare. Estas 100 ou 200 toneladas deve ter a aparência, o tamanho, a cor exigidos pelo consumidor. A hortaliça visualmente perfeita exigida pelo mercado é difícil de ser produzida. A aparência pode ser prejudicada por pragas, pela insolação excessiva, por doenças, pelo excesso de chuva. O aumento da frequência de fenômenos climáticos severos tem tido um papel considerável no aumento de dificuldade de obtenção da hortaliça perfeita. Entra em cena o cultivo protegido.

A adoção das práticas de cultivo protegido é um passo à frente na tendência de controlar as variáveis ambientais e se proteger do acaso visando a otimização e maximização da produção agrícola. Além das questões climáticas e comerciais, o plantio de hortaliças em ambientes protegidos pode evitar ataques de pragas e patógenos, reduzindo a aplicação de produtos químicos biocidas, embora no cultivo em solo a incidência de doenças possa ainda ser um problema se práticas culturais tais como a rotação de culturas não forem convenientemente adotadas.

A agricultura protegida surgiu no Norte da Europa para que as famílias ricas pudessem ter frutas e hortaliças frescas nos períodos frígidos de inverno. A expansão do cultivo em ambiente protegido para as regiões tropicais foi possível pelo surgimento do plástico, principalmente do polietileno de baixa densidade, sintetizado pela primeira vez na década de 40 do século XX. Como surgiu no frio norte da Europa, o material utilizado nas primeiras estufas era o vidro, menos permeável à radiação infravermelha responsável pela criação do efeito estufa que permitia o cultivo de hortaliças e frutas durante os meses mais frios, o que era impraticável em campo aberto. O efeito estufa causado pelo plástico é menos intenso, além do material ser mais versátil e barato. Nas regiões tropicais, como o Brasil, o cultivo protegido foi adotado visando principalmente proteger as culturas do excesso de chuva, das pragas e doenças. É um sistema de cultivo cuja implantação é relativamente cara, de forma que os cultivos adotados devem ser mais produtivos e rentáveis, como as hortaliças.

Embora o plástico retenha menos calor que o vidro, o grande desafio da agricultura protegida nos trópicos é o controle de temperaturas muito altas que afetem a produção e a qualidade dos produtos. Diversas técnicas têm sido testadas ao longo dos anos: plásticos de diferentes composições e características físicas, telas aluminizadas, maiores alturas de pé-direito, nebulização, cortinas laterais retráteis, nebulização. A utilização mais intensa de tecnologias mais eficientes esbarra na perspectiva de aumento no custo de produção. O consumo médio de hortaliças pelo brasileiro ainda é muito baixo e o temor é que hortaliças mais caras em razão de maiores custos de produção diminuam ainda mais o consumo.

Além da proteção contra chuva, ventos e insolação, o cultivo sob ambiente protegido pode oferecer também uma proteção física contra a incidência de insetos e outros artrópodes-praga e contra microrganismos causadores de doenças de plantas. Hoje em dia tem sido comum perdas de produção em razão de viroses transmitidas por insetos sugadores como mosca-branca, pulgões e tripes. O uso de telas especiais que impedem a entrada destes insetos na lavoura protegida pode reduzir consideravelmente o uso de agrotóxicos, proporcionando hortaliças mais seguras para o consumo. Tem aumentado também a utilização de práticas alternativas de controle de pragas e doenças, como o uso de armadilhas, o controle biológico e o manejo integrado.

Por outro lado, o manejo inadequado da agricultura protegida pode trazer problemas graves com potencial de inviabilizar a produção. O uso inadequado de implementos agrícolas, a compra de mudas sem procedência garantida, por exemplo, tem aumentado a incidência de nematoides em solos de cultivo protegido, problema para o qual há poucos tratamentos além do uso de variedades resistentes. Problema semelhante tem ocorrido pelo uso contínuo de uma mesma espécie, muitas vezes de uma mesma variedade, sem nenhum tipo de rotação de culturas, com acúmulo principalmente de doenças de solo e acúmulo de nutrientes.

A utilização de técnicas de irrigação localizada, como o gotejamento ou a microaspersão, associadas com a aplicação de adubos de alta solubilidade através da própria irrigação, técnica chamada de fertirrigação, tem permitido altas produtividades com um uso muito mais eficiente de insumos, principalmente água e nutrientes. Por serem insumos caros, é indispensável que o produtor conheça as características físicas e químicas dos solos, bem como as necessidades hídricas e nutricionais das espécies cultivadas, para evitar a ocorrência de problemas de difícil resolução como a salinização e o adensamento dos solos.

O acúmulo de problemas de solo em razão de práticas inadequadas de manejo tem levado muitos produtores a optarem  por técnicas de cultivo sem solo, como a hidroponia e a semi-hidroponia (cultivo em substratos como perlita, fibra de coco, areia, entre outros). Neste tipo de cultivo, as plantas são ao mesmo tempo hidratadas e nutridas por meio de soluções nutritivas contendo todos os nutrientes essenciais em concentrações suficientes para o desenvolvimento normal. Estas soluções devem ter sua acidez e sua condutividade elétrica periodicamente monitoradas para garantir que os nutrientes estejam nas concentrações e formas adequadas para que as plantas os possam absorver. Esses sistemas exigem que o produtor se prepare, indo além da mera execução de práticas agrícolas convencionais.

Entre as principais vantagens do cultivo hidropônico, destacam-se: ciclos de produção mais curtos; possibilidade de uso do espaço vertical na casa de vegetação; maior produtividade; menor necessidade de mão de obra; menores riscos de salinização do meio de cultivo; menores riscos de poluição do lençol freático; menor incidência de doenças e pragas. Algumas dessas vantagens advém da adoção do cultivo protegido em si, outras do uso da hidroponia.

O cultivo protegido não é milagroso: o investimento inicial é alto; há necessidade de conhecimento técnico multidisciplinar. Se não for feito profissionalmente, os problemas aparecem rapidamente (em torno de 3 anos) e sua resolução pode ser difícil e cara. Os segredos para o cultivo protegido são planejamento e manejo. O resultado é a intensificação sustentável da produção e rentabilidade para o produtor.

Manejo e controle de plantas daninhas

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Transição agroecológica

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Melhoramento genético da batata-doce

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Embrapa desenvolve pesquisas para melhoramento genético da alface

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Conexão Ciência: Nematoides em hortaliças

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Conexão Ciência: Produção de hortaliças no Brasil

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Papel da pesquisa científica na produção de hortaliças no Brasil

 

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Na década de 70, a maior parte da produção de hortaliças do Brasil se concentrava na região Centro-Sul do país, principalmente nos climas mais amenos. A real tropicalização da produção de hortaliças ainda estava por vir. A adaptação das culturas nas diferentes regiões brasileiras, desde o Sul subtropical, passando pelo Nordeste semi-árido, até o Norte tropical quente e úmido, dependeu do acúmulo e aplicação de profundos conhecimentos de genética, fisiologia e ecologia dos cultivos, química, física e biologia dos solos. Atualmente o Brasil testemunha a expansão da produção de hortaliças em ambiente protegido, o que tem se tornado possível graças ao conhecimento, além do comportamento das plantas e do solo, da física do ambiente interno nesse tipo de estrutura.

O avanço da produção de hortaliças no Brasil tem sido resultado em grande parte da aplicação, no agroecossistema, de conhecimento gerado por estudos em ciências básicas. Um caso emblemático foi a expansão da agricultura brasileira para as extensas áreas de terras planas e mecanizáveis do Brasil Central conhecidas como Cerrado. Os solos dessas regiões são quase invariavelmente muito intemperizados, ácidos e com alta atividade de alumínio. Para agravar o desafio, estes solos são também pobres em cálcio, magnésio e fósforo. Embora a tortuosa vegetação do Cerrado fosse bem adaptada a este ambiente, para que a ocupação desta área pela agricultura fosse possível, foi necessário aprofundar o conhecimento da mineralogia e da química destes solos, o conhecimento do comportamento de sorção dos nutrientes e sua ação sobre a fisiologia vegetal. Posteriormente, foi preciso estudar maneiras de diminuir ou neutralizar a acidez dos solos e aumentar a atividade química do cálcio, do magnésio e, principalmente, do fósforo.

Os solos do Cerrado são intemperizados e pobres do ponto de vista nutricional porque essa região recebe anualmente uma grande quantidade de precipitação, associada a longos períodos de temperatura relativamente alta. A maior parte das hortaliças consumidas no Brasil é originária de regiões de clima temperado. Inicialmente essas espécies mostravam muito pouca adaptação às condições de clima e solo do Cerrado. É notável, por exemplo, o caso da cenoura. Até o início da década de 80 do século XX, essa espécie era tipicamente cultivada nas condições amenas de outono-inverno do centro-sul do país. Isso tornava a cultura escassa, seus preços eram elevados e a parcela da população que a consumia era pequena. Em 1981 a Embrapa Hortaliças lançou a cultivar Brasília, adaptada a temperaturas e pluviosidades elevadas e com alta resistência à doença conhecida como queima-das-folhas. O lançamento dessa cultivar permitiu a expansão do cultivo da cenoura a regiões tropicais como o Cerrado, o Nordeste e mesmo o Norte do Brasil.

O desenvolvimento de uma variedade como a Brasília exige a aplicação de uma gama enorme de conhecimentos. Em primeiro lugar é necessário um profundo conhecimento da fisiologia e da genética da espécie. De posse dessas informações, o agrônomo melhorista precisará dominar estatística e genética populacional. A resposta de uma espécie não dependerá apenas de sua genética, mas também da interação desta com o meio-ambiente. Sem conhecer ecologia e, principalmente, ecofisiologia das culturas, é quase impossível realizar um trabalho eficiente de melhoramento vegetal, principalmente quando se pretende adaptar uma espécie a condições de solo e clima diferentes daquelas onde a espécie se originou.

O melhoramento de plantas é na verdade uma seleção dirigida, na maior parte dos casos. Se o que se deseja é uma planta resistente a Ralstonia, deve-se expor uma população razoavelmente grande e variável ao patógeno e se selecionar, por um número x de gerações, aquelas plantas mais resistentes ou tolerantes, utilizando-se inclusive cruzamentos entre materiais com resistência ou tolerância diferenciada. Ao final do processo, espera-se ter uma linhagem ou linhagens com a característica desejada bem fixada para que se possa comercializá-la.

Um fator ecológico crucial limitando a adaptação de hortaliças e outras espécies de uso agrícola às condições tropicais é a ocorrência de microrganismos causadores de doenças e de artrópodes indesejados agindo como pragas. As condições de altas umidades e temperaturas em geral são muito propícias para aumentar a incidências de doenças e pragas agrícolas. O entendimento do comportamento desses organismos indesejáveis no cultivo em altas populações e sua interação com o agroecossistema é fundamental para o desenvolvimento de técnicas de controle dos mesmos e de adaptação das culturas a estes organismos. Ultimamente tem ganho importância também o estudo das interações entre diferentes microrganismos, entre microrganismos e artrópodes e entre diferentes artrópodes com o objetivo de avançar as técnicas de controle biológico de patógenos e pragas. Associando o conhecimento assim gerado com as informações sobre a genética das plantas cultivadas, é possível conduzir programas de melhoramento genético vegetal visando selecionar plantas mais tolerantes ou resistentes a doenças e pragas.

Ao contrário de outras culturas, nas quais o mais importante é a quantidade produzida, nas hortaliças a qualidade do produto é fundamental. Pouco importa uma grande produtividade de tomates fora do padrão exigido pelos consumidores. O desenvolvimento de novas cultivares não pode deixar de levar em consideração aspectos de qualidade do produto produzido, preferência dos consumidores, resistência ao transporte e vida de prateleira. São características aparentemente prosaicas mas cujo estudo demanda firme conhecimento em ciências básicas. No mercado brasileiro de tomates a preferência dos consumidores tem se voltado para as variedades do tipo cereja ou grape.

O mercado desse segmento é muito exigente, demandando frutos com pH ideal, firmeza, boa conservação pós-colheita, coloração vermelha intensa e teor de sólidos solúveis (Brix) elevado. De fato, a principal característica que propiciou a recente expansão de consumo do segmento cereja ou grape é o sabor adocicado (ou alto Brix). Os componentes mais importantes do Brix no tomate são os açúcares (glicose e frutose) e os ácidos orgânicos (ácido cítrico e ácido málico). Estudos recentes têm mostrado que o glutamato pode também contribuir para o Brix do tomate, sendo a relação glutamato/açúcares um importante componente de sabor do tomate. As variedades disponíveis no mercado apresentam grandes variações no teor de sólidos. Além do híbrido/cultivar utilizado, vários fatores ambientais e fatores associados com manejo da cultura podem levar a uma variação no valor de Brix. Por exemplo, podemos citar: temperatura diurna e noturna, precipitação pluviométrica (em cultivos de campo aberto), intensidade e severidade de doenças foliares e sistemas de adubação.

Regiões do Brasil onde a temperatura noturna cai rapidamente após o pôr-do-sol e se mantêm amenas (permitindo maior translocação de sólidos para os frutos) tendem a favorecer a produção de frutos com melhor Brix. O manejo inadequado da frequência, intensidade e período de irrigação também pode levar a uma redução do Brix. Em geral, irrigações muito intensas próximas da época da colheita reduzem o Brix. Por outro lado, a paralisação precoce da irrigação pode aumentar o Brix, mas pode também afetar negativamente a produtividade. Irrigação por gotejo aumenta a produtividade, mas, em geral reduz o Brix. Manter a relação nitrogênio/ potássio N:K (1:2), manter os frutos na planta até pleno amadurecimento, suplementação de cálcio em condições de temperaturas mais elevadas são outros exemplos de práticas que, aparentemente, apresentam efeitos positivos sobre o Brix.

A moderna produção de hortaliças deve encarar prementes desafios – mudanças climáticas, escassez de recursos naturais, população crescente, escassez de terras, poluição. Como forma de minimizar os impactos negativos das mudanças climáticas na produção agrícola, mecanismos adaptativos têm sido propostos. No melhoramento genético, a busca por variedades adaptadas aos estresses térmicos e hídricos, a maiores níveis de radiação, com maior albedo e mais eficientes na utilização de fertilizantes são alguns dos principais pontos discutidos. Outros mecanismos adaptativos, agora associados aos sistemas de produção, podem também surtir bons efeitos.

Um programa de agricultura de baixo uso de insumos deve antes de qualquer coisa procurar utilizar variedades  comprovadamente mais eficientes no uso de nutrientes. Caso estes não existam ou não estejam disponíveis, deve-se criar programas de melhoramento que visem explicitamente o desenvolvimento de variedades menos exigentes e mais eficientes na utilização de nutrientes, mesmo que para isso seja necessária a utilização de técnicas de biotecnologia, caso se queira atingir altas produtividades. Esta seleção obrigatoriamente deverá ser feita expondo-se vários materiais a solos ou soluções nutritivas mais pobres em nutrientes e selecionando-se os materiais que se saiam melhor.

São muitos os presentes e futuros desafios na produção de hortaliças. Para enfrentar esses desafios o Brasil tem utilizado conhecimento científico básico e aplicado, gerado por instituições de pesquisa brasileiras e estrangeiras. Uma agricultura de sucesso precisa de agricultores bem preparados, de uma assistência técnica atuante e de pesquisadores em Ciências Agrárias e correlatas com rigorosa formação científica e dispondo de recursos e de uma estrutura institucional que incentive o fazer científico e a inovação.

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