Por que gosto de ficção científica mas não de críticos literários

Acabei de ler Blood Meridian, de Cormac McCarthy, livro sobre o qual não vou falar agora. É o segundo livro que li desse autor, o primeiro tendo sido A Estrada (The Road), sobre o qual quero falar um pouco. Comprei A Estrada meio desconfiado porque não conhecia o autor e porque sabia que já tinham feito um filme baseado no mesmo. Pensei – deve ser a típica excrescência literária americana moderna, o livro escrito para ser um filme de sucesso. Nada. O livro é soberbo. A Estrada é tão bem escrito e intenso que ainda não consegui fazer a releitura, um trabalho de artista maduro, com um domínio espantoso da técnica, criando um sonho ficcional quase tátil.

Quis imediatamente saber mais sobre o autor e descobri que é considerado um dos maiores autores vivos norte-americanos, já quase um clássico. Harold Bloom, o Stephen Jay Gould da crítica literária, considera McCarthy um verdadeiro artista. Que é isso! Fiquei entusiasmado, a crítica literária mainstream americana louvando os méritos literários de um escritor de ficção científica! Harold Bloom, o Harold Bloom, animado com o cara, já o achando um gênio…Aí encontrei um texto esclarecedor.

Assim como Steve Jobs, parece que os críticos literários, ou alguns, criam ao redor das obras que apreciam um campo de realidade distorcida. Porque apesar de eu ter lido A Estrada com meus próprios e cansados olhos de SF aficionado e ter reconhecido nesse livro uma ficção científica inequívoca e de primeira qualidade, os profissionais da crítica literária fizeram questão de deixar bem claro que A Estrada ficção científica não é. É uma fábula pura, senhores. É, como disse um mais idiota, “um épico lírico de horror”, o que quer que isso signifique. Uma história ambientada em um mundo pós-apocalíptico onde ocorreu algum tipo de catástrofe ambiental, não é ficção científica, somos informados.

O problema, parece-me, é que Cormac McCarthy, antes de The Road, era já um escritor mainstream consagrado, elogiado por Harold Bloom, não escreveria, não poderia escrever ficção científica. “Se ele escreve um livro magistralmente elaborado que qualquer forma pensante de vida classificaria como science fiction, deveríamos nós críticos de estabelecida reputação reavaliarmos nossa impressão sobre o gênero?”. Não. A realidade é nada sutilmente distorcida – a ficção científica de McCarthy não é ficção científica, é… é… é “a mais pura fábula, é um épico lírico de horror.” Aaaargh.

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