Embrapa promove curso de produção sustentável de hortaliças para africanos

Nos próximos dias, 21 africanos desembarcam no Brasil para participar do módulo presencial do Curso Internacional sobre Produção Sustentável de Hortaliças, que integra o Programa de Treinamento para Terceiro Países – TCTP. Vindo de quatro países africanos de língua portuguesa (PALOP) – Moçambique, Angola, Cabo Verde e São Tomé e Príncipe, o grupo é composto majoritariamente por extensionistas com interesse em práticas agrícolas sustentáveis.

Entre os dias 24 de setembro e 19 de outubro, os participantes irão frequentar a Embrapa Hortaliças (Brasília/DF) para uma série de palestras e visitas técnicas que visam ofertar uma capacitação completa em horticultura. “Além do corpo técnico da Embrapa Hortaliças, parceiros de outras Unidades da empresa, do setor produtivo, de órgãos de assistência técnica e de organizações não governamentais também vão contribuir com o conteúdo programático”, informa o pesquisador Ítalo M. R. Guedes, coordenador do curso. De acordo com ele, a inclusão de especialistas de outras instituições contribui para a qualidade do curso e satisfaz os múltiplos interesses dos extensionistas em áreas diversas como extensão e comercialização.

A imersão no conteúdo de maneira completa e integrada é garantida pelas visitas técnicas que vislumbram o aprendizado in loco. “Como os multiplicadores são responsáveis por promover entre os agricultores a aplicação das tecnologias desenvolvidas pela pesquisa, as visitas ao campo facilitam a absorção do conhecimento por meio da experiência sensorial. Não há como multiplicar sem ver ou manusear”, assinala Guedes.

Entre os tópicos da programação do curso estão: aspectos socioeconômicos da produção de hortaliças; conceitos relacionados ao manejo de água e solo, incluindo adubação verde, manejo racional de fertilizantes minerais e experiências de irrigação no semiárido; sistemas de produção de hortaliças, desde a qualidade de semente e produção de mudas até produção integrada, cultivo protegido e produção orgânica; aspectos fitossanitários como manejo de pragas, nematoides e doenças; e pós-colheita e comercialização de hortaliças.

Projeto
O grupo que integra o módulo presencial do curso foi selecionado a partir dos resultados obtidos no módulo de ensino a distância (EaD), no qual cada participante teve que desenvolver um relatório com a caracterização da produção de hortaliças no seu país e propor um pré-projeto para melhoria das práticas olerícolas na região em que atua como extensionista.

Para a engenheira agrônoma Débora Albernaz, uma das tutoras do módulo EaD, durante a etapa presencial os participantes poderão aperfeiçoar o pré-projeto a partir dos conhecimentos adquiridos na palestras e nas visitas técnicas e, ao final do curso, apresentar um projeto substancioso que tenha aplicabilidade e viabilidade em seu país de origem. “Os participantes terão todo apoio técnico da Embrapa para o preparo do projeto”, pontua a agrônoma.

Na opinião do pesquisador Warley Nascimento, chefe-adjunto de Transferência de Tecnologia da Embrapa Hortaliças, além da projeção no cenário internacional, a contribuição da empresa aos países-irmãos tem fundamental importância, uma vez que as condições edafoclimáticas brasileiras assemelham-se às condições dos países africanos e facilitam a transferência do conhecimento. “Há familiaridades entre o pequeno produtor brasileiro e africano, geralmente pouco tecnificados e, por vezes, iletrados. Essas similaridades permitem que as tecnologias nacionais sejam facilmente transmitidas e adaptadas ao contexto africano”, analisa.

TCTP Hortaliças
Realizado desde 1994, o curso é coordenado pela Embrapa Hortaliças (Brasília-DF) e conta com a cooperação da Agência Japonesa de Cooperação Internacional (JICA) e a Agência Brasileira de Cooperação (ABC), braço internacional do Ministério das Relações Exteriores. As iniciativas de capacitação de recursos humanos e de intercâmbio de conhecimentos focadas na olericultura já beneficiaram diretamente 200 técnicos africanos e também latino-americanos.

Desde o início, o TCTP Hortaliças focou a produção de hortaliças e, a partir de 2005, adquiriu a abordagem sustentável, com destaque para práticas agrícolas sustentáveis. Para o período entre 2011 e 2015, o programa passou por uma reformulação pedagógica, com o acréscimo de um módulo de educação à distância (EaD) com tópicos sobre sustentabilidade, que precede o módulo presencial sobre produção sustentável de hortaliças, realizado no Brasil.

Para o desenvolvimento dos conteúdos e plataformas de EaD, o VI Curso Internacional sobre Produção Sustentável de Hortaliças recebeu a colaboração da Embrapa Estudos e Capacitação (Brasília-DF).

Paula Rodrigues (MTB 61.403/SP)
Assessoria de Imprensa
Núcleo de Comunicação Organizacional (NCO)
Embrapa Hortaliças

O nitrato, o pintor paraense e o pesquisador frustrado

Temos uma tendência crônica de importar da metrópole o que não precisamos. Em termos culturais, costumamos receber o que há de mais ralo da cultura popular massificada. Agora estamos trazendo preocupações sobre problemas que realmente não temos. Levando a extremos impensados nossa subserviência intelectual, passamos a incorporar até mesmo a incompreensão que os países do Norte têm do mundo tropical. Começamos também a introgredir a noção de que ser ignorante é politicamente correto.

Já deve ser um clichê histórico e cultural a surpresa com que pintores europeus chegados ao Brasil no período colonial notaram quão inadequados eram seus modelos pictóricos para representar fielmente a natureza e os povos exuberantes dos trópicos. O desafio de se interpretar essa parte do mundo novo com modelos do Velho Mundo também levou a educativos equívocos no campo da Ciência, como quando Louis Agassiz, partindo do que observara na Europa, erroneamente considerou que os solos vermelhos e profundos do Brasil tropical eram indício da ação de geleiras do último período glacial.

Aliás, a intensidade da ação do clima, dos agentes do intemperismo, mesmo do sol equatorial, sobre a fauna, a flora, o relevo e o solo não foi bem captada inicialmente pelos que se debruçaram sobre a América Tropical tentando entendê-la e representá-la. Ao pintar a tela “A fundação da cidade de Nossa Senhora de Belém do Pará” no início do século XX, o artista Theodoro Braga cometeu o que pintores mais europeizados consideraram uma heresia artística ou sinal de má formação estética: representou os rios da foz do Amazonas com uma cor amarelada, realisticamente mostrando como são os rios da região, barrentos. Isso é comum em rios que drenam regiões sob clima equatorial chuvoso, onde os solos e as rochas são intensamente intemperizados e erodidos, mas parece estranho e de mau gosto a frios olhos setentrionais.

Esses solos longamente intemperizados expõem grande número de cargas positivas em sua fração argila, ao contrário dos solos desenvolvidos sob climas temperados no Hemisfério Norte, nos quais predominam as cargas negativas e há pouquíssimas cargas positivas, por razões que já expus noutro texto. Nessas regiões, a movimentação do nitrato ao longo das várias camadas do solo até atingir corpos d’água subterrâneos e superficiais é um grave ambiental, por causar eutroficação e contaminação das águas.

O nitrato é um ânion (NO3), ou seja, é uma molécula com carga negativa, logo tenderá a ser repelido por outras cargas negativas, como as expostas pelas argilas de solos europeus e norte-americanos, por exemplo. Em termos de fertilidade do solo e nutrição de plantas, a principal utilidade das cargas expostas pelos coloides do solo é a retenção dos nutrientes minerais, que estão geralmente na forma de cátions (íons positivos) ou ânions (íons negativos) – as cargas positivas retêm os ânions e as negativas retêm os cátions. Solos com predomínio de cargas negativas não são eficientes em reter íons negativos, que são lavados (lixiviados) pela água que infiltra no solo.

Solos com cargas positivas, por outro lado, são bem mais eficientes em reter ânions como o nitrato. Conheci um pesquisador brasileiro que, ao fazer seu doutorado nos Estados Unidos, aprendeu que o nitrato é móvel no solo e por isso seria sempre um problema ambiental, como mostravam os modelos matemáticos e as observações feitas nos Estados Unidos e na Europa. Ao voltar ao Brasil com um modelo nos disquetes, decepcionou-se muito porque suas simulações da lixiviação do nitrato não foram confirmadas pelas observações experimentais. Mesquinha natureza. Apesar disso, ainda ouço muita crítica em relação à utilização de adubos nitrogenados em solos tropicais baseada em dados de movimentação de nitrato de solos americanos.

Categorias