Fotodegradação de carbono em semi-árido
No dia 03 de agosto postei um comentário rápido sobre um trabalho publicado na Nature avaliando a decomposição do carbono do litter (liteira ou serapilheira, o material vegetal que cai sobre o solo) em clima semi-árido da Patagônia na Argentina. Gostaria agora de fazer umas considerações mais longas sobre o assunto. Em geral se aprende que o aumento de umidade e temperatura aumentam a atividade decompositora dos microrganismos do solo, responsáveis pela oxidação biológica (decomposição) da matéria orgânica que de outra forma se acumularia indefinidamente e as propriedades químicas e físicas dos solos seriam afetadas, geralmente de forma negativa, impossibilitando ou dificultando muito o crescimento vegetal. Uma conclusão lógica a que se chegaria é que em regiões semi-áridas em que a temperatura é alta mas há limitação severa de água, indispensável para a atividade microbiana, o material vegetal que cai ao solo deveria estar sendo só parcialmente decomposto, com uma acumulação líquida de matéria orgânica no solo. Não é o que acontece. No artigo referido os autores observaram que o principal fator ambiental influenciando a degradação do carbono sobre o solo naquela região semi-árida era a radiação solar, notadamente a radiação UV-B, independente da quantidade de microrganismos ou da disponibilidade de nutrientes (carbono de fácil decomposição e nitrogênio). Nas regiões semi-áridas parece que a correlação entre umidade e matéria orgânica do solo é fraca, ao contrário de regiões mais úmidas. O trabalho deixa razoavelmente claro que o sombreamento do solo, quer seja por uma cobertura vegetal mais densa, quer por maior nebulosidade, provavelmente é mais importante para que haja maiores teores de matéria orgânica no solo de regiões semi-áridas do que a própria pluviosidade. Mais um bom motivo para se combater o desmatamento no Nordeste brasileiro.
Vida de silício
Na última sexta-feira ultrapassei mais uma etapa do doutorado: qualifiquei-me. Um dos tópicos de minha qualificação foi a possibilidade de o silício substituir o carbono como principal elemento estrutural dos seres vivos. Meu projeto de tese de doutorado é sobre produção de biominerais de sílica em plantas, principalmente cana-de-açúcar. Estes biominerais, geralmente chamados de fitólitos (pedras produzidas por plantas, em grego) têm um papel importante nos ciclos biogeoquímicos do planeta, inclusive no ciclo do carbono, tão discutido em tempos de excesso de CO2. Interessantemente, os seres vivos responsáveis pela maior produção de biominerais de silício, as algas unicelulares fitoplanctônicas conhecidas por diatomáceas, são grandes fotossintetizadoras, ou seja, seqüestradoras de carbono, pelo menos no curto prazo. O silício e o carbono são elementos químicos muito semelhantes, pertencem ao mesmo grupo na tabela periódica, mas apesar de o silício ser muito mais abundante na crosta terrestre, o carbono é o principal componente dos seres vivos, principalmente por possuir algumas propriedades químicas que o silício não possui. Algumas espécies no entanto têm ao longo da evolução aprendido a produzir estruturas de silício em seus organismos de uma forma metabolicamente mais barata do que se produzissem com carbono. Além disso, vale lembrar que os vegetais superiores modernos são provavelmente descendentes de cianobactérias (algas verde-azuladas), também organismos unicelulares fitoplanctônicos fotossintetizantes, como as diatomáceas. Para se pensar.
País amargo
A Votorantim está prestes a vender suas patentes em variedades transgênicas de cana-de-açúcar a empresas estrangeiras devido à maior obra de arte do Estado brasileiro: a burocracia. Por causa das dificuldades não só em plantar comercialmente variedades transgênicas, mas até mesmo em fazer pesquisa na área, nossa naçãozinha parece fazer questão de retroceder cientifica e tecnologicamente. Somos herdeiros legítimos do obscurantismo ibérico. A dificuldade em se pesquisar transgênicos se deve à ocupação de postos chaves por neo-medievalistas que hoje se escondem sob o nome de ambientalistas, ecoterroristas e outras excrescências fundamentalistas usando argumentos obviamente primitivos, porque a capacidade intelectual não dá para mais, como “Não podemos brincar de deus”, “Isto é anti-natural”, “Isto só interessa/beneficia o Sistema”… Amargo, amargo. Desculpem o tom agressivo, mas o obscurantismo me tira do sério.
A idéia perigosa de Darwin
Este é o título do livro do filósofo americano Daniel C. Dennett, originalmente Darwin’s dangerous idea. O pensamento do autor é de uma lucidez admirável e sem dúvida um seixo arestado de quartzo no sapato medieval de criacionistas et caterva. Eis uma amostra deliciosa:
“If you insist on teaching your children falsehoods–that the Earth is flat, that ‘Man’ is not a product of evolution by natural selection–then you must expect, at the very least, that those of us who have freedom of speech will feel free to describe your teachings as the spreading of falsehoods, and will attempt to demonstrate this to your children at the earliest opportunity. Our future well-being–the well-being of all of us on this planet–depends on the education of our descendants. What, then, of all the glories of our religious traditions? They should certainly be preserved, as should the languages, the art, the costumes, the rituals, the monuments.”
Sobre metano e florestas tropicais
Há pouco escrevi um post sobre a ação do metano no clima e geomorfologia de Titã, lua de Saturno. Aqui mesmo na Terra, no entanto, o metano tem proporcionado controvérsias e provavelmente uma revisão sobre a percepção das mudanças climáticas globais causadas por gases de efeito estufa. O principal gás de efeito estufa é o dióxido de carbono (CO2), produzido pela respiração aeróbica dos seres vivos, queima de combustíveis fósseis e florestas, bem como da decomposição da matéria orgânica do solo. O metano (CH4) também é um causador de efeito estufa e, embora produzido em menores quantidades que o CO2, tem 20 vezes maior capacidade de reter o calor que o dióxido de carbono. Acredita-se que as principais fontes de metano na Terra sejam locais onde há falta de oxigênio e decomposição de matéria orgânica (pântanos, plantios de arroz inundado) mais a digestão de ruminantes e cupins. Um artigo publicado na Nature em janeiro deste ano pelo químico alemão Frank Kepler sugere convincentemente que as plantas são também produtoras de metano, embora o mecanismo fisiológico não tenha ainda sido desvendado. Aparentemente, a maior produção de metano por plantas ocorre nos trópicos, notadamente nas florestas tropicais. Até a década de 80, os monitoramentos de metano na atmosfera vinham mostrando aumentos constantes nos teores do gás, que cessaram daí por diante. Estando correta a hipótese da produção de metano por plantas, a causa deste decréscimo pode ter sido o aumento no desmatamento! Obviamente, isto não é defesa nem desculpa para a devastação das florestas. A derrubada das matas acaba criando outras fontes de gases de efeito estufa que possivelmente superam a diminuição na emissão de metano, como a aceleração da decomposição da matéria orgânica do solo, por exemplo.
Darwin e Solos
O último livro publicado por Darwin, The formation of vegetable mould through the action of worms, with observations on their habits, trata da influência das minhocas na formação da camada superior de solos e oferece insights sobre a formação de solos em geral. O trabalho foi publicado em 1881, pouco antes de Darwin morrer, e é soberbamente escrito. Em um trabalho publicado em 2003 na Agriculture Ecosystems and Environment, o pesquisador francês Christian Feller e outros lançam a idéia de que Darwin foi um precursor importante da Pedologia, estudo da gênese dos solos. Realmente, o russo Dokuchaev, considerado o pai da Pedologia, conhecia e citou o trabalho de Darwin quando publicou seu trabalho, considerado a pedra fundamental da área, considerando no entanto que Darwin dava ênfase demasiada à pedofauna (animais do solo) enquanto ele, Dokuchaev, enfatizava o papel da vegetação. Ironicamente, hoje o papel da pedofauna é cada vez mais reconhecido como importante fator na formação dos solos, sob clima temperado e tropicais, notadamente os cupins e as minhocas! O livro de Darwin pode ser baixado da Internet a partir do endereço www.soilandhealth.org/01aglibrary/010115darwin/fvmc.html.
Carbono em Semi-árido
Na edição de hoje da Nature há um artigo sobre mineralização de carbono de litter na Patagônia, sob clima semi-árido. Os autores observaram mineralização do carbono orgânico por fotodegradação, ou seja, não houve decomposição do material orgânico por microrganismos, mas uma “queima” direta pela luz solar, de forma que este carbono não contribuiu para a matéria orgânica do solo. Imaginem o que ocorreria com a diminuição da nebulosidade em regiões semi-áridas. O clima semi-árido da Patagônia não é, obviamente, igual ao do Nordeste brasileiro, então generalizações inconseqüentes não devem ser feitas, mas é possível que a fotodegradação seja um processo importante em outras regiões sob semi-aridez.