Sustentabilidade da agricultura no semi-árido brasileiro I
O semi-árido Nordestino, conhecido também como Polígono das Secas, abrange uma área de 1.150.662km2, correspondendo a 74,30% da área total da Região Nordeste e 13,52% do Brasil, cobrindo áreas dos estados do Maranhão, Piauí, Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco, Alagoas, Sergipe e Bahia além do norte de Minas Gerais na Região Sudeste.
A definição de semi-aridez, geralmente, é feita usando-se o índice de aridez da UNESCO para se caracterizar zonas bioclimáticas: P/ETP onde P é a precipitação e ETP é a evapotranspiração (soma entre o que é evaporado pelo solo e corpos d’água e o que é transpirado pelos vegetais) potencial calculada pelo método de Penman. De acordo com os valores deste índice, são consideradas zonas semi-áridas aquelas em que a razão P:ETP situa-se entre 0,20 e 0,50. As médias de precipitação no semi-árido variam de 300 a 800mm.ano-1 e as médias de evapotranspiração potencial variam de 1500 a 2000mm/ano, sendo o balanço hidrológico da região distribuído desta forma: (a) 70% da precipitação sendo evaporados; (b) 20% evapotranspirados, principalmente pela vegetação da caatinga; (c) 10% para o escoamento superficial.
Por que se apresenta tão repetidamente a questão da sustentabilidade da agricultura no semi-árido nordestino? Na verdade, deixando um pouco o provincianismo de lado, parece que a preocupação quanto à sustentabilidade de práticas agrícolas em ambientes semi-áridos, atualmente, não é exclusividade brasileira, muito pelo contrário, tem-se a impressão de que o Brasil é dos que menos se ocupam desta questão.
Conhecendo-se as condições adversas em termos ambientais predominantes nestes ecossistemas, talvez fosse mais pertinente perguntar-se por que praticar agricultura em tais regiões, quando lugares menos adversos estão disponíveis. Entretanto, áreas agricultáveis em regiões de clima ameno, solos férteis e produtivos e com água em boas quantidade e qualidade tornam-se mais raras em uma velocidade, se bem considerada, alarmante. Áreas assim chamadas marginais tais como as sob clima semi-árido tornam-se cada vez mais consideradas passíveis de se agricultar numa maior escala do que hoje em dia. A questão é: a prática de agricultura em regiões semi-áridas, particularmente no semi-árido brasileiro, é sustentável?
A definição do Technical Advisory Commitee of the Consultative Group on International Research (TAC/CGIAR) de sustentabilidade na agricultura é a seguinte: “Agricultura sustentável é o manejo bem sucedido de recursos para a agricultura, de modo a satisfazer as necessidades humanas em transformação, mantendo ou melhorando, ao mesmo tempo, a qualidade do ambiente e conservando os recursos naturais.”
A agricultura convencionalmente praticada no semi-árido nordestino, além dos baixos índices de produtividade (não se está aqui considerando os perímetros irrigados nem áreas afins) tem causado, desde o começo da colonização européia porém mais drasticamente no último século, uma dramática mudança na paisagem da região, e por dramática mudança entenda-se degradação indiscriminada, chegando-se ao ponto da deterioração irreversível em alguns sítios.
Praticada desde antes do Descobrimento, a derrubada da vegetação nativa para implantação de roçados foi, até determinado período em que a pressão populacional não era ainda tão intensa, uma atividade que talvez se adequasse a alguns quesitos do conceito de sustentabilidade. A prática corrente era o desmatamento, a queima e o plantio na mesma área por dois anos consecutivos. O período de pousio (período de “descanso” do solo) que se seguia aos roçados permitia que a vegetação secundária se reconstituísse provavelmente até o estado de equilíbrio dinâmico (clímax) antes de sofrer uma nova perturbação para reinicio do ciclo.
O aumento da densidade populacional, no entanto, e a demanda por alimentos e outros bens de consumo fez com que o habitante do semi-árido explorasse a terra além da capacidade produtiva da mesma. Não obstante o aumento das áreas desmatadas, o tempo de pousio foi muitíssimo encurtado, impossibilitando a recomposição da vegetação nativa bem como a reconstituição da fertilidade natural dos solos. A chegada do colonizador europeu não mudou os métodos extrativistas de uso da caatinga já utilizados pelos aborígines mas intensificou a pressão sobre os recursos naturais.
O que se pode observar claramente hoje é que não apenas a agricultura ou a agropecuária praticadas no semi-árido são insustentáveis mas todo o modelo de exploração da caatinga atualmente em uso carece de sustentabilidade ecológica e econômica e a propósito disto pode-se citar exemplos de representantes da fauna e da flora nativas que ou já se extinguiram completamente ou correm sério risco de extinção, além das enormes perdas de solo por erosão, dentre outros problemas ambientais.
Para orquidófilos e orquidólogos
Os aficionados em orquídeas devem visitar um novo blog dedicado a estas plantas: é o Orquidofilia e Orquidologia, do Engenheiro Agrônomo Marcus Vinícius Locatelli, mestrando em Solos e Nutrição de Plantas na UFV e dedicado orquidófilo, detentor de um amplo conhecimento teórico e prático sobre o assunto.
A epidemia da cana-de-açúcar e a febre do silício
Calma, não há pelo que eu saiba nenhuma nova doença atingindo os canaviais de forma descontrolada, pelo contrário, o que parece estar acontecendo Brasil afora é a conquista de espaço de forma agressiva pela cana-de-açúcar, em grande parte devida ao alvoroço criado pela perspectiva do crescimento do mercado de biocombustíveis (neste caso o etanol) causada com a preocupação em relação ao aquecimento global. Como comentei em um outro post, apesar de o silício não ser consensualmente considerado um nutriente essencial para as plantas, há evidências de que sua aplicação como adubo pode trazer alguns efeitos benéficos para certas espécies. Entre as espécies cultivadas, o arroz e a cana-de-açúcar (ambas gramíneas) destacam-se como acumuladoras de silício e um número de trabalhos científicos têm demonstrado aumento de produções destas culturas com a aplicação de insumos contendo silício. O que deve ser levado em conta por agricultores e profissionais ligados à agricultura e ao meio ambiente é que algumas destas fontes de silício utilizadas são escória de siderurgia e podem conter teores razoavelmente elevados de metais pesados. Alguns pesquisadores argumentam que estes “adubos” silicatados têm reação alcalina no solo, ou seja, aumentam o pH do solo (diminuem a acidez) o que em geral diminui a biodisponibilidade e a mobilidade dos metais, decrescendo ou anulando os riscos ambientais. Entretanto, este aumento de pH não é eterno nem irreversível, e os metais porventura adicionados aos solos permanecem lá e com o aumento da acidez do solo podem vir a ser disponibilizados novamente. Além disso, muitas espécies de plantas têm a capacidade de acidificar o solo ao redor das raízes (a rizosfera) podendo absorver metais pesados. Enfim, um problema mais imediato, estes produtos utilizados como fonte de silício em geral não informam, por simples falta de análises e de estudos, os teores de silício sendo disponibilizados às plantas, às vezes informando um teor total do elemento que não corresponde obrigatoriamente ao que está disponível à absorção pelos vegetais.
Qualidade de adubos orgânicos
Em outros posts já abordei o papel da matéria orgânica do solo sobre a criação e manutenção de uma boa estrutura do solo bem como o papel do solo como seqüestrador de carbono por meio da acumulação de matéria orgânica. O compartimento orgânico do solo também tem um importante papel na manutenção da fertilidade do solo. É comum entre alguns produtores rurais, principalmente horticultores, a aplicação de esterco animal ou de restos vegetais como adubo orgânico para o solo. Realmente, estes insumos orgânicos em geral contêm teores de nutrientes que podem suprir parcial ou totalmente as necessidades da cultura: isto dependerá da espécie sendo cultivada, dos teores de nutrientes já presentes no solo e do teor e disponibilidade de nutrientes no adubo orgânico. Notem que não é apenas a presença de um determinado elemento que garante que a planta conseguirá adquiri-lo ou o absorver. Tanto nos adubos orgânicos quanto na matéria orgânica já presente no solo, quando se quer avaliar sua adequabilidade como suprimento de nutrientes, uma característica importantíssima a se considerar é o que os agrônomos chamamos de relação C:N. Esta relação nos indica a proporção de carbono para nitrogênio na composição do material orgânico. Em geral, quanto mais elevado for este valor, menor sua qualidade como adubo porque mais difícil a decomposição do material pelos micorganismos do solo. Didaticamente, considera-se que uma relação C:N em torno de 20:1 (lê-se 20 para 1) é a ideal quando se quer disponibilizar o nitrogênio para as plantas. Quando valores de C:N maiores do que 30 são observados, pode haver dificuldade na disponibilização de nitrogênio para as plantas devido à competição pelo nutriente com os microrganismos decompositores da matéria orgânica (afinal, os nutrientes só serão liberados após a decomposição do material). Quando há relações menores que 15:1 há o risco de perda do nutriente. Vale salientar que a relação C:N indica a qualidade do adubo orgânico quanto à disponibilidade de nitrogênio. Quando se quer ter uma idéia da qualidade do material orgânico como supridor de fósforo ou enxofre, por exemplo, utiliza-se os valores de C:N:P ou C:N:S, mas o C:N sempre será importante porque a concentração de nitrogênio controla a facilidade de decomposição do material.
Permafrost e mudanças climáticas globais
Ontem assisti a um seminário sobre estudos de solos na Antártida proferido pelo Prof. Carlos Ernesto Schaefer do Departamento de Solos da UFV. Um dos focos do estudo são os criossolos, ou seja, solos de regiões frias que possuem um horizonte permanentemente congelado, conhecido como permafrost. Estes solos ocorrem também e em maior número no hemisfério norte, notadamente nas regiões boreais, onde predomina a vegetação conhecida como tundra. Há um interesse muito grande atualmente no monitoramento destes solos porque o aquecimento global ameaça derreter o permafrost ou horizonte permanentemente congelado. Além do problema óbvio de subsidência ou rebaixamento dos terrenos que isto acarretaria pela diminuição do volume do solo (lembrando que a água quando congela aumenta de volume, ao contrário de outros líquidos), a grande preocupação dos cientistas é que estes horizontes congelados guardam uma quantidade enorme de matéria orgânica indisponível à decomposição microbiana, ou seja, muito CO2 seqüestrado e que não contribui para o efeito estufa. Caso o permafrost venha a derreter, muito desta matéria orgânica será decomposta, liberando CO2 para a atmosfera e aumentando o efeito estufa. Para piorar, muitas destas áreas, se não a maior parte, se tornarão áreas alagadas. Em áreas alagadas também há decomposição da matéria orgânica, mas como há restrição de oxigênio (essencial para a respiração dos microrganismos decompositores), esta decomposição é incompleta e o gás liberado passa a ser o metano (CH4) que também é um gás de efeito estufa, porém cerca de 23 vezes mais eficiente em reter radiação do que o CO2. Vinte e três vezes mais eficiente em esquentar a Terra do que o gás carbônico! E não pensem que este é um cenário remoto. A equipe do Professor Carlos Schaefer descobriu que em uma das áreas da Península Antártica sob estudo, em um local totalmente tomado por solos com permafrost há algumas décadas, hoje há apenas 2% dos solos ainda com o horizonte congelado. Há claramente outros pontos a considerar. Com o aumento da temperatura e conseqüente presença de água líquida nestes locais, certamente haverá um aumento na taxa de intemperismo químico (decomposição química de rochas e minerais), que é por sua vez um mecanismo seqüestrador de CO2, podendo talvez compensar em parte a emissão dos gases de efeito estufa. Desconheço estudos estimando de quanto poderia ser esta “compensação”, mas acredito que o resultado líquido seria ainda catastrófico.
Valor social da pesquisa científica
Semana passada uma “autoridade” em fertilizantes criticou em minha presença um trabalho científico que avaliava o efeito de alguns sais utilizados como fontes de nutrientes sobre a germinação de sementes de uma determinada gramínea usada como pastagem. A justificativa de sua crítica era o uso pelo experimentador do sulfato de potássio, um fertilizante caro e raramente usado na adubação de pastagens, prática aliás muito pouco comum entre os pecuaristas brasileiros. Segundo o criticador, era inadmissível a distância entre a pesquisa agrícola e a realidade da agricultura brasileira. Não deixei de reconhecer algum mérito no que dizia, mas logo depois ele sugeriu que a mesma pesquisa poderia ter sido feita utilizando-se outros adubos mais baratos…que, no entanto, não eram sais e logicamente não dariam as informações que os pesquisadores queriam, a saber, o efeito do potencial osmótico gerado no solo sobre a hidratação das sementes da gramínea. A “autoridade” entendia de preço de adubos mas não de química. De toda forma, este episódio me fez refletir sobre uma questão recorrente em minha carreira de pós-graduando: a utilidade social da pesquisa científica. Há alguns meses um professor de pós-graduação me questionou sobre a validade social de um trabalho de que participei sobre a permineralização (substituição de uma matriz orgânica por uma matriz mineral, ocorre na fossilização de material orgânico) de fragmentos de madeira da Antártida marítima. Por motivos hierárquicos, não pude dar a resposta cabível, mas deveria lhe ter perguntado qual a utilidade social imediata da teoria da seleção natural, ou talvez dos modelos newtonianos da atração dos corpos celestes, ou melhor ainda lhe sugerir a leitura deste texto do economista Robert J. Aumann, prêmio Nobel de economia em 2005. Obviamente, há necessidade de pesquisa aplicada, de preferência em áreas que possam trazer melhoras à vida no planeta, mas o conhecimento científico não é feito de pedaços isolados, há toda uma cadeia de conhecimentos que se somam e se completam e a pesquisa aplicada só é possível por causa do desenvolvimento da ciência básica, e mais importante de tudo, nem sempre, talvez devesse dizer quase nunca, a abrangência das aplicações práticas de uma determinada descoberta científica é conhecida ou sequer imaginada. O que existem são mentalidades tacanhas, paroquialistas, com conhecimento limitado e em geral viesado que se sentem compelidos a emitir opiniões sobre qualquer assunto, mesmo que o não conheçam, como é o caso da autoridade em adubos da qual falei acima. Ou pior, neo-medievalistas como a ministra do meio-ambiente de nosso país, insistindo para que não se faça pesquisa em biotecnologia porque afinal de contas a crosta de ignorância é aconchegante e pensar é difícil.