Ainda sobre excessos, extensionistas e divulgação científica sobre solos
Não fiquei muito satisfeito com meu post anterior, no qual discorri sobre certas questões éticas no exercício da profissão de agrônomo. Gostaria de elaborar um pouco mais sobre os problemas levantados, lançando mão de alguns exemplos reais que podem esclarecer minhas preocupações sobre este assunto.
Como comentei anteriormente, tem me preocupado muito o problema do excesso no uso de fertilizantes pelos produtores de hortaliças nas várias regiões do Brasil. Uma leitora e colega blogueira corretamente apontou a solução mais óbvia – mostrar aos agricultores, através da análise química do solo, que já há nutrientes em quantidade adequada ou demasiada e eles não adubarão mais. Acontece que é exatamente isto o que eu e muitos outros colegas temos feito ultimamente, mas o problema não parece ter diminuído. Muitos agricultores, mesmo de posse de uma análise de solo e de um laudo de agrônomo, agarram-se a um tipo de “princípio de precaução” que os leva a adubar (ou irrigar) seus campos mesmo quando assegurados de que não há necessidade. Mas esse é um problema que aflige até mesmo alguns agrônomos.
Há alguns meses assisti um agrônomo responsável pela área de produção de alho de uma grande empresa agrícola afirmar que periodicamente aplicava em torno de 12 toneladas de calcário por hectare apesar de sua análise de solo mostrar que a necessidade real era em torno de 10 vezes menos do que isso. Segundo ele, como sua cultura “não morreu”, os pesquisadores da empresa onde trabalho deveriam rever as recomendações. Em um outro trecho da conversa, o mesmo profissional nos disse que aplicava uma alta dose de fósforo, anualmente e desconsiderando as recomendações, que outros produtores aplicam em culturas que atingem produtividade de mais de 100 toneladas por hectare. Acontece que a produtividade do alho deste senhor não chega a 25 toneladas por hectare. Novamente ele sugeriu que nós pesquisadores precisaríamos refazer nossas pesquisas. Um agrônomo de uma grande empresa aplicando uma dose desproporcionalmente maior do que a necessária, novamente pelo “princípio de precaução”.
Minha preocupação com o uso excessivo de insumos agrícolas é tanto ambiental quanto econômica. Eu esperaria que aqueles diretamente envolvidos com a produção agrícola se preocupassem pelo menos com o aspecto econômico do problema. O uso de quantidades desnecessárias de insumo representa claramente um gasto extra e encarece a produção bem como o preço final do produto. Se apenas produtores cometessem este erro, eu entenderia a questão como mera falha de comunicação e divulgação, possivelmente pelo descaso com a extensão rural no Brasil, do qual falei neste texto e neste. O fato de técnicos agrícolas, agrônomos e mesmo pesquisadores da área agrícola cometerem o mesmo erro me leva a pensar que há também um problema de má formação. O que não sei é se é um problema na formação em solos ou na formação agronômica como um todo. Em qualquer dos casos, é necessário que tenhamos atenção nesta dificuldade, nesta falha técnica recorrente.
Volto à sugestão feita pelo agrônomo produtor de alho citado acima e sua sugestão de que refizéssemos as pesquisas relativas às necessidades de nutrição das hortaliças. Não direi que tudo está resolvido e solucionado em termos de nutrição de plantas. Se isto fosse verdade, aliás, meu emprego seria um gasto de dinheiro público desnecessário. Não, nem tudo está solucionado. Mas se, como sugerido, refizéssemos nossas pesquisas para mostrar que aplicar 12 toneladas por hectare de calcário a um solo com pH de 6,0, adicionar 4 toneladas por hectare de calcário a um solo com 13cmolc/dm3 de cálcio, utilizar a mesma dose de fósforo em uma cultura que produz 20 toneladas por hectare que utilizaríamos em uma cultura que produz 100 toneladas por hectare, estaríamos não só redescobrindo a roda, mas dando um atestado de incompetência. Realmente, desde que entrei na empresa na qual atualmente trabalho, tenho tido a impressão de que boa parte das demandas de pesquisa que nos chegam já têm soluções tecnológicas disponíveis. Sob o risco de parecer repetitivo, para estes problemas, muito mais do que pesquisa, é essencial uma extensão rural estatal e não-ideológica.
Além disto tudo, parece-me também que falta de nossa parte, nós profissionais da Ciência do Solo, uma maior atividade de divulgação de nossa ciência. E falo em divulgação para leigos, não apenas a produção de artigos científicos em periódicos especializados, sob o risco de nossas pesquisas parecerem irrelevantes ou inexistentes para a sociedade. Digo mais: parece-me que estamos sendo ineficientes em divulgar a Ciência do Solo de forma acessível até para os profissionais das Ciências Agrárias. Se não melhorarmos nossa performance, corremos o risco de continuarmos a ser cobrados a pesquisar o óbvio.
A humilde origem do homem no solo
O descaso para com o solo pode ser um dos sintomas do distanciamento do homem moderno em relação ao mundo natural, distanciamento inclusive da natureza modificada e posta a serviço da sobrevivência humana, sob a forma da agricultura. Nos primórdios da civilização ocidental esse descaso seria impensável, talvez mesmo herético, como deixam entrever alguns aspectos linguísticos e religiosos ainda hoje presentes em nossa cultura.
O substantivo hebraico ‘adama‘, significando ‘solo’, deu origem ao nome Adão, ancestral de todos os homens segundo a tradição judaico-cristã. Aliás, a palavra ‘homem’ deriva do latim ‘homo‘, vindo do termo ‘humus‘, a parte viva, orgânica, do solo. “Do pó vieste, ao pó voltarás”. Imagino algum perspicaz ancestral atento ao fato de que nos lugares onde jaziam os corpos mortos surgia um solo mais escuro, mesmo negro, mais fértil e propício à vida – humus. Ao solo negro e fértil às margens do Rio Nilo os antigos egípcios chamavam de ‘Chemi’, mesma palavra com que designavam sua pátria. Os gregos pegaram a palavra emprestada e dela vem ‘química’. A origem dos elementos e da vida claramente associada ao solo negro e fértil, às substâncias húmicas.
Curiosamente, as palavra ‘humildade’ e ‘humanidade’, assim como ‘homem’, têm suas profundas raízes em ‘humus’. O desinteresse pelo mundo natural e pelo solo parece de certa forma representar a perda da humildade do homem, a perda de suas origens.
Chimpanzés geófagos, malária e a origem da vida
Há algum tempo, através do blog Terra Sigillata, agora publicado aqui, neste excelente post, tomei conhecimento do artigo: “Geophagy: soil consumption enhances the bioactivities of plants eaten by chimpanzees“, escrito por uma equipe do Muséum National d’Histoire Naturelle, da França, encabeçada pela pesquisadora Noémie Klein. A equipe documentou a ingestão de solo por chimpanzés do Kibale National Park, em Uganda, depois de se alimentarem de plantas com suposta ação contra a malária e, após ensaios em laboratório, os pesquisadores concluíram que a presença do solo potencializou de alguma forma a ação anti-malária dos extratos vegetais.
A análise mineralógica das amostras de solo utilizadas tanto pelos chimpanzés quanto por um curandeiro de uma aldeia próxima ao parque revelou que o mineral dominante era uma argila conhecida como caulinita, muito comum em solos de regiões tropicais, como África e Brasil. É interessante notar que a caulinita faz parte da composição de uma série de medicamentos utilizados no combate de problemas digestivos e para curar diarréias, mas o efeito de incrementar a ação anti-malária de materiais vegetais não tinha sido antes observada.
Os autores levantaram algumas hipóteses para explicar a ação da caulinita, sem no entanto entrar em detalhes quanto à química dos processos porventura atuantes. Arrisco-me a aventar uma hipótese e o mecanismo que acredito ter potencializado a ação anti-malária é o mesmo que pode ter possibilitado a formação das primeiras moléculas de RNA precursoras da origem da vida. Como já foi diversas vezes comentado no Geófagos, os materiais coloidais presentes no solo, como a matéria orgânica humificada e os minerais de argila, como a própria caulinita, expõem cargas eletrostáticas.
Uma importantíssima função destas cargas é a retenção dos elementos químicos que servem de “alimento mineral” para as plantas, além de outros elementos ou substâncias que exponham cargas de sinal contrário (cargas negativas retêm ânions e cargas positivas adsorvem cátions). Embora a maior parte dos minerais de argila e a matéria orgânica exponham cargas negativas na faixa de pH predominante dos solos (o pH pode influenciar muito o sinal das cargas expostas), alguns minerais do solo, entre eles a caulinita, podem expor também cargas de sinal positivo.
As moléculas orgânicas presentes no solo ou na água, quando ionizadas, tendem a expor cargas negativas, ou seja, tendem a ser aniônicas, de forma que são preferencialmente adsorvidas por minerais com carga positiva, como a caulinita. Imaginemos que as espécies com função medicinal ingeridas por chimpanzés contenham compostos mais simples, com potencial reduzido de combater os efeitos da malária. Se alguns desses compostos pudessem reagir entre si, formariam uma outra substância com função anti-malária mais potente . Para reagir eles têm antes que se aproximar, e é aí que entra a caulinita: ao adsorver os compostos, ela os aproxima, permitindo que reajam. Na ausência da argila, esta reação seria muito mais difícil, pois dependeria do encontro casual dos compostos.
Mas onde entra a origem da vida, de que falei acima? Segundo alguns biólogos e geoquímicos, na sopa orgânica inicial pré-vida, as moléculas precursoras das primeiras e primitivas células estavam presentes, mas não as macromoléculas essenciais tanto à transmissão de informação genética, DNA e RNA, como aquelas responsáveis pelo funcionamento dos organismos, as proteínas. Recentemente descobriu-se que o RNA pode agir tanto como portador das informações genéticas quanto como enzimas, que são proteínas, o que levou alguns a sugerirem que a vida pode ter surgido em um “mundo de RNA”.
Alguns pesquisadores descobriram ainda que outros minerais de argila, principalmente a montmorillonita (comum em solos da região semi-árida do Nordeste), tem a capacidade de catalizar a formação de moléculas de RNA. Como? Exatamente aproximando moléculas menores (monômeros) pela adsorção e permitindo que reajam formando moléculas maiores (polímeros), possíveis precursoras da vida. Viemos do pó e com o pó nos curamos.
Observação: Este post é uma versão revisada e atualizada de um outro publicado em janeiro de 2008.
Carvão como melhorador de solos
Muitos trabalhos de pesquisa recentes, brasileiros e estrangeiros, têm avaliado o uso de carvão de origem vegetal como condicionador de solos, com o objetivo de aumentar os teores de matéria orgânica e a capacidade de troca de cátions do solo, melhorar a eficiência no uso de fertilizantes, promover o crescimento de microrganismos benéficos ao crescimento vegetal, entre outras características agronomicamente desejáveis.
A possibilidade de se usar o carvão como condicionador de solos surgiu ao se observar que certas características químicas das Terras Pretas de Índio (TPI) amazônicas, como maiores teores de matéria orgânica do solo, nitrogênio, fósforo, cálcio e potássio, maior capacidade de retenção de nutrientes (CTC potencial), valores mais altos de pH devem-se à presença na fração orgânica destes solos de grandes quantidades de carvão (também chamado de carbono pirogênico ou, na literatura internacional, biochar), até 70 vezes mais do que nos solos adjacentes que lhes deram origem, predominantemente Latossolos, resultado da adição de material carbonizado por populações pré-colombianas ao longo de muito tempo. A existência das Terras Pretas sugere que, pelo menos teoricamente, solos de baixa fertilidade, como os Latossolos da Amazônia, podem ser transformados em solos férteis, não apenas pela adição de fontes minerais de nutrientes, mas pela adição de compostos orgânicos estáveis na forma de carvão
Um problema comum a tratamentos que utilizem materiais orgânicos como condicionadores de solo é a inevitável decomposição, razoavelmente rápida em alguns casos, tornando necessária a reaplicação periódica do material. A decomposição ou outra forma de oxidação levam à diminuição nos teores de matéria orgânica e conseqüente perda dos efeitos benéficos alcançados. Para que isso não ocorra, há duas saídas possíveis – a adição periódica de insumos orgânicos ou a aplicação de material naturalmente resistente à decomposição.
O carvão, quando incorporado ao solo, demonstra notável resistência à decomposição devida a características químicas intrínsecas, como a presença de grupos funcionais fenólicos, que permitem sua permanência no sistema solo por períodos relativamente longos de tempo, ao contrário de outros materiais orgânicos cuja persistência no solo depende da proteção conferida pelas partículas minerais ou pela continuidade da aplicação. As Terras Pretas Amazônicas têm mantido seus altos teores de matéria orgânica centenas e até milhares de anos após as populações pré-colombianas que lhes deram origem as terem abandonado. Por sua recalcitrância e alto teor de carbono, a aplicação de carvão ao solo tem sido considerada uma prática eficaz de seqüestro de carbono visando mitigar os efeitos da agricultura sobre as mudanças climáticas globais.
Uma breve introdução à gênese dos solos…
A ciência do solo é relativamente recente, datada do século XIX, quando o geólogo russo Dokuchaev elaborou seus pilares. Os solos, até então vistos como “restos” de decomposição das rochas e que, consequentemente, apresentavam grande relação com o corpo rochoso de origem, passaram a ser entendidos como corpos dinâmicos, com características e propriedades próprias, cuja relação com o material originário dependeria de todos os aspectos relacionados à sua formação, refletindo os fatores a ela relacionados e o modo como eles se interagem. Entende-se por fatores de formação dos solos aqueles que, de alguma forma, são capazes de atuar de maneira significativa na pedogênese. Já os processos de formação dos solos podem ser entendidos como o modo de atuação desses fatores.
A lista de fatores de formação dos solos até hoje estudadas não é fruto apenas dos estudos de Dokuchaev, mas também de outros importantes estudiosos, como o suíço Jenny. Segundo esses autores, os solos podem ser entendidos como função de cinco fatores de formação, quais sejam, material de origem, tempo, relevo (topografia), clima e organismos. Esses fatores refletem muito bem a relação da pedosfera com as outras esferas planetárias (geosfera, hidrosfera, atmosfera e biosfera) e, podem ser divididas em fatores ativos, passivos e controladores.
Entende-se como fatores ativos de formação dos solos aqueles que, de alguma forma, atuam sobre o material de origem fornecendo ou exportando matéria, além de gerar energia. São aqueles fatores que ativamente atuam na pedogênese e que, isoladamente, mais contribuem para a mesma. Clima e organismos são os melhores exemplos de fatores ativos.
Os fatores passivos, por sua vez, são aqueles que não fornecem ou exportam matéria, ou ainda, não geram energia. Dentre os fatores acima referidos, material de origem e tempo são classificados como tais.
Já o relevo atua como agente controlador da pedogênese. Apesar de não atuar diretamente, ele pode definir menores ou maiores graus de desenvolvimento do perfil. De modo geral, relevos acidentados favorecem a erosão em detrimento da pedogênese, favorecendo então a formação de um solo menos desenvolvido, que guarda relação estreita com o material originário. Já relevos suaves e planos favorecem a ocorrência de processos como a lixiviação, levando a taxas elevadas de pedogênese e, consequentemente, gerando solos mais maduros.
Nos próximos posts, detalharei, um por um, os fatores de formação dos solos aqui citados. Procurarei também, à medida do possível, mostrar as implicações práticas de tais fatores.
Até a próxima…
Voltando às origens…
Após um longo tempo afastado, estou de volta. Diversos afazeres nesses últimos tempos me afastaram do Geófagos e agora chegou a hora do retorno. Antes de voltar definitivamente resolvi dar uma olhada nos históricos de publicações do blog e, como já imaginava, percebi que nos útlimos tempos nos dedicamos, talvez demasiadamente, à “ciência do solo aplicada” e até outras ciências, sobretudo àquelas ligadas ao ambiente. Entretanto, pouco nos dedicamos à “ciência do solo básica”, extremamente importante para o entendimento de questões aplicadas e também um dos principais objetivos do Geófagos, que é o de divulgar a ciência do solo para outros segmentos sociais além da academia. Iniciarei, portanto, uma volta às origens, iniciando com posts relacionados à gênese dos solos, chegando, no final dessa saga, às principais classes de solos segundo o Sistema Brasileiro de classificação e suas principais características. Evidentemente, principal enfoque será dado aos solos comumente encontrados em ambientes tropicais úmidos e, sobretudo, naqueles predominantes no território brasileiro.
Os solos à muito deixaram de ser considerados apenas como um resultado de desgate de rochas. Desde a visão do geólogo russo Dokuchaev, no século XIX, que eles passaram a ser entendidos como um corpo natural, com propriedades próprias, resultados de interações entre as diversas esferas do planeta (geosfera, biosfera, atmosfera, a própria pedosfera, etc…) através do tempo. Comumente considera-se como fatores de formação dos solos o material de origem, clima, organismos, relevo e tempo. A interação desses fatores determina os processos gerais de formação e, a predominância de um ou mais processos gerais, determina os processos específicos que deram origem a determinado tipo de solo.
O próximo post será dedicado a conceituar gênese do solo, enfocar a importância do seu estudo e exemplificar maneiras de estudá-la. Posteriormente, detalhamentos desses fatores e processos serão dados em outros posts.
Até a próxima…
Minerais de argila de solos tropicais intemperizados
Por estar em região tropical com raras ocorrências de fenômenos naturais catastróficos como terremotos, glaciações ou vulcanismo há um período longo de tempo, as condições ambientais brasileiras favoreceram o desenvolvimento, em grande parte do território nacional, de solos bem desenvolvidos em cuja fração argila predominam minerais secundários típicos de intensos processos de intemperismo, principalmente minerais de argila do tipo 1:1 (grupo da caulinita) e óxidos de ferro e alumínio, considerados como produtos finais do intemperismo químico e altamente resistentes à dissolução ulterior.
Os minerais de argila do tipo 1:1 (lê-se um para um) caracterizam-se por possuir uma unidade cristalográfica contendo uma camada de tetraedros de silício e oxigênio e uma camada de octaedros de alumínio (ou magnésio) e hidroxilas:
Estas unidades cristalográficas empilham-se em camadas não expansivas devido às ligações de hidrogênio formadas entre a camada de tetraedros de sílica de uma unidade e uma de octaedros de outra unidade cristalográfica. A pouca ou nula expansividade da caulinita é a causa da baixa superfície específica deste mineral de argila.
Como há pouca substituição do átomo central tanto nos tetraedros quanto nos octaedros (pequena substituição isomórfica), há pouco desbalanço de cargas, gerando poucas cargas negativas, ou em jargão técnico, pequena capacidade de troca catiônica (CTC), o que significa que os solos em que predominam os minerais de argila do grupo das caulinitas têm pouca capacidade de reter elementos nutrientes catiônicos – daí a baixa fertilidade de solos tropicais muito intemperizados, como os Latossolos do Cerrado e da Amazônia.
Os óxidos de ferro (hematita e goethita, principalmente) e alumínio (principalmente gibbsita), à semelhança dos argilominerais 1:1, têm baixa CTC e contribuem pouquíssimo na retenção de nutrientes no solo. As cores avermelhadas e amareladas de boa parte dos solos brasileiros são conferidas pela presença, em quantidades variáveis, dos óxidos de ferro hematita e goethita, respectivamente. A hematita é mais comum em ambientes menos húmidos e pobres em matéria orgânica. A goethita, por outro lado, forma-se preferencialmente em ambientes mais úmidos, de drenagem mais fraca, e mais ricos em matéria orgânica do solo.
Manejo da matéria orgânica do solo no semi-árido
Alguém me fez recentemente esta pergunta: tendo em vista a baixa produção de biomassa no ambiente semi-árido da caatinga, há possibilidade de se seqüestrar carbono nos solos daquele bioma? Em minha opinião, a questão da possibilidade de seqüestrar-se não está ligada apenas à quantidade de material orgânico ao solo.
O teor de matéria orgânica em um qualquer solo será um balanço entre o que chega e o que é perdido. Mesmo que a quantidade adicionada seja pequena, se de alguma forma as perdas são diminuídas, pode-se chegar a acumular matéria orgânica no solo. Quanto à fonte, não há dúvida de que os resíduos vegetais, tanto aéreos quanto subterrâneos, são os principais originadores de matéria orgânica no solo. Mas de que forma o material orgânico pode ser perdido? A principal forma de perda é pela atividade decompositora de microrganismos, que utilizam o material orgânico como fonte de energia e de carbono para seus componentes celulares.
Algumas condições ambientais e do material orgânico favorecem a atividade microbiana. A riqueza de nitrogênio em relação ao carbono (relações C/N estreitas, comuns em tecidos vegetais de leguminosas e plantas herbáceas), a presença de compostos de mais fácil decomposição (compostos solúveis em água, proteínas, celulose, hemiceluloses), aeração do solo (por exemplo, pelo revolvimento causado por arado e grade, nas atividades agrícolas), fracionamento físico do material orgânico (também causado pela ação de implementos agrícolas). Claramente, isto pode ser revertido utilizando-se espécies com relação C/N alta, ricas em compostos de difícil decomposição (lignina, polifenóis), utilização de sistemas de manejo minimizadores do revolvimento do solo.
Mas há outras formas pelas quais se pode perder matéria orgânica. No semi-árido, uma que considero crucial é a eliminação dos restos de culturas agrícolas e das próprias folhas da vegetação natural no período de seca por animais domésticos, principalmente caprinos. Os sistemas agrícolas já perdem material orgânico por definição devido à exportação do material colhido. A manutenção dos restos de culturas nos campos de cultivo é uma forma interessante de se acumular matéria orgânica e de se colher os benefícios deste acúmulo, tais como controle da erosão, maior eficiência na retenção de água (a matéria orgânica pode reter até vinte vezes sua massa em água), ciclagem de nutrientes, diminuindo a necessidade de uso de fertilizantes.
Quando se permite que os animais domésticos se alimentem a partir dos restos de cultura ou quando estes restos são retirados dos campos para qualquer tipo de utilização, o sistema só perde. Há dados de pesquisa sugerindo que as taxas de erosão do solo mesmo sob a vegetação de caatinga relativamente conservada são consideráveis. O empobrecimento na matéria orgânica do solo exacerba este tipo de problema. Alguns solos da região semi-árida são razoavelmente ricos nos elementos nutrientes conhecidos como bases trocáveis, como cálcio, magnésio e potássio, mas a maior parte do nitrogênio necessário ao desenvolvimento de espécies não leguminosas provem da matéria orgânica do solo.
Já existem alternativas ou pelo menos boas idéias, como o manejo da caatinga desenvolvido na Embrapa Caprinos, o plantio de bancos de proteína (áreas plantadas com leguminosas resistentes à seca, cujo material é rico em proteínas) juntamente com o raleamento seletivo da caatinga. Há algum tempo o Professor Rui Bezerra Batista, da UFPB, já aposentado, chamou a atenção à possibilidade de os minerais de argila 2:1, típico de solos de regiões semi-áridas, poderem agir protegendo física ou quimicamente a matéria orgânica nativa. Talvez os Departamentos de Solos das universidades nordestinas devessem dedicar recursos a pesquisas nesta área. O manejo da matéria orgânica do solo em um bioma frágil e fragilizado como a caatinga deve ser o mais racional possível, para que ganhos monetários aparentes não sejam dependentes de perda de qualidade ambiental. De toda forma, a criatividade é necessária.
Recentemente, uma equipe de cientistas argentinos observou em uma área semi-árida da Patagônia a perda de material orgânico do solo pela ação direta de luz solar, um processo denominado de fotodegradação da matéria orgânica. Obviamente, é muito provável que isso ocorra também no semi-árido nordestino, talvez até em maior intensidade. Isto é um incentivo veemente para a manutenção da cobertura vegetal, de preferência com a vegetação nativa. Não há dúvida que a vegetação da caatinga, por sua adaptação às condições de solo e clima é a mais adaptada para a fixação e o seqüestro de carbono.
Uma coisa deve-se ter em mente: apesar de as quantidades de carbono potencialmente estocáveis não serem tão altas, o pouco que se puder reter ou enriquecer pode ter um papel relevante na manutenção do funcionamento saudável dos ecossistemas do semi-árido.
Nova página da Sociedade Brasileira de Ciência do Solo
A Sociedade Brasileira de Ciência do Solo tem uma nova página na internet. Com um visual mais atraente, a página continua divulgando os eventos mais relevantes da área, além de um grande número de publicações relativas à Ciência do Solo. Acho válido destacar a Revista Brasileira de Ciência do Solo, da qual sou revisor, principal periódico científico de divulgação científica da área no Brasil. Um lançamento que interessará aos especialistas e estudantes, não só da área de Ciências Agrárias mas também de Ciências Ambientais, é o livro Química e Mineralogia de Solos, em dois volumes, editado pelos professores Luís Reynaldo F. Alleoni, da Esalq-USP, e Vander de Freitas Melo, da UFPR. O livro continua a mais do que louvável decisão da SBCS de lançar livros textos da área de Ciência do Solo em português, escritos pelos mais proeminentes cientistas brasileiros. A série, além do recente lançamento, já conta com os volumes sobre Nutrição Mineral de Plantas e Fertilidade do Solo. Indispensáveis.