Cemitério geológico de carbono

Com as constantes preocupações em diminuir ou neutralizar as emissões de CO2 (dióxido de carbono, principal gás causador do efeito estufa) ou descobrir alternativas que reduzam sua concetração na atmosfera, idéias miraculosas têm sido propostas. Desde espelhos para refletir os radiações solares até “aspersão” de anions sulfato (SO42-) na atmosfera (apesar de esta aspersão ter o potencial de causar o problema das chuvas ácidas resultante da combinação do SO42- e do vapor d’água, como disse um dos cientistas responsáveis pela proposta “não se pode fazer omelete sem quebrar os ovos”). Porém alternativas mais simples e de caráter não sensacionalista estão sempre batendo à nossa porta. Há mais de duas décadas as empresas exploradoras de petróleo utilizam a técnica de injeção de CO2 em alguns de seus poços para retirar os últimos resquícios de petróleo do subsolo. Porém, como a emissão de CO2 a partir da queima de combustíveis fósseis figura-se entre os principais “alvos” a serem combatidos quando se trata de mudanças climaticas globais, essa tecnica ganhou uma nova função- sequestrar ou melhor enterrar carbono. Conforme estimativas do IPCC, Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima, será necessário sumir com mais de 25 bilhões de toneladas de CO2 até o ano de 2050 e tal tecnologia tem o potencial de contribuir com pelo menos 21 % desse valor durante esse período. Tal fato, nos induz a pensar no potencial do Brasil de se tornar um grande “cemitério” geológico de carbono. Para se ter uma idéia, conforme estimativas de João Marcelo Ketzer coordenador do Cepac (Centro de Excelência em Pesquisa sobre Armazenamento de Carbono), o Brasil, sozinho, tem capacidade para estocar o equivalente ao que o planeta emite em 80 anos. Áreas usadas na exração de carvão mineral e os aquiferos salinos, cuja água é impropria para o consumo, também poderiam servir como região de estoque. Pensando nessas possibilidades, a PETROBRAS inicia a partir desse ano testes de injeção de carbono em larga escala na Bacia de Santos (sob o mar) e na Bahia (em terra), com estimativas de antingir um patamar de até 10 milhões toneladas por ano até 2014. Se a meta for atingida, será um dos maiores projetos de seqüestro geológico do mundo. Hoje, em grande escala, existem apenas três Se a meta for atingida, será um dos maiores projetos de seqüestro geológico do mundo escreveu Eduardo Geraque para o jornal folha de São Paulo. As principais limitações da tecnologia ficam a cargo- 1. dos riscos de vazamento durante o trasnporte do CO2 que seria aprisionado no processo da captura ou vazamento do próprio reservatório acarretando em passivo ambiental; 2. custos elevados!? Mas essas empresas já não ganharam uma avalanche de dinheiro as custas da exploração da Natureza porque não agora oferecer algo em troca…

Situação da pesquisa científica no Brasil

A revista Pesquisa FAPESP acaba de publicar em seu último número uma excepcional entrevista com a Professora Léa Velho, do Departamento de Política Científica e Tecnológica do Instituto de Geociências da Unicamp e, segundo a revista, “uma das principais referências nacionais em sociologia da ciência”. Na entrevista, a pesquisadora faz relevantes considerações sobre o crescimento do número de publicações, seu impacto internacional, a utilização do número de citações como avaliação da qualidade do pesquisador, a formação de doutores e falta de emprego no Brasil e conseqüente migração de cérebros. Novamente, excelente e esclarecedora entrevista, disponível gratuitamente on-line. Como antídoto para o post anterior, é um refrigério ver o que tem para dizer uma cabeça pensante.

Criacionismo no governo brasileiro

Há alguns dias escrevi este post sobre a inexistência de efeitos maléficos de culturas transgênicas sobre insetos polinizadores. Há lá um trecho que expressa bem minhas idéias sobre uma parte considerável da “intelectualidade” de esquerda brasileira, cito-me: “Assim, revivendo a tradição inquisitorial, uma porção da população brasileira que gosto de chamar de dogmáticos verdes não só se opõe ao plantio de espécies transgênicas, como se opõe mesmo à pesquisa com organismos transgênicos, como se nosso depauperado país pudesse se dar ao luxo de deixar de produzir conhecimento científico (é óbvio que este temor e aversão à ciência é típica de fundamentalistas religiosos)”. Uma das grandes opositoras à pesquisa com organismos geneticamente modificados no Brasil tem sido a ministra do meio-ambiente, Sra. Marina Silva. Agora, desgostoso mas de forma alguma surpreso descubro, através dos blogs Ciência em Dia e Idéias antigas, que a Senhora Ministra é uma ardente defensora da superstição conhecida como criacionismo e da idéia de que esta idiotice seja ensinada nas escolas já que, segundo sua gabaritada opinião, a seleção natural não é competente para explicar a natureza. Fica bem claro quem são e o que pensam os dogmáticos verdes, são dogmáticos mesmo, fundamentalistas para os quais de nada importam dados científicos e por isso mesmo são até contra a pesquisa científica. E há quem se surpreenda pela qualidade da educação brasileira. Já disse e repito: o Brasil e o mundo necessitam desesperadamente de cientistas, não de políticos.  

Enfim, doutor…E agora?

Finalmente, defendi minha tese de doutorado última sexta-feira, dia 18 de janeiro. A defesa foi sem dúvida a parte mais tranqüila de todo o curso, embora esperada com enorme ansiedade. Enfim, sou doutor em Solos e Nutrição de Plantas, mas continuo sem emprego, o que é angustiante, já que tenho filhos a cuidar. Destas coisas que creio só acontecerem no Brasil, até já passei em um concurso, mas a empresa federal de pesquisa para a qual fui aprovado não me chama, apesar de haver vagas e de o governo insistir que deseja ver os pesquisadores empregados e produzindo, como entender isto? De toda forma tenho agora um título, antes nada tinha, parto agora para a fase de correção da tese, escrivinhação de artigos e preparação de projetos de pós-doutorado, saída cada vez mais comum para os recém-doutores desempregados. Ano novo, vida nova.

No campo

Amanhã eu e os amigos Elton Valente, contribuidor do Geófagos, Guilherme Resende, pedo-geo-arqueólogo, e Marcus Locatelli, orquidófilo e orquidólogo, estaremos às margens do Rio Piranga, no município de Guaraciaba-MG, coletando amostras botânicas em um resquício de Mata Atlântica pertencente a meu sogro. Talvez à tarde consiga postar alguma coisa, mas o mais certo é quinta-feira. Até lá, continuem lendo e comentando o Geófagos.

Geofagia, malária, argilas e a origem da vida

Através do blog Terra Sigillata, neste excelente post, cheguei a este interessante artigo: “Geophagy: soil consumption enhances the bioactivities of plants eaten by chimpanzees”, escrito por uma equipe do Muséum National d’Histoire Naturelle, da França, encabeçada pela pesquisadora Noémie Klein. A equipe observou a ingestão de solo em chimpanzés do Kibale National Park, em Uganda, depois de se alimentarem de plantas com suposta ação contra a malária e, após ensaios, concluiram que a presença do solo exacerbou a ação anti-malária dos extratos vegetais. A análise mineralógica das amostras de solo utilizadas tanto pelos chimpanzés quanto por um curandeiro de uma aldeia próxima ao parque revelou que o mineral dominante era o argilomineral conhecido como caulinita, extremamente comum em solos de regiões tropicais, como África e Brasil. Pelo que é descrito no artigo, suponho que ambos os primatas, chimpanzés e homens, coletam solo do horizonte B, em geral mais rico em argilas. É interessante notar que a caulinita faz parte da composição de uma série de medicamentos utilizados no combate de problemas digestivos e para curar diarréias, mas o efeito de exacerbar a ação anti-malária de extratos vegetais não tinha sido antes observada. Os autores levantam algumas hipóteses para a ação da argila, sem no entanto entrar em detalhes quanto à química dos processos porventura atuantes. Eu tenho uma hipótese e o interessante é que o mecanismo que provavelmente promoveu a ação anti-malária é o mesmo que pode ter possibilitado a formação das primeiras moléculas de RNA que depois possibilitariam a origem da vida. Como já falei aqui no Geófagos diversas vezes e repito, os solos têm cargas e que produz estas cargas são principalmente as partículas de argila, como a caulinita. A principal função destas cargas de importância para nossa vida quotidiana é a retenção (adsorção) dos nutrientes minerais para o crescimento das plantas, inclusiva daquelas que finalmente nos alimentarão. Mas na verdade estas cargas têm a capacidade de adsorver qualquer espécie iônica presente com sinal de carga contrário. Embora a maior parte dos minerais de argila e a matéria orgânica exponham cargas negativas na faixa de pH do solo (o pH pode influenciar muito o sinal das cargas expostas), alguns minerais do solo, entre eles a caulinita, podem expor também cargas de sinal positivo. As moléculas orgânicas presentes no solo ou na água, quando dissociadas tendem a expor cargas negativas, ou seja, tendem a ser aniônicas, de forma que são preferencialmente adsorvidas por minerais com carga positiva, como a caulinita. Imaginemos agora que as espécies com função medicinal ingeridas por chimpanzés contenham compostos com potencial anti-malária ou anti qualquer coisa, mas estes compostos têm antes que reagir para poder atuar medicinalmente. Para reagir eles têm antes que se aproximar, e é aí que entra a caulinita: ao adsorver os compostos, ela os aproxima, permitindo que reajam. Na ausência da argila, esta reação seria muito mais difícil, pois dependeria do encontro casual dos compostos. Mas onde entra a origem da vida? Segundo alguns biólogos e geoquímicos, na sopa orgânica inicial pré-vida, as moléculas precursoras da vida estavam presentes, mas não as macromoléculas essenciais tanto à transmissão de informação genética, DNA e RNA, como aquelas responsáveis pelo funcionamento dos organismos, as proteínas. Recentemente descobriu-se que o RNA pode agir tanto como portador das informações genéticas quanto como enzimas, que são proteínas, então alguns supõe que a vida surgiu em um mundo de RNA. Alguns pesquisadores descobriram também que alguns minerais de argila, principalmente um chamado montmorillonita, tem a capacidade de catalizar a formação de moléculas de RNA. Como? Exatamente, aproximando moléculas menores (monômeros) pela adsorção e permitindo que reajam formando moléculas maiores (polímeros), que podem ter sido precursores de toda a vida. Ser um geófago ganha desta forma todo um novo significado.

Post sobre mudanças climáticas

Excelente post sobre as bases científicas das previsões sobre mudanças climáticas globais no blog Chaotic Utopia. Para quem não tem acesso a periódicos científicos, é uma boa introdução, com uma pitada de filosofia da ciência.

Estatística experimental na internet

Se bem usada e explorada, não há em minha opinião melhor ferramenta para a divulgação do conhecimento do que a internet. Acabo de descobrir uma página disponibilizando em PDF os trabalhos originais do genial matemático, estatístico e geneticista R. A. Fisher. Qualquer estudante que tenha feito experimentos científicos está familiarizado com as ferramentas desenvolvidas ou melhoradas por Fisher, como a análise de variância ou os próprios delineamentos experimentais. Considerado um gênio, Fisher foi um dos responsáveis também pelo desenvolvimento da genética populacional. Ótima descoberta.

Ecologia de paisagens e a Serra do Cipó

Mais um excelente post convidado do amigo Elton Valente. Abaixo ele discorre sobre um assunto de já tratei aqui: o desenvolvimento de vegetação exuberante, como a floresta amazônica, sobre solos tropicais quimicamente pobres, como os Latossolos. No caso da área da tese do Elton ocorrem coisas mais extremas, matas ombrófilas (sombreadas) sobre areia quase pura. Sobre a área da Serra do Cipó em que o Valente desenvolve sua tese, também já há algo aqui no Geófagos. Boa leitura.
“Hoje o assunto destas linhas não são os meus desabafos “sócio-político-ambientais” (ufa!) – Aliás, quero registrar o fato de que o meu colega e amigo Ítalo Rocha tem sido bastante generoso comigo, permitindo-me publicá-los aqui no Geófagos. Desta vez quero falar da minha pesquisa de doutorado. Em linhas gerais, o projeto consiste em estudar as relações entre o solo e a vegetação em alguns geoambientes da Serra do Cipó, em Santana do Riacho, nas proximidades de Belo Horizonte.
Intuitivamente nós associamos a uma vegetação robusta, frondosa, níveis elevados de fertilidade do solo. Quando se trata da produtividade das culturas comercias, esta relação é verdadeira, portanto corrigimos as “deficiências” do sistema. Em condições naturais não é bem assim, a natureza sempre nos reserva boas surpresas. Tanto nos trópicos quanto em regiões temperadas, às vezes, sobre solos ricos quimicamente, pode se encontrar uma vegetação de baixa biomassa, ou subarbustiva, até mesmo herbácea, pois outros fatores podem determinar tal condição, por exemplo, a profundidade do perfil do solo, a disponibilidade de água, a temperatura local, ou uma associação destes fatores, entre outros. Por outro lado, nestes “tristes trópicos” (como dizia Claude Lévi-Strauss), é quase uma regra encontrar solos pobres, como os Latossolos, sustentando vegetação exuberante. O fato é que, mais que isso, não é raro encontrar uma vegetação igualmente frondosa assentada sobre solos muitíssimo pobres quimicamente (abaixo da linha da pobreza, eu diria em tom de jocosidade). É exatamente isto que encontramos nos trabalhos de campo de minha pesquisa: solos extremamente pobres sustentando uma vegetação de fitofisionomia ombrófila, bem desenvolvida, frondosa, florísticamente associada à Mata Atlântica. E, num aparente paradoxo, os solos são tão pobres quimicamente que os poucos nutrientes que ali se encontram estão restritos à manta orgânica e ao horizonte A. A rocha de origem do solo não os fornece. Nos horizontes sub-superficiais, em alguns casos, elementos como P, Ca e Mg apresentam valores nulos ou traços.
Tenho suscitado muitas dúvidas e questões sobre isto, o que é ótimo para o trabalho. Por ora não posso comentá-las aqui. Mas o fato é que ainda conhecemos pouco sobre Ecologia de Paisagens. É neste ramo da ciência que, no fim das contas e a bem da verdade, está inserido o meu trabalho (estou no Departamento de Solos – e quero continuar aqui). Acho que em função dos problemas ambientais graves que estamos vivenciando e que ainda estão por vir, muitos pesquisadores das ciências naturais, como Ciência do Solo e Biologia entre outras, estão deixando “a linha dos especialistas”, onde o indivíduo “sabe muito de pouco”, e seguindo a trilha dos antigos naturalistas, aqueles que sabiam um pouco de cada coisa para entender o todo. Como dizia o sábio Aristóteles: “o todo é muito maior do que a simples soma de suas partes”. Na estrutura da paisagem, a Biocenose e o Biótopo se entrelaçam de forma indissociável (isto já soa como um lugar comum) formando o Ecossistema, ou seja, formando um conjunto muito complexo, mas de uma lógica espantosamente simples, que se traduz no equilíbrio dinâmico dos elementos naturais, em sistemas abertos por natureza. Pensando assim é que talvez seja possível encontrar um caminho para elucidar, pelo menos em parte, aquelas minhas questões sobre a Serra do Rio Cipó.
Elton L. Valente”

A mídia, o aquecimento global e as frieiras

Acabo de ler um dos melhores posts até hoje demonstrando o despreparo absoluto de boa parte da mídia para comunicar ciência. O texto é do blogueiro Widson Porto Reis, do excelente O Dragão da Garagem, e deve ser lido por qualquer um desejando imunizar-se contra os absurdos por aí escritos sobre o aquecimento global. O autor destrinça um artigo tolo de uma revista mineira em que a autora, entre outras pérolas, associa o aquecimento global com o aumento da incidência de micoses nos pés e com doenças de inverno…no Brasil! É necessário ler-se isto.

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