A hora do planeta no Brasil, iniciativa sem sentido?
Por Carlos Pacheco
Parece-me que as duas últimas semanas marcaram o “renascimento” do “terrorismo ambiental” no Brasil. Todos sabemos das repercussões dadas, pelo grande público, aos programas apresentados pela grande mídia, principalmente aqueles veiculados em programas já consagrados. Alguns desses programas iniciaram há algumas semanas um bombardeio de informações sobre o aquecimento global e suas consequentes mudanças climáticas. Diga-se de passagem, grande parte dessas informações ainda sem respaldo científico algum.
Como já comentei em outros posts aqui publicados, é preciso que sejamos criteriosos ao discutir-se assuntos tão importantes e com consequências tão sérias. Trabalhar como “lobistas” do tempo não levará a resultados positivos e sim, a um grande alarmismo sem fundamentação adequada e com resultados práticos duvidosos.
Tome-se por exemplo a Hora do Planeta. Qual o sentido de apagar-se as luzes em um país cuja energia elétrica gerada é “essencialmente limpa”? Honestamente não sei. Para ser sincero até vislumbro algo no sentido de chamar atenção, mas nenhuma ação econômica efetiva. Seria mais lógico uma grande mobilização nacional pelo combate ao desmatamento, não só da Amazônia, mas também do Cerrado, da Mata Atântica, etc… Ações contra o uso abusivo de automóveis, contra o consumismo exarcebado e, principalmente, a favor da modernização e do uso do transporte público também seriam muito mais efetivas do que acompanhar os “modismos ambientais mundiais”. Talvez eu esteja equivocado em chamar tal ação de modismo ambiental, até porque, no exterior, tal ação é mais plausível, sobretudo em grande parte dos países desenvolvidos, cuja energia provém de matriz “suja” (queima de combustíveis fósseis, em geral).
É preciso que falemos menos e ajamos mais. Precisamos entender melhor o que está acontecendo e aí sim tomarmos atitudes adequadas. É óbvio que o consumismo exagerado tem que ser combatido. É óbvio também que necessitamos mudar alguns de nosos hábitos diários. Isso todos sabemos. Entretanto, ainda temos dúvidas básicas a respeito dos fenômenos do clima. Talvez a maior delas é saber se o aquecimento é ou não antropogênico ou, ainda, qual a porcentagem de culpa de cada uma delas. Outras tantas dúvidas existem. O que se sabe é que ainda é muito, mas muito cedo mesmo para atribuírmos culpa única e exclusivamente à vertente antropogênica.
Portanto eu digo, estudemos mais, leiamos mais, pensemos mais e pesquisemos mais. Após esses pequenos exercícios estaremos preparados para combater, efetivamente, o que estar por vir. Estaremos também melhor preparados para reduzir nossa vulnerabilidade em relação a tais fenômenos. Enfim, sejamos mais “ambientólogos” e menos ambientalistas.
Soluções fáceis para a agricultura: análise química do solo
O cidadão leigo, preocupado com sua saúde e com a saúde do planeta, acostumou-se a ouvir, e repetir, que a agricultura é das grandes culpadas por problemas de contaminação ambiental pelo uso excessivo de agroquímicos. Isto, em grande parte, é verdade. O que não se costuma avaliar em profundidade são as causas deste uso aparentemente indiscriminado de produtos potencialmente contaminadores do meio. Apesar de muitos identificarem agrotóxicos com agrotecnologia, acredito que este uso excessivo de produtos tóxicos é resultado da raridade com que o agricultor médio faz uso do conhecimento tecnológico desenvolvido pelas ciências agrárias.
Claramente, em plantios extensos de uma mesma cultura, a disponibilidade fácil de comida é um grande atrativo para artrópodes e microrganismos danosos à produção agrícola. Mas a simples presença da cultura no campo não é a única causa dos ataques de organismos adventícios. Certos insetos, ditos sugadores, como os pulgões ou afídeos, têm sua tarefa facilitada pelo estado do tecido vegetal atacado. Uma planta bem nutrida tenderá a oferecer mais resistência ao assédio destes insetos. Por bem nutrida, certamente não quero dizer nutrida em excesso, pelo contrário. Inúmeros trabalhos têm demonstrado que adubações nitrogenadas excessivas, logo desequilibradas, favorecem o ataque de pulgões.
Em solos ácidos, o cálcio e o fósforo, nutrientes essenciais aos vegetais, encontram-se em geral em quantidades pequenas e em forma não disponível às plantas. Ora, estes dois elementos, principalmente o cálcio, são dos grandes responsáveis pelo aumento da resistência da parede celular e, logo, dos tecidos vegetais. Uma maneira efetiva e razoavelmente barata de se corrigir a acidez dos solos e melhorar muito a disponibilidade de cálcio e fósforo é a aplicação de calcário ou carbonato de cálcio aos solos com pH abaixo de 6,0. A pergunta óbvia é: mas isso não é prática comum? Nem tanto.
Uma ferramenta que todo agricultor deveria quase ser obrigado a utilizar antes de qualquer plantio é a análise química de seu solo. Infelizmente, uma expressiva parte dos produtores agrícolas não acredita na necessidade desta prática e não faz. A análise química dos solos permite que se saiba com segurança e quantitativamente o que há, em termos de nutrientes, nos solos e, de acordo com características físicas do solo e com a cultura que se deseja implantar, o agrônomo pode recomendar as doses exatas de adubos a ser aplicadas e se há a necessidade de se por o calcário. Sou capaz de apostar que agricultores que procedem à análise rotineira dos solos e seguem as recomendações têm muito menos problemas de ataques de pragas e doenças em suas culturas e consequentemente usam bem menos agrotóxicos.
A questão não se resume apenas a diminuir a utilização de biocidas. Sem a análise do solo, as adubações são feitas na base da adivinhação. Com toda certeza, a possibilidade de se adubar de menos ou de mais se tornam maiores. Adubações insuficientes trarão produtividades menores do que o potencial da cultura. Adubações excessivas podem aumentar problemas com pragas e doenças, contaminar o solo e a água e, pior do ponto de vista do produtor, são um gasto desnecessário, diminuindo a já minguada margem de lucro do agricultor. Adubos são caros, análises de solo, não. A resistência a esta prática simples é a causa de muitos problemas e insucessos e se deve a uma série de fatores: baixo nível educacional dos agricultores, extensão rural ineficiente… e a ausência de exigência pelo consumidor.
É muito fácil ser um jornalista frívolo
A senhora Ruth de Aquino, jornalista da Época, escreveu recentemente esta bobagem imensa, adotando a tão pouco original mas aparentemente apreciada posição de se ridicularizar cientistas e pesquisas científicas.
Reforçar estereótipos consagrados é uma fórmula fácil de sucesso. Vender o cientista como um nerd distanciado dos assuntos mundanos é a forma mais eficiente que pessoas medíocres encontram de minimizar a inteligência, o esforço e a perseverança de quem resolve ser pesquisador. É muito mais cômodo ridicularizar os outros do que reconhecer a própria mediocridade.
Além dos estereótipos consagrados, a balança politicamente esquerdista tem enfatizado a necessidade de pesquisas científicas de relevância social imediata. A pesquisa básica, grande responsável pela revolução tecnológica por que passamos, jamais seria realizada se fosse necessário demonstrar sua relevância social. Darwin não seria jamais reconhecido como o maior pensador e um dos maiores cientistas da História se se guiasse pela relevância social do que lhe ocupou a mente por toda a vida. Nem preciso falar de Einstein, Feynman, Hawking. Mas à senhora de Aquino nada disso importa. Interessante mesmo é vender um texto “engraçado”.
Em um país com um dos maiores níveis de analfabetismo científico, inclusive entre as classes ditas cultas, não há como se surpreender com um artigo tão tolo, parcial e fútil quanto esse. É muito fácil rir da ciência quando não se tem idéia do que é uma amostragem estatisticamente válida, quando nada se sabe das infindáveis horas em laboratórios, casas de vegetação, bibliotecas e salas de aula necessárias para que se possa formar um cientista. Muito fácil rir de pesquisas científicas quando se está com a barriga cheia da comida barata e de qualidade possibilitada pela pesquisa científica. Tremedamente cômodo criticar pesquisadores escrevendo frivolidades em um computador desenvolvido a partir das pesquisas deles. Frivolidades que são lidas pela mesma internet fruto do trabalho intenso dos cientistas malucos de quem é tão divertido escrever mal. Não duvido que a senhora de Aquino seja das pessoas “cultas” que se orgulham de sua iliterácia científica.
O sol, a terra, a Embrapa e a UFV
Sempre que possível, evito toda e qualquer ocasião de ser bairrista, fisiologista, ufanista e outros istas, mas uma notícia recente divulgada no portal de notícias da Universidade Federal de Viçosa (UFV) me deixou rindo de orelha a orelha e com um orgulho danado. Em visita ao vice-presidente da República, Sr. José Alencar, o reitor da UFV, professor Luiz Cláudio Costa, de quem fui aluno no mestrado na disciplina Meteorologia Agrícola, em que consegui meu primeiro A, ouviu estas palavras do experiente político:
“Reitor, eu sempre falo com o presidente Lula e por onde ando por esse mundo: a Agricultura Brasileira tem sol, terra, Embrapa e a UFV”. Não é por eu ter feito toda minha pós-graduação na UFV nem por ser empregado da Embrapa, mas fiquei com a impressão de que o vice-presidente, além de resistente, é uma sábia pessoa.
É nóis na fita!
Blogs de ciência versus Jornalismo científico, uma polarização inexistente
Sempre na mais adiantada vanguarda de qualquer assunto referente ao meio científico, a Nature de ontem publicou a reportagem Science journalism: Supplanting the old media?, escrita por Geoff Brumfiel, tecendo numerosos e relevantes comentários acerca de pesquisa que demonstrou a gradual eliminação de seções dedicadas à Ciência em meios de comunicação tradicionais. Pelo que se lê no ensaio, os blogs de Ciências, notadamente aqueles escritos por cientistas praticantes, têm cada vez mais influência na comunicação de fatos científicos, tanto para leigos quanto para jornalistas científicos. O autor e alguns entrevistados chegam a aventar a possibilidade de uma polarização, um conflito de interesses pela sobreposição de funções. Não acredito que realmente exista, ou devesse existir um tal conflito.
Meu ponto de vista é de que os blogs de ciência podem em grande parte complementar o jornalismo científico tradicional. O blog de ciência, além do viés noticioso, tem um viés principal educativo. Não se trata apenas de saber o que está sendo ou foi feito, mas de entender, ainda que incipientemente, de que modo e por que se faz determinada pesquisa, entre outras coisas. Junto a uma notícia, uma noção, e razoavelmente confiável porque obtida de alguém da área. Como bem diz John Timmer, um dos entrevistados, “A idéia [do blog de ciência] é disponibilizar às pessoas já interessadas em ciência um vislumbre maior de como a pesquisa funciona”.
Não se sugere que os blogs de ciência substituam os meios tradicionais de divulgação. No entanto, o viés educativo dos blogs, se bem e independentemente feito, pode permitir o incremento do senso crítico do próprio leitor ao lhe disponibilizar, além de uma simples notícia, um ensinamento. Achar, como afirmam alguns dos entrevistados na matéria, que um blogueiro cientista será inevitavelmente menos independente ou crítico que um jornalista é ingenuidade ou simples má fé. Aliás, o blogueiro típico em geral inicia seu blog voluntariamente, sem pagamento algum que não a esperança de que alguém o leia e comente. Não há como ser mais independente. Não há um editor a lhe observar por cima do ombro ou uma política editorial (muitas vezes influenciada pela política real) a lhe vigiar as palavras.
Os colegas de ScienceBlogs PZ Myers e Bora Zivkovic, também ouvidos, ecoam as reclamações de muitos pesquisadores ao falar das distorções de suas palavras em reportagens sobre ciência na mainstream media, geralmente utilizando um tom sensacionalista para vender que, ao invés de informar, tem sido a ênfase de muitos órgão tradicionais. O sensacionalismo irresponsável compromete a confiabilidade das informações e até mesmo a percepção pública da ciência.
O blog de ciência independente, creio eu, tem o potencial de corrigir estas distorções. Antes de ser uma ameaça, o blog de ciência é um complemento importante ao jornalismo científico tradicional, ao elevar o nível do discurso e realmente divulgar o conhecimento científico.
A conturbada relação entre plantas cultivadas e espécies invasoras
Ao contrário do que afirma a crença popular, nos campos de cultivo quem se atrai geralmente são os iguais. Qualquer um que tenha eventualmente observado um plantio de espécies agrícolas terá certamente notado a incômoda, do ponto de vista dos agricultores, insistência de certas espécies não cultivadas, variavelmente chamadas de ervas daninhas, espécies invasoras, inço, mato. Em aulas de Agroecologia do mestrado, aprendi a chamá-las de espécies adventícias. Costumam se reproduzir exuberantemente no mesmo espaço das plantas cultivadas e com estas competir por água, nutrientes e luz, muitíssimas vezes de forma tão eficiente a, não intervindo o homem, sufocar a cultura.
O fato de competirem tão acirradamente é resultado de ambos os grupos de espécies, cultivadas e adventícias, estarem adaptadas para ocupar o mesmo nicho ecológico. Espécies de interesse agrícola e plantas invasoras são igualmente filhas do desequilíbrio. As ancestrais plantas que hoje se usa na agricultura naturalmente ocupavam áreas abertas, de alguma forma perturbadas, com solo exposto e nutricionalmente rico e onde havia menor competição de outros grupos de espécie. Antes do advento da agricultura, eram encontradas em clareiras abertas por eventos naturais, tais como incêndios, em barrancas de rios, deslisamentos etc. Aqueles familiares com a região semi-áridas conhecerão talvez as espécies herbáeas que, no ansiosamente esperado fim da estação seca, rapidamente germinam e se desenvolvem logo após as primeiras chuvas. São espécies de crescimento rápido que investem a maior parte de seus recursos fotoassimilados em estruturas de reprodução, tecnicamente conhecidas como estrategistas-r. A agricultura nada mais é do que um aproveitamento e melhoramento destas tendências naturais.
O ser humano, mesmo antes de realmente “inventada” a agricultura, produzia nas cercanias de seus aglomeramentos um ambiente perturbado muito semelhante ao habitat natural destas espécies. A atividade humana ofereceu uma oportunidade ímpar à reprodução destas plantas. De certa forma, mesmo antes de serem domesticadas estas espécies acompanharam as caminhadas e acampamentos humanos.
O uso ancestral do solo como repositório dos restos da presença e atividade humana, enriquecendo-o nutricionalmente, sob a “ótica” vegetal, imitava de forma muito próxima as características dos solos perturbados onde vicejavam estas espécies. Assim, as altas necessidades em insumos (adubo) requeridas pelas culturas modernas não são apenas resultado do melhoramento dirigido, mas característica própria de suas ancestrais ainda antes da agricultura.
Ao observarem o aparecimento destas espécies de abundantes frutos, muitos comestíveis, em seus monturos, nossos ancestrais foram, lentamente, quase induzidos à domesticação das espécies mais favoráveis e ao inevitável desenvolvimento da agricultura. Havia inicialmente uma série de espécies a ser potencialmente cultivadas. As que não foram, foram enfim consideradas indesejadas, invasoras e daninhas. São irmãs e primas descartadas das culturas. Ao longo do tempo, muitas espécies inicialmente consideradas adventícias e invasoras de cultivos específicos passaram, por uma série de razões, a ser também cultivadas. É o caso do centeio, inicialmente uma invasora de campos de trigo. Aveia, rúcula e tomate também tiveram esta humilde origem.
Introducing ourselves to the world
I believe that the launching of ScienceBlogs Brazil will attract some international audience, and as Portuguese is not yet a widely spoken language, a brief introduction in English may be a good action.
First things first, Geofagos means Geophages. All of the authors of Geofagos are Soil Scientists and firmly believe that the soil is the key to the proper functioning of the environment and of human society. The name of this blog was largely intended as an homage to Charles Darwin’s last book, The formation of vegetable mould through the action of worms, with observations on their habits, in which he beatifully described how earthworms, geophagous animals, slowly build the organic matter rich upper horizon of soils from temperate regions. Earthworms, along with termites, play an outstanding role in maintaining the health and quality of soils from tropical regions, especially the very deep Oxisols, known to us as Latosols.
Brazil has recently received international attention because of its many environmental and social problems, but we are also known for our impressive tropical agriculture (bio)technology. There is no doubt that agriculture has, in many instances, increased the environmental crisis in which we live, but agricultural technology advances have also saved millions of lives from this terrible disease, famine. We believe that agriculture’s negative impact to the natural world can be greatly avoided by the knowledge and utilization of appropriate agronomic techniques. That’s what we want, spread that knowledge.
We are very happy and excited by the opportunity to be part of the ScienceBlogs outstanding group of bloggers.
Apresentação ao mundo
Não pude desperdiçar a oportunidade de escrever o primeiro post da mais nova encarnação do Geófagos. Certamente novos leitores surgirão, então um pequeno histórico pode ser relevante.
O nome Geófagos foi inspirado em dois eventos aparentados. Quando decidi criar o blog Geófagos, eu acabara de cursar minha última disciplina no doutorado em Solos e Nutrição de Plantas na Universidade Federal de Viçosa, disciplina chamada Pedogeomorfologia, que resumidamente trata da interação entre a geologia e o relevo influenciando a formação dos solos e estes “retroinfluenciando” os dois primeiros. O professor, Carlos Schaefer, durante toda a disciplina enfatizou o papel crucial da biota do solo sobre a formação e características dos solos tipicamente tropicais, como os Latossolos. Minhocas e cupins são os principais atores nesta peça milenar, ambos geófagos. Neste mesmo período eu estava lendo fascinado o último livro publicado por Charles Darwin, The formation of vegetable mould through the action of worms, with observations on their habits, que entre outras coisas trata da surpreendente ação das minhocas na formação da camada superficial, enriquecida em matéria orgânica, de solos de regiões temperadas. Novamente, geófagos fazendo solos.
Por fim, inspirado na minha impressão de que, afinal, somos todos geófagos, estava decidido o nome do blog. A decisão de escrever um blog de divulgação científica surgiu, primeiramente, pela ânsia de expor em linguagem clara o muito ou pouco que eu até então aprendera ou fizera em ciência; e pela constatação de que muitos dos blogs de ciência que eu então lia, a maioria extintos, discutia muito a divulgação científica mas não divulgava nada. A vocação, por assim dizer, de divulgador científico foi despertada em mim pela leitura fascinante da coluna que o saudoso paleontólogo americano Stephen Jay Gould mantinha na revista Natural History. Controvérsias à parte, ninguém escreveu sobre ciência tão bem quanto Gould, sinceramente acredito.
A primeira versão do Geófagos foi timidamente lançada em julho de 2006, na plataforma Blogspot. Quando realmente vi que havia leitores interessados e que o tempo não era perdido, resolvi “profissionalizar” o blog um pouco mais, principalmente em termos de visual, e mudei para o WordPress. Nesta segunda fase convidei alguns amigos do doutorado para escrever conjuntamente o Geófagos e a tarefa foi aceita pelo Carlos Pacheco, pelo Elton Valente e pelo Juscimar Silva. Elton e Juscimar, assim como eu mesmo, terminaram já o doutorado. O Pacheco está nos finalmentes. Crescemos, recebemos mais leitores do que ousáramos desejar e fomos enfim convidados pelo Carlos Hotta e pelo Átila Iamarino para fazer parte do condomínio de blogs de ciência Lablogatórios. Aceitamos entusiasticamente e não nos arrependemos.
O espírito empreendedor de Hotta e Iamarino abriram as portas para que pudéssemos hoje publicar o Geófagos na versão brasileira da maior plataforma de blogs científicos do mundo. É uma oportunidade que desejávamos mas que nem sempre acreditamos possível. Para mim em especial, esta nova etapa do Geófagos vem acompanhada de perto de uma nova e feliz etapa profissional como pesquisador da Embrapa Hortaliças. O ano de 2009 será sem dúvida memorável. Faremos tudo para manter e melhorar a qualidade dos posts publicados no Geófagos e tentaremos ser uma referência para aqueles que procurarem informações acessíveis sobre Ciência do Solo, Agricultura e Meio Ambiente. Que o Geófagos viva.
Combater a fome na África ensinando os africanos a plantar
No tempo em que o forró era um gênero musical realmente representativo da cultura popular e não uma coleção vulgar de obscenidades, era ainda possível ouvir pérolas de verdade da boca de um Luiz Gonzaga, bonitamente declamando que “uma esmola para um homem que é são ou lhe mata de vergonha ou vicia o cidadão”.
Em um breve artigo publicado na edição de hoje da Nature, o agrônomo e cientista do solo Pedro Sanchez, pesquisador sênior do Earth Institute da Columbia University defende ser muito mais barato aos países desenvolvidos financiarem a assistência técnica e a adoção de tecnologias agrícolas mais avançadas por parte de agricultores pobres africanos do que enviar comida para os mesmos. Trocando em miúdos, é mais barato ensinar a pescar do que dar o peixe. Segundo Sanchez, enquanto se gasta US$812,00 para comprar, embarcar e distribuir uma tonelada de milho africano em África, doar aos fazendeiros africanos os fertilizantes, as sementes e prover a assistência técnica para que produzissem sua própria tonelada de milho custaria aos cofres americanos US$135,00, cerca de seis vezes menos! A adoção adequada de tecnologia agrícola moderna, acompanhada de assistência técnica, traria ainda aos agricultores e países africanos assolados pela fome a tão desejada auto-suficiência alimentar, livrando-as, pelo menos parcialmente, da incômoda dependência de outros países. Sanchez apresenta dados de locais onde se disponibilizou sementes melhoradas, fertilizandes e apoio técnico em que a produtividade do milho pulou de 1,7 tonelada por hectare para 4,1 toneladas por hectare, mais que o dobro – exatamente o que comentamos neste outro post. Mas os argumentos econômicos por si talvez não sejam suficientes para convencer os americanos de que a opção mais lógica e econômica seja a melhor: os já bastante subsidiados agricultores americanos perderiam um certamente lucrativo mercado.
Mas nem todos os americanos pensam igualmente. Fale-se o que se quiser de Bill Gates, não há como não o admirar. A Fundação Bill e Melinda Gates recentemente contactou a Embrapa buscando “alternativas para contribuir com o aumento da produtividade agrícola em até 11 países da África subsaariana“. A fundaçao deseja até o final do ano estar desenvolvendo atividades na África em parceria com a Embrapa. O objetivo maior é a transferência de tecnologia agrícola brasileira e capacitação de agricultores africanos. Nada mais lógico que o Brasil participe de uma tal ação: os solos da África tropical são em grande parte semelhantes aos solos brasileiros predominantes, os Latossolos, internacionalmente conhecidos como Oxisols. O conhecimento gerado no Brasil pela Embrapa e universidades públicas de aproveitamento agrícola dos solos do cerrado pode ser tranquilamente transplantado para regiões do continente africano onde seja cabível, o que representa uma grande parcela da África ao sul do Saara. É necessário ensinar a plantar.
Faltam terras para a agricultura?
Em notícia originalmente publicada na Folha de São Paulo e transcrita pelo Jornal da Ciência, o Ministro da Agricultura, sr. Reinhold Stephanes, defende mudanças no Código Florestal afirmando que “se as áreas prioritárias à conservação da biodiversidade fossem implementadas hoje, não existiriam hectares disponíveis para [novas] atividades agrícolas, tampouco para o desenvolvimento urbano e econômico (…) Faltaria área para o plantio de alimentos e para o crescimento da população”. Pergunto-me, antes de tudo, se no lugar de nos preocuparmos com mais espaço para o crescimento populacional, tendo em vista a situação atual do mundo, não deveríamos nos preocupar antes em deter o crescimento da população humana.
O ganhador do Prêmio Nobel da Paz, Norman Borlaug, talvez o único agrônomo internacionalmente conhecido e considerado por alguns como o maior benfeitor vivo da humanidade, já defende que se utilizem práticas agrícolas avançadas para se aumentar a produtividade agrícola para que não haja a necessidade de se abrir novas áreas. Existe uma diferença entre produção e produtividade agrícola. A primeira é o total produzido e contabilizado, por exemplo, o Brasil produz x toneladas de soja. Produtividade é a capacidade de produção de determinada área, geralmente um hectare, que corresponde a dez mil metros quadrados. Um determinado agricultor, utilizando variáveis não adaptadas à região, sem repor os nutrientes retirados do solo pela cultura, com um ineficiente controle de pragas e doenças, produzia uma tonelada de milho por hectare, digamos. Ao adotar as práticas agrícolas recomendadas, sua produtividade aumentou para seis toneladas por hectare. A produção foi multiplicada por seis sem que se tenha acrescentado um metro quadrado sequer de plantio por que o acréscimo foi de produtividade. O aumento da produção agrícola de um país pode depender ou do aumento da área plantada ou da elevação da produtividade pela adoção de melhores tecnologias agrícolas. Assim, o aumento na produtividade não está diretamente associado ao aumento na área sob agricultura. Nem o aumento da área plantada siginifica que a produção agrícola total será aumentada. Aumento de produtividade é aumento de eficiência. A abertura de novas áreas agrícolas é simplesmente uma solução mais fácil de se aumentar a produção sem que obrigatoriamente se implemente ou se adote mais tecnologia.
Dizer que o aumento de áreas naturais protegidas comprometem a produção de alimentos de um país é um argumento falacioso, talvez tendencioso. Como em outros aspectos da moderna sociedade, estamos invertendo os valores. Frente à tragédia ambiental que se aproxima, será mesmo um prejuízo que mais áreas protegidas atrapalhem a expansão urbana e agrícola? Questionemos antes o crescimento populacional irresponsável e a dificuldade em se aplicar mais tecnologia, e mais eficientemente, na agricultura brasileira.