Conexão Ciência: Desperdício de alimentos

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Hortaliças e inflação

As hortaliças têm sido acusadas de contribuírem para o aumento da inflação, em grande parte devido à sazonalidade de oferta e de preços ao longo do ano, ou seja, por grandes variações nos preços dependendo da quantidade de oferta dos produtos hortícolas de acordo com as estações. Isso parece acontecer particularmente com as espécies tomate, cebola, batata, cenoura e alface. Essas espécies não são produzidas em todas as regiões do Brasil em todas as épocas do ano. Na verdade, boa parte das hortaliças que em geral consumimos são originalmente de climas temperados ou frios e ainda não estão bem adaptadas a condições realmente tropicais, quentes e úmidas. Por uma série de razões, ainda não se consegue produzir satisfatoriamente  tomate, cenoura e batata na região Amazônica, por exemplo.

Até o início da década de 80 do século XX, as variedades de cenoura plantadas no Brasil eram exclusivamente variedades chamadas “de inverno”, as quais produziam exclusivamente no Sul do país. Com o desenvolvimento e lançamento da variedade Brasília, primeira variedade de cenoura dita “de verão”, resistente a condições mais quentes, esta olerícola deixou de ser uma espécie raramente vista nas mesas e nos pratos brasileiros, houve um decréscimo nas variações sazonais de oferta da mesma e os preços também deixaram de variar tanto. Aliás, a tropicalização de várias espécies agrícolas é uma das causas do sucesso da agricultura brasileira. O que poderia ser feito para diminuir o impacto da variação sazonal? Do ponto de vista técnico, tenho algumas ideias, que gostaria de explorar aqui.

Em primeiro lugar, acredito que o que foi feito para a cenoura deveria ser feito, se possível, também para outras culturas. A tropicalização de espécies agrícolas não é uma tarefa fácil e não se limita a inserir tolerância a altas temperaturas. Junto com altas temperatura e umidades vêm as doenças, principalmente fúngicas e bacterianas. Para hortaliças, não há possibilidade de tropicalização sem resistência ou pelo menos tolerância a doenças. Um grande desafio para a produção de solanáceas, como tomate e pimentão, na região Norte do Brasil, é a presença praticamente ubíqua de uma bactéria, a Ralstonia solanacearum, que causa a murcha bacteriana, nos solos daquela região.

O sucesso do cultivo não se limita à disponibilidade e à escolha de cultivares adequadas. Todo o sistema de produção deve estar adaptado às condições climáticas, de solo e mesmo culturais regionais. Há algum tempo presenciei um agricultor de Manaus que adquirira estufas israelenses e tentava produzir alface dentro das mesmas. A temperatura média certamente superava o conforto térmico da espécie e as plantas de alface rapidamente pendoavam, mesmo as de variedades com alguma adaptação ao calor.

Embora no exemplo anterior a escolha de estruturas protegidas não tenha sido adequada, não há dúvidas de que a garantia de disponibilidade mais homogênea de hortaliças ao longo do ano passa pela adoção mais ampla do cultivo em ambiente protegido. Aliás, uma das razões por que se migra para a agricultura protegida é a possibilidade de se produzir quando e onde normalmente não seria possível. Ainda há lacunas no conhecimento e na disponibilidade de tecnologias de controle ambiental para uma maior disseminação do cultivo protegido em regiões tropicais como boa parte do Brasil, mas já há equipes trabalhando intensamente no assunto.

A concentração da agricultura protegida ao redor de centros urbanos, maiores consumidores de hortaliças, torna possível a aproximação dos centros produtores e dos centros consumidores, diminuindo as perdas devidas ao transporte inadequado de longas distâncias. As perdas pós-colheitas certamente têm um papel importante na oferta de hortaliças e consequentemente nos preços. Para algumas espécies, no Brasil, as perdas após a colheita chegam a 40%, por uma série de razões. Ainda na fazenda há perdas, principalmente por armazenamento inadequado – poucas são as propriedades com casas de embalagem (packing houses) ou estruturas de refrigeração. O próprio padrão exigido dos produtos é causa de perdas em alguns casos. Estima-se, por exemplo, que pelo menos 20% da cenoura produzida na região do Alto Paranaíba, em Minas Gerais, perdem-se no campo simplesmente porque não exibem o padrão de tamanho e grossura exigidos pelo mercado.

Perdas pós-colheita são um problema extremamente complexo. As causas das perdas, não apenas de hortaliças, são várias. Perde-se nas propriedades, perde-se no transporte em estradas de má qualidade, em caminhões sem refrigeração, com acondicionamento inadequado. Perde-se quando o produtor “tomba” ou transfere seu produto de suas caixas, não raro de madeira, para as caixas de comerciantes nas centrais de abastecimento, onde as hortaliças via de regra permanecem sem refrigeração até irem para os supermercados, onde igualmente se perde pelo empilhamento excessivo nas prateleiras, que continuam sem refrigeração.

Enfim, há muito o que se fazer, em termos de pesquisa, mas principalmente em termos de transferência de tecnologia e de subsídios públicos. Vários atores devem conversar harmoniosamente – Ministérios da Fazenda, da Agricultura, do Desenvolvimento Agrário, do Planejamento, instituições de pesquisa e de extensão rural, agências de fomento. O setor de produção de hortaliças se ressente da ausência de estatísticas confiáveis e atualizadas – dados econômicos, mas também geográficos e de produção, para que se possa planejar racionalmente a produção.

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