Republicando: Extensão rural – o elo que falta entre ambientalistas e produtores rurais

Alguém me perguntou recentemente quais seriam os principais problemas atuais da agricultura brasileira. São muitos problemas para se adotar este ou aquele mais premente. Mas como já disse e insisto em dizer, gosto de pensar por mim mesmo, sem dar muita atenção ao que os formadores de opinião-manipuladores de mente desejariam que eu, juntamente com a massa, pensasse.

O problema principal da agricultura no Brasil é a escandalosa e escandalosamente ignorada inexistência de uma política e um órgão nacional de assistência técnica e extensão rural. O visionário “estadista” Fernando Collor de Mello, com todos os Ls que a elitóide aprecia, teve a genial idéia de extinguir, durante seu grotesco mandato, a Empresa Brasileira de Assistência Técnica e Extensão Rural, Embrater, transferindo para os Estados a responsabilidade pela manutenção das atividades de extensão.

Para se começar a ter uma idéia de a quantas anda o setor no país, tenho a informação de que os abnegados agrônomos da Emater em Minas Gerais, por exemplo, ganham mensalmente um salário em torno de R$ 1.200,00. Minas Gerais, que é dos estados mais ricos da federação. Seiscentos dólares mensais para um profissional de nível superior, para atender enormes áreas, uma gama ampla de culturas, para resolver problemas que vão do projeto de irrigação ao preparo de compotas. Muitas vezes sem o mínimo necessário, como o salário para abastecer o carro da empresa. Como exercício de imaginação, sugiro ao leitor tentar adivinhar quanto ganhará um extensionista no estado que Sua Excelência o ex-presidente Collor de Mello representa no Senado da República. Nem sei se há um órgão de extensão rural em Alagoas.

E o que faz um extensionista? Idealmente, orienta os produtores quanto às técnicas e tecnologias mais apropriadas às práticas agropecuárias locais, tendo em vista a situação do produtor, a região etc. Deveria ser o intermediário entre o setor de pesquisa e os produtores rurais. Os ambientalistóides urbanos deveriam se preocupar mais com a ausência de assistência técnica eficiente no país, porque enquanto ela não existir, não há em minha opinião muita esperança de que a maioria dos agricultores adotem práticas produtivas menos nocivas ao ambiente e ao homem. Estas práticas devem ser ensinadas, mas onde estão os professores?

Imagine o leitor que alguem se lhe dirija agressivamente, um dia, reclamando que está fazendo tudo o que sempre fez de forma incorreta, mas se negue a lhe ensinar o certo. É exatamente isto o que se tem feito com o “malévolo” agricultor brasileiro. Há algum movimento ambientalista exigindo a recriação de uma empresa de assistência técnica rural de qualidade, com orçamento decente para que possa atrair técnicos qualificados para seu quadro? Creio que não.

O vazio da extensão rural é parcialmente ocupado por consultores privados, caros e limitados, e pelos técnicos de empresas de insumos agrícolas, compreensivelmente mais interessados em vender seus produtos e cumprir metas do que em educar os agricultores. Algumas ONGs, mas não todas, sofrendo da Síndrome do Colonizador Amargurado, estão mais interessadas, de forma politicamente correta, em valorizar os “saberes tradicionais”, uma forma moderna e eminentemente urbana de se reviver o mito romântico do bom selvagem, do que resolver o problema de se alimentar sete bilhões de ávidas bocas e mais ávidos corpos.

Uma velha parente minha, ao saber que eu estudava Agronomia, perguntou-me sarcasticamente se era necessário estudar por cinco anos para se saber plantar. Algum dos poucos que me leem poderá imaginar um profissional, no mundo de hoje, que possa prescindir de um preparo relativamente longo para exercer sua atividade de forma eficiente e correta? Os produtores rurais em geral serão preparados para exercer profissionalmente suas atividades? Serão educados para isto? Ao consciente ecologista de apartamento isto não parece importar. O que se deseja é que se produza comida barata e sem sem estragar o ambiente. Se o agricultor não faz isso, é porque é uma encarnação do mal. Educação, assistência técnica para este? Não, para o agricultor – cadeia e a antipatia eterna do ambientalista motorizado (em geral, com a barriga bem cheia, presumivelmente com comida, cara, produzida em comunidades tradicionais usando técnicas orgânicas, que não agride o ambiente nem chega à mesa dos pobres).

A extensão rural, que poderia sanar esta falha educacional, ainda que parcialmente, não existe, não é recompensada, não é mesmo reconhecida como ausente. Seu papel na resolução de boa parte dos problemas técnicos e ambientais da produção agropecuária brasileira deveria ser óbvio. Esta situação não deveria perdurar.

Ainda sobre excessos, extensionistas e divulgação científica sobre solos

Não fiquei muito satisfeito com meu post anterior, no qual discorri sobre certas questões éticas no exercício da profissão de agrônomo. Gostaria de elaborar um pouco mais sobre os problemas levantados, lançando mão de alguns exemplos reais que podem esclarecer minhas preocupações sobre este assunto.
Como comentei anteriormente, tem me preocupado muito o problema do excesso no uso de fertilizantes pelos produtores de hortaliças nas várias regiões do Brasil. Uma leitora e colega blogueira corretamente apontou a solução mais óbvia – mostrar aos agricultores, através da análise química do solo, que já há nutrientes em quantidade adequada ou demasiada e eles não adubarão mais. Acontece que é exatamente isto o que eu e muitos outros colegas temos feito ultimamente, mas o problema não parece ter diminuído. Muitos agricultores, mesmo de posse de uma análise de solo e de um laudo de agrônomo, agarram-se a um tipo de “princípio de precaução” que os leva a adubar (ou irrigar) seus campos mesmo quando assegurados de que não há necessidade. Mas esse é um problema que aflige até mesmo alguns agrônomos.
Há alguns meses assisti um agrônomo responsável pela área de produção de alho de uma grande empresa agrícola afirmar que periodicamente aplicava em torno de 12 toneladas de calcário por hectare apesar de sua análise de solo mostrar que a necessidade real era em torno de 10 vezes menos do que isso. Segundo ele, como sua cultura “não morreu”, os pesquisadores da empresa onde trabalho deveriam rever as recomendações. Em um outro trecho da conversa, o mesmo profissional nos disse que aplicava uma alta dose de fósforo, anualmente e desconsiderando as recomendações, que outros produtores aplicam em culturas que atingem produtividade de mais de 100 toneladas por hectare. Acontece que a produtividade do alho deste senhor não chega a 25 toneladas por hectare. Novamente ele sugeriu que nós pesquisadores precisaríamos refazer nossas pesquisas. Um agrônomo de uma grande empresa aplicando uma dose desproporcionalmente maior do que a necessária, novamente pelo “princípio de precaução”.
Minha preocupação com o uso excessivo de insumos agrícolas é tanto ambiental quanto econômica. Eu esperaria que aqueles diretamente envolvidos com a produção agrícola se preocupassem pelo menos com o aspecto econômico do problema. O uso de quantidades desnecessárias de insumo representa claramente um gasto extra e encarece a produção bem como o preço final do produto. Se apenas produtores cometessem este erro, eu entenderia a questão como mera falha de comunicação e divulgação, possivelmente pelo descaso com a extensão rural no Brasil, do qual falei neste texto e neste. O fato de técnicos agrícolas, agrônomos e mesmo pesquisadores da área agrícola cometerem o mesmo erro me leva a pensar que há também um problema de má formação. O que não sei é se é um problema na formação em solos ou na formação agronômica como um todo. Em qualquer dos casos, é necessário que tenhamos atenção nesta dificuldade, nesta falha técnica recorrente.

Volto à sugestão feita pelo agrônomo produtor de alho citado acima e sua sugestão de que refizéssemos as pesquisas relativas às necessidades de nutrição das hortaliças. Não direi que tudo está resolvido e solucionado em termos de nutrição de plantas. Se isto fosse verdade, aliás, meu emprego seria um gasto de dinheiro público desnecessário. Não, nem tudo está solucionado. Mas se, como sugerido, refizéssemos nossas pesquisas para mostrar que aplicar 12 toneladas por hectare de calcário a um solo com pH de 6,0, adicionar 4 toneladas por hectare de calcário a um solo com 13cmolc/dm3 de cálcio, utilizar a mesma dose de fósforo em uma cultura que produz 20 toneladas por hectare que utilizaríamos em uma cultura que produz 100 toneladas por hectare, estaríamos não só redescobrindo a roda, mas dando um atestado de incompetência. Realmente, desde que entrei na empresa na qual atualmente trabalho, tenho tido a impressão de que boa parte das demandas de pesquisa que nos chegam já têm soluções tecnológicas disponíveis. Sob o risco de parecer repetitivo, para estes problemas, muito mais do que pesquisa, é essencial uma extensão rural estatal e não-ideológica.
Além disto tudo, parece-me também que falta de nossa parte, nós profissionais da Ciência do Solo, uma maior atividade de divulgação de nossa ciência. E falo em divulgação para leigos, não apenas a produção de artigos científicos em periódicos especializados, sob o risco de nossas pesquisas parecerem irrelevantes ou inexistentes para a sociedade. Digo mais: parece-me que estamos sendo ineficientes em divulgar a Ciência do Solo de forma acessível até para os profissionais das Ciências Agrárias. Se não melhorarmos nossa performance, corremos o risco de continuarmos a ser cobrados a pesquisar o óbvio.

A ética entre os agrônomos ou Como faz falta o extensionista rural

Desde que assumi meu atual emprego há quase três anos tive a inestimável oportunidade de conhecer de perto e com certa riqueza de detalhes produções de hortaliças em todas as regiões do Brasil, tanto em campo aberto como em cultivo protegido. Uma impressão que tive e cada dia mais tenho é a de que o produtor de hortaliças em geral e por uma série de razões aduba muito mal suas culturas. Em um número recente do Boletim da Sociedade Brasileira de Ciência do Solo fiquei sabendo que os campos produtores de fruteiras no Brasil também não são muito bem adubados. Não sei dizer nada sobre a fertilização das grandes culturas, então não generalizarei minhas impressões. Infelizmente, esta má adubação de hortaliças e fruteiras é quase invariavelmente sinônima de adubação em excesso. Digo infelizmente porque me parece que é mais fácil corrigir a adubação deficiente do que a excessiva e os impactos ambientais daquela são certamente menores do que os desta.
Como já disse, as causas do uso excessivo de adubo certamente são vários mas tenho notado um tipo de ocorrência que tem me deixado perturbado e triste – a ação de agrônomos recomendando adubos e corretivos quando não há necessidade ou recomendando altas doses quando a necessidade é pequena ou mínima. Sem dúvida, talvez seja lícito em muitos casos pensar-se que não há má fé, há má formação. Mas quando um agrônomo de alguma revenda ou empregado de empresas produtoras de fertilizantes faz isso, a suspeita de má fé não me parece descabida. Pergunto-me se as escolas formadoras de agrônomos têm dado a ênfase necessária à questão da ética na atuação profissional. Esta é uma necessidade premente. Independentemente da causa, se a má formação ou a má fé, permanece o fato de que estão sendo formados ou maus agrônomos ou agrônomos maus, talvez ambos.
Uma outra faceta deste problema, a que me refiro no título, é a escassez e as más condições de trabalho dos extensionistas rurais, profissionais que deveriam levar o melhor da tecnologia e do conhecimento gerado pelas ciências agrárias para o campo. Em um outro texto, infelizmente pouco lido, falei de minha impressão de que muitos dos problemas ambientais e de outras naturezas geradas na e pela agricultura seriam muito reduzidos se tivéssemos no Brasil uma extensão rural tão forte e incentivada quanto a pesquisa agrícola. Já tivemos no Brasil uma Empresa Brasileira de Assistência Técnica e Extensão Rural, Embrater, mas o ilustríssimo então presidente Fernando Collor de Mello cometeu o crime de extingui-la. Desde então, as empresas estaduais de extensão rural, quando existem, competem de forma ineficiente com os agrônomos e técnicos da iniciativa privada, presumivelmente mais interessados em vender seus produtos do que em realmente informar os agricultores.
Sou um entusiasta de minha profissão e acredito no papel importante da Agronomia na resolução presente e futura do grande desafio de alimentar uma enorme população humana sem destruir e de preferência melhorando o ambiente. Sei que é uma injustiça generalizar-se qualquer tipo de atitude. Creio que há agrônomos honestos e éticos mesmo na iniciativa privada mais competitiva. Mas não há como deixar o papel da extensão rural nas mãos desta mesma iniciativa privada, até porque não raro o mais moderno conhecimento gerado desaconselha o uso de muitos dos produtos vendidos como “a solução para os problemas do campo”.

Notas de Um Brasil Profundo

Este ensaio, embora não tão profundo como o Brasil, ou nada profundo, me foi inspirado por três pessoas importantes ao Geófagos, Ítalo, Manuel e Sibele. Foi a partir de seus comentários em alguns textos meus que fiquei “ruminando” estas coisas.
Nas minhas últimas andanças, ou peregrinações, tive a oportunidade de ver alguns lugares que eu ainda não conhecia desse Brasilão Imenso e rever outros por onde passei faz tempo. Mas a impressão é sempre a mesma: o Brasil é muito mal utilizado e muito mal administrado. Todo mundo sabe disso, né? Mas, enfim… Como o texto ficaria muito grande, resolvi fazer um comentário rápido contendo minha impressão sobre cada ambiente por onde passei (nada científico ou estatístico), são apenas impressões, que podem sim virar textos mais elaborados depois.
Na região do Médio Araguaia, nas redondezas de Conceição do Araguaia, no Pará, onde fui faz um tempo, o problema relacionava-se, previsivelmente, ao mal uso das pastagens, correndo o risco de se tornarem áreas degradas, à semelhança do Médio Rio Doce (deste falarei mais adiante). Lembro-me que certa vez um produtor rural, cliente da Emater MG no município onde eu trabalhava, discutia comigo estas questões da degradação das pastagens e das dificuldades que ele enfrentava. Num dado momento da conversa ele disse que sua solução era, talvez, ir embora para “o norte” (Tocantins, Pará, etc.), como muitos estavam fazendo. Foi quando eu disse a ele, em tom de seminarista para não ofendê-lo, que se muitos de nós fôssemos para o norte, mas não mudássemos nossos hábitos com o uso das terras, nós iríamos transferir os problemas de um lugar para o outro. Ele concordou comigo (e continuou meu amigo e cliente da Emater).
No Planalto Central, observei áreas de veredas com acesso direto do gado, bem como extensas plantações chegando à borda das áreas alagadas. O Código Florestal proíbe isso. Mas, infelizmente, no Brasil há uma distância muito grande entre o que prevê a legislação e o que se encontra na prática. Considero o agronegócio importante, pois precisamos usar, com racionalidade, os recursos naturais de que dispomos. E eis aí a Extensão Rural fazendo falta! Em cultivos extensivos, de milhares de hectares, deve-se prescindir de explorar estas áreas de reservas, que estão previstas em lei (embora não sejam fiscalizadas). Diferentemente da Zona da Mata Mineira, a seguir.
No Domínio dos Mares de Morros, principalmente na Zona da Mata Mineira, se a legislação e o código florestal forem aplicados à risca, nós vamos expulsar os pequenos e médios produtores de suas terras. Entre outros “problemas ambientais”, suas áreas cultiváveis estão praticamente restritas aos terraços que em grande parte, naquela área e conforme a lei, deveriam estar preservados com a vegetação nativa que margeia as coleções de água. Portanto, na Zona da Mata a coisa é um pouco mais complicada. Nós não podemos simplesmente, pela letra fria da lei, tirar essa gente de suas terras (ou as terras dessa gente, o que é mais comum, infelizmente). É preciso conciliar a manutenção dessa população em suas propriedades, mas de forma digna, observando critérios sócio-econômicos, ambientais e critérios técnicos de manejo e conservação do solo e da água. O que é perfeitamente possível. Eis aí a Extensão Rural fazendo falta de novo!
No Médio Rio Doce, a pecuária extensiva, entre outras atividades, pelo uso constante do fogo como técnica de manejo de pastagens e outros métodos inadequados de uso e manejo do solo, promoveram os altos índices de degradação que encontramos por lá. Em geral são Argissolos Eutróficos muito degradados. Em determinados locais os índices de degradação, considerados alto e muito alto, ultrapassam 80% destas áreas. Estes dados são de minha dissertação de mestrado (disponível em pdf na página da Biblioteca da UFV). O problema, embora possível de ser solucionado com tecnologias relativamente simples, é grave, e dada sua extensão, demanda um maior volume de recursos financeiros. Boas opções, neste caso, são a recuperação das pastagens nas áreas baixas e o cultivo de espécies florestais nas áreas mais declivosas. Aqui, mais que nos outros ambientes considerados, é preciso utilizar, de forma mais intensiva e em conjunto, as práticas mecânicas e vegetativas de controle da erosão hídrica e recuperação de áreas degradadas.
Na transição da Mata Atlântica para a Caatinga, entre Minas Gerais e Bahia, no Médio Jequitinhonha, encontra-se uma razoável diversificação de uso dos solos, com culturas anuais, culturas perenes e pastagens. Embora se trate de uma área aparentemente um pouco menos degradada do que o Médio Rio Doce (por menor precipitação e tipo de solo?), as práticas inadequadas de uso e manejo do solo são uma constante. Mas neste caso a adequação dessas práticas aos critérios técnicos e a recuperação de suas áreas degradadas, aparentemente, demandam menor tempo e menor volume de capital do que no Médio Rio Doce.
Na região da Caatinga, trata-se do óbvio, é preciso incentivar o uso de alternativas adaptadas às condições edafoclimáticas (solo e clima) da região. Para esta área, bem como para a Zona da Mata, Médio Rio Doce e Jequitinhonha (e outros específicos), imagino um programa para pequenos, médios e grandes produtores rurais, que contemple cursos de qualificação e requalificação profissional, em administração rural e atividades diversas. Com assistência técnica presente, recursos de crédito faciliatado e incentivos fiscais. Mas tal programa deve vislumbrar um momento em que os produtores não sejam mais altamente dependentes destes incentivos. É o paradigma do extensionista: o ótimo de desempenho de suas funções é o momento em que seus clientes não precisem mais dele.
Mas esta é apenas uma proposta de um (ex-) extensionista agropecuário. Passível de críticas e sugestões.

Extensão rural: o elo que falta entre ambientalistas e produtores rurais

Alguém me perguntou recentemente quais seriam os principais problemas atuais da agricultura brasileira. São muitos problemas para se adotar este ou aquele mais premente. Mas como já disse e insisto em dizer, gosto de pensar por mim mesmo, sem dar muita atenção ao que os formadores de opinião-manipuladores de mente desejariam que eu, juntamente com a massa, pensasse.

O problema principal da agricultura no Brasil é a escandalosa e escandalosamente ignorada inexistência de uma política e um órgão nacional de assistência técnica e extensão rural. O visionário “estadista” Fernando Collor de Mello, com todos os Ls que a elitóide aprecia, teve a genial idéia de extinguir, durante seu grotesco mandato, a Empresa Brasileira de Assistência Técnica e Extensão Rural, Embrater, transferindo para os Estados a responsabilidade pela manutenção das atividades de extensão.

Para se começar a ter uma idéia de a quantas anda o setor no país, tenho a informação de que os abnegados agrônomos da Emater em Minas Gerais, por exemplo, ganham mensalmente um salário em torno de R$ 1.200,00. Minas Gerais, que é dos estados mais ricos da federação. Seiscentos dólares mensais para um profissional de nível superior, para atender enormes áreas, uma gama ampla de culturas, para resolver problemas que vão do projeto de irrigação ao preparo de compotas. Muitas vezes sem o mínimo necessário, como o salário para abastecer o carro da empresa. Como exercício de imaginação, sugiro ao leitor tentar adivinhar quanto ganhará um extensionista no estado que Sua Excelência o ex-presidente Collor de Mello representa  no Senado da República. Nem sei se há um órgão de extensão rural em Alagoas.

E o que faz um extensionista? Idealmente, orienta os produtores quanto às técnicas e tecnologias mais apropriadas às práticas agropecuárias locais, tendo em vista a situação do produtor, a região etc. Deveria ser o intermediário entre o setor de pesquisa e os produtores rurais. Os ambientalistóides urbanos deveriam se preocupar mais com a ausência de assistência técnica eficiente no país, porque enquanto ela não existir, não há em minha opinião muita esperança de que a maioria dos agricultores adotem práticas produtivas menos nocivas ao ambiente e ao homem. Estas práticas devem ser ensinadas, mas onde estão os professores?

Imagine o leitor que alguem se lhe dirija agressivamente, um dia, reclamando que está fazendo tudo o que sempre fez de forma incorreta, mas se negue a lhe ensinar o certo. É exatamente isto o que se tem feito com o “malévolo” agricultor brasileiro. Há algum movimento ambientalista exigindo a recriação de uma empresa de assistência técnica rural de qualidade, com orçamento decente para que possa atrair técnicos qualificados para seu quadro? Creio que não.

O vazio da extensão rural é parcialmente ocupado por consultores privados, caros e limitados, e pelos técnicos de empresas de insumos agrícolas, compreensivelmente mais interessados em vender seus produtos e cumprir metas do que em educar os agricultores. Algumas ONGs, mas não todas, sofrendo da Síndrome do Colonizador Amargurado, estão mais interessadas, de forma politicamente correta, em valorizar os “saberes tradicionais”, uma forma moderna e eminentemente urbana de se reviver o mito romântico do bom selvagem, do que resolver o problema de se alimentar sete bilhões de ávidas bocas e mais ávidos corpos.

Uma velha parente minha, ao saber que eu estudava Agronomia, perguntou-me sarcasticamente se era necessário estudar por cinco anos para se saber plantar. Algum dos poucos que me leem poderá imaginar um profissional, no mundo de hoje, que possa prescindir de um preparo relativamente longo para exercer sua atividade de forma eficiente e correta? Os produtores rurais em geral serão preparados para exercer profissionalmente suas atividades? Serão educados para isto? Ao consciente ecologista de apartamento isto não parece importar. O que se deseja é que se produza comida barata e sem sem estragar o ambiente. Se o agricultor não faz isso, é porque é uma encarnação do mal. Educação, assistência técnica para este? Não, para o agricultor – cadeia e a antipatia eterna do ambientalista motorizado (em geral, com a barriga bem cheia, presumivelmente com comida, cara, produzida em comunidades tradicionais usando técnicas orgânicas, que não agride o ambiente nem chega à mesa dos pobres).

A extensão rural, que poderia sanar esta falha educacional, ainda que parcialmente, não existe, não é recompensada, não é mesmo reconhecida como ausente. Seu papel na resolução de boa parte dos problemas técnicos e ambientais da produção agropecuária brasileira deveria ser óbvio. Esta situação não deveria perdurar.

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