O nitrogênio pode causar podridão-apical em tomate?

TomI19-06-2012 016

Em 2012 uma colega pesquisadora procurou o laboratório onde trabalho em busca de explicação e solução para um problema recorrente em uma linhagem de tomate sendo usada em cruzamentos em um programa de melhoramento. Apesar de ser promissora em outros aspectos, a linhagem apresentava uma alta susceptibilidade a uma desordem fisiológica conhecida como podridão apical dos frutos ou fundo-preto. É conhecimento comum de que a principal causa desta desordem seria a deficiência no nutriente cálcio, envolvido principalmente na formação das paredes celulares dos vegetais superiores. Depois de analisar a solução nutritiva utilizada pela equipe da pesquisadora na fertirrigação do tomateiro, chegamos à conclusão de que a concentração de cálcio utilizada estava adequada, a priori ficando descartada a hipótese de falta ou insuficiência daquele nutriente.

Pesquisando o que havia sido publicado sobre as possíveis causas da podridão apical notei que, apesar do que se tinha como unanimidade no meio produtivo, a pesquisa científica sobre o tema estava longe de ter certeza do papel exclusivo do cálcio como causa da podridão apical em tomate e outras solanáceas. Alguns trabalhos apontavam um possível papel também da forma de nitrogênio utilizada. O nitrogênio é o único nutriente essencial que pode ser absorvido tanto como cátion, na forma de amônio (NH4+), quanto como ânion, sob a forma de nitrato (NO3-). Muitos dos elementos químicos essenciais para as plantas são absorvidos na forma de íons, ou seja, na forma de elementos químicos com carga elétrica. Aqueles com carga elétrica negativa são chamados ânions, os que possuem carga positiva são os cátions. O nitrogênio é o único nutriente absorvido pelas plantas tanto como um cátion quanto como um ânion.

No interior das células, que é para onde vão os nutrientes, deve ser mantido um equilíbrio eletroquímico, ou seja, um equilíbrio entre a concentração de ânions e cátions. Existem interações, sinergísticas e antagônicas, entre alguns nutrientes. Nas interações sinergísticas, a absorção de determinado elemento pode favorecer a absorção de outro, como tem sido observado entre K+ e Cl– em algumas espécies. Por outro lado, nas interações antagônicas, a absorção de determinada forma de um nutriente pode dificultar ou mesmo impedir a absorção de algum outro nutriente. Muito conhecida entre os técnicos que lidam com tomate é a interação antagônica que existe entre a forma amoniacal do nitrogênio (NH4+) e o cálcio (Ca2+). Como se pode observar, ambas as formas são catiônicas.

Como o cálcio é absorvido pelas plantas na forma do cátion Ca2+, pode haver uma relação de antagonismo entre a absorção do cálcio e do nitrogênio na forma de amônio, que também é um cátion. Uma relação de antagonismo entre dois nutrientes significa que a absorção ou mesmo a presença excessiva de um nutriente atrapalha a absorção ou o uso pela planta de outro nutriente. Tendo em vista que não havia indícios de deficiência de cálcio causando o problema de podridão apical na linhagem de tomate em questão, partimos da hipótese que a forma de nitrogênio usada na fertirrigação afetaria a incidência de podridão apical dos frutos do tomateiro, pelas razões delineadas acima ou por outras.

No experimento conduzido testamos várias proporções de nitrato e amônio na solução nutritiva e observamos que a presença do amônio em determinadas proporções realmente aumentou a incidência de fundo-preto nos frutos da variedade de tomate avaliada e mesmo diminuiu o peso dos frutos que não apresentaram a desordem, impactando negativamente a produção e deixando claro que as variedades de tomate susceptíveis ao fundo-preto ou podridão apical devem ser adubadas ou fertirrigadas com fertilizantes que contenham a forma nítrica do nitrogênio, como nitrato de cálcio e nitrato de potássio. Os resultados desta pesquisa foram relatados na publicação “Componentes de produção e incidência de podridão apical em frutos de tomateiro cultivado em fibra de coco e fertirrigado com diferentes proporções de amônio (N-NH4+) e nitrato (N-NO3-)”, a qual pode ser acessada e baixada gratuitamente no link https://ainfo.cnptia.embrapa.br/digital/bitstream/item/186832/1/BPD-161.pdf.

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