Bioeconomia e o futuro da alimentação

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Sete anos comendo terra

Há exatamente sete anos, enquanto fazia meu doutorado na Universidade Federal de Viçosa, resolvi criar um blog de divulgação científica que por diversas razões chamei de Geófagos. Escrevia na hora do almoço, para que ninguém pensasse que estava procrastinando, sem falar que a palavra “blog”, em nosso meio, ainda estava um tanto identificado com “diário on-line de adolescentes”. Mas o que eu queria fazer, sem ter o talento, era o que Steven Jay Gould fazia nas páginas da Natural History com sua coluna “This view of life”, demonstrar numa linguagem acessível ao leigo educado o quanto a ciência era fascinante e relevante para a vida de cada um.

A vantagem óbvia do blog é dar voz a quem não tem acesso à mídia ou às casas publicadoras. Não há nenhuma garantia de que alguém leia o que se escreve, mas só o poder escrever e publicar e deixar disponível para qualquer um que ali consiga chegar já é em parte suficiente e testemunha o poder democratizador da internet. Num blog de divulgação científica há, além do mais, uma liberdade de elaboração ao redor do conteúdo que o artigo científico não permite. Claro, a possibilidade de falar bobagem é maior, não há revisão por pares, mas há espaço também para insights mais ousados, maiores voos da imaginação.

As obrigações profissionais forçaram-me a ser bem menos assíduo do que eu gostaria. Os assuntos também têm mudado e, saído dos entusiasmos comuns à pós-graduação, o Geófagos, refletindo seu criador, tem se tornado mais reflexivo, filosófico, os interesses são mais amplos. Espero ainda poder escrever qualquer coisa útil nesse Geófagos, aproveitar essa aparente democracia da internet para, como gosto de dizer, combater ainda um pouco a ditadura da mediocridade e a expansão do obscurantismo. Que a força esteja com vocês.

Publicar ou perecer, considerações sobre (a ausência de) valores – (re-publicando)

Quando fazia graduação, lembro-me que uma preocupação recorrente entre estudantes e professores envolvidos com pesquisa era o fato de que boa parte das pesquisas feitas na universidade estava fadada a mofar nas estantes, como dizíamos. Pouco do que era feito por nós chegaria a beneficiar a vida de alguém. Essa era nossa principal preocupação e nós éramos um punhado de ideologistas pensando nos rumos da agricultura e do ambiente no semi-árido nordestino. Hoje, quase nada tem chance de mofar nas prateleiras. Tudo é publicado ou, no mínimo, “publicável”, embora muito pouco seja lido e menos ainda aplicado praticamente. Um ingênuo poderia achar que provavelmente mais resultados de pesquisa estariam “chegando à mesa” dos cidadãos. Tenho minhas dúvidas quanto à linearidade desta correlação.

Uma das características típicas de nossa sociedade liberal é o egoísmo extremo. É verdade que hoje se publica muito, mas a impressão que se tem é que os pesquisadores muitas vezes publicam artigos para impressionar outros pesquisadores. O mesmo valor que outrora se dava a uma árvore genealógica enfeitada de títulos nobiliárquicos, hoje se dá a um currículo pesado de títulos de artigos. O público leigo talvez desconheça a existência de uma entidade quase sagrada entre a classe acadêmica chamada Currículo Lattes. O Currículo Lattes é um fetiche, é quase sagrado. O número de trabalhos publicados é exibido orgulhosamente, como noutros tempos se exibiam cicatrizes de batalhas. O artigo científico, referido preferencialmento pelo termo adequado na língua litúrgica, o paper, é a óstia sagrada no altar dos montadores de currículo.

Assim como a hipocrisia é a imitação vulgar das virtudes, a ânsia de publicar tornou-se uma distorção equivocada da competência: publica-se, em muitos casos, “para fazer currículo”, não porque se esteja interessado em criar uma obra acadêmica consistente, ou se queira contribuir para o avanço da Ciência. Aliás, consistência está em geral completamente ausente nos currículos fabricados, com trabalhos em todas as áreas imagináveis e o único avanço almejado é o de cargos.

Os valores estão distorcidos ou ausentes porque aqueles que os deveriam ensinar já não o fazem: pelo menos quatro professores universitários aconselharam-me a não levar em conta preocupações com qualidade e relevância do trabalho, isso seria o de menos importância, antes atrapalharia. O importante, segundo eles, seria publicar, o que quer que seja. Invariavelmente deram o exemplo de algum professor, íntegro e preocupado com qualidade, mas com o currículo tênue. A mensagem tornava-se aí bem clara: a honestidade intelectual vista como entrave ao avanço profissional. Pelo contrário, sobressai mesmo aquele que aconselha aos orientados escrever de qualquer jeito, os revisores que melhorem o estilo. E se perguntam onde nasce a corrupção, como se esta fosse gerada espontaneamente. Não é à toa que a palavra “elite” tem tão má reputação entre nós. A pretensa elite, que deveria dar o tom moral da sociedade, o exemplo a ser imitado, adota os padrões comportamentais mais vulgares.

Essa questão, creio, não se resume a uma tendência equivocada mas inconsequente da classe acadêmica. É um sintoma grave do vazio moral, ético, de todos os segmentos da sociedade. É a ditadura da mediocridade estendendo sua garra ao suposto bastião da qualidade e da meritocracia. É a intrusão da superficialidade, do marketing pessoal vazio onde deveria reinar o pensamento complexo, a introspecção contemplativa, a discussão relevante e enriquecedora. A estupidez angaria adeptos entre a auto-proclamada intelectualidade, entre as mentes pensantes.

Ao contrário do que eu idealizava (e idealizo), a academia parece não ter mais interesse em formar sábios, mas montadores de currículo. De tal forma, professores, que saí frustrado de minha pós-graduação, e não sou o único, porque ao invés de ter publicado muito, estudei e pensei muito, mas estudar e pensar não engordam currículo. Nem escrever blogs.

Cosmogonia Sertaneja

Arde o Sol de meu Sangue acaboclado
Sobre a áspera Rocha do meu ser,
Astro escuro tentando se esconder
Sob a Luz do Sertão esbraseado,
Onde o Rio de meu Sangue derramado
Rega o Solo de um mundo endurecido
E ilumina este Abismo adormecido,
Despertando Demônios e Poetas
Que, gritando suas Palavras secretas,
Dão ao Caos deste Mundo algum sentido.
Sobre o chão pedregoso Sertanejo,
Furioso e brilhando Aurivermelho,
Paira o Astro terrível que é o espelho
Do Sangue derramado e malfazejo
De um Poeta infernal, cujo bafejo
Deu alento a uma Raça piolhosa
Que, gerada na vil massa Argilosa,
Quis alçar-se à Divina posição.
Anoitece nas terras do Sertão,
Sonha a Raça divina, silenciosa.

Resolução CONAMA 420/2009

Há muito venho criticando a forma como o compartimento ambiental solo é tratado pelos órgãos responsáveis pela área ambiental não só no Brasil, mas no mundo. Minhas críticas até então vinham sendo conduzidas, principalmente, frente à falta de políticas públicas visando planejamento, conservação e até mesmo preservação desse recurso, tão importante não só como meio de cultivo de alimentos e meio de sustentação de obras, mas também como parte do ciclo hidrológico e de outros ciclos tão importantes para a manutenção da qualidade de vida e da própria existência de vida no planeta, como o do carbono, do nitrogênio, do fósforo, do enxofre, etc…
Bem, mas não é o caso de “teorizar” sobre a importância ambiental do solo. Pelo menos não nesse post. Muito menos é caso de criticar. Estou hoje aqui para elogiar e corrigir o título do meu último post, “Mais um ano de fiascos”. Confesso que até a escrita desse último eu não tinha conhecimento a respeito da publicação da resolução do Conselho Nacional de Meio Ambiente (CONAMA) de número 420. Ela foi publicada no dia 28 de Dezembro de 2009 e “dispõe sobre os critérios e valores orientadores de qualidade do solo quanto à presença de substâncias químicas e estabelece diretrizes para o gerenciamento ambiental de áreas contaminadas por essas substâncias em decorrência de atividades antrópicas“. Tal resolução mostra que o ano, apesar de muitos fiascos, não foi somente deles.
Críticas à parte, a resolução é um avanço sem tamanho para o reconhecimento da ciência do solo como, também, parte das ciências ambientais no Brasil. Bem ou mal é uma primeira tentativa oficial e nacional de propor efetivamente dados para consulta sobre degradação química de solos e suas consequências. O passo mais difícil foi dado. A partir de agora é aperfeiçoá-la e fazer com que ela, cada vez mais, se aproxime da realidade.
A resolução pode ser vista e obtida através do endereço eletrônico http://www.mma.gov.br/port/conama/legiabre.cfm?codlegi=620.
Até a próxima…

De volta

Ainda não foi desta vez que a rica internet ficou livre das bobagens que insisto em escrever por aqui. Realmente, fiquei distante do Geófagos por um tempo relativamente longo, talvez a ausência mais longa desde que comecei a escrever o blog no quase remoto 2006. As razões obviamente são muitas.
Como estava, ao longo de todo o ano de 2009, em período probatório na empresa de pesquisa em que trabalho, houve uma série incontornável e muitas vezes inadiável de obrigações às quais tive que me dedicar quase que em tempo integral, principalmente no segundo semestre, repleto de viagens, cursos, palestras e relatórios. Coordenei a realização de um Workshop sobre mudanças climáticas e produção de hortaliças, com sucesso, graças à Força. Por tudo isso e algumas coisas mais atingi um grau de estresse que, em certo momento, chegou a comprometer minha saúde. Tive que diminuir um pouco o ritmo e o pobre Geófagos foi temporariamente sacrificado. Infelizmente, todos os outros autores encontravam-se, também por motivos profissionais, incapacitados de me substituir. Mais recentemente o agora professor Carlos Pacheco arranjou um tempinho entre suas muitas aulas de gênese do solo para escrever uns bons posts por aqui.

O probatório, felizmente acabou e fui considerado apto a permanecer no quadro de pesquisadores da empresa, entreguei o último relatório, tirei férias, controlei o estresse, visitei a alma mater, saudosa UFV, engordei uns quilos, perlustrei as montanhas mineiras em demanda de uns solos com o professor Pacheco e outros colegas e agora estou de volta ao Planalto Central, disposto a trabalhar mais e com mais eficiência, produzir algum conhecimento novo, preferivelmente útil, escrever uns posts neste Comedor de Terra velho de guerra, tentando ensinar alguma coisa para alguem. Bom ano novo para vocês todos.

Mais um ano de fiascos…

O ano vai chegando ao fim e, com ele, carregamos uma sensação de frustração. Assim como já havia acontecido em Johannesburgo, na rio + 10, mais uma conferência ambiental termina como um verdadeiro fiasco. Dias de muito blá blá blá e no final, nada. Como bem disse o presidente Lula, só mesmo um “anjo do céu ou um sábio” para iluminar as cabeças dos líderes mundiais e fazer com que os mesmos tomem decisões sensatas, deixando de pensar um pouco no dinheiro e lembrando-se que existem coisas tão importantes quanto para serem levadas em consideração no ato de decidir sobre o futuro da humanidade.
Ao meu ver grande parte da falta de decisões tomadas também tem a ver com a falta de consenso sobre o tema aquecimento global. Muito já escrevi, aqui mesmo, no Geófagos, que acredito num outro rumo das discussões sobre o tema, enfocando o problema em si e não APENAS discutindo as suas causas. A discussão das causas, aliás, é uma necessidade para que haja argumentos e dados suficientes para subsidiar políticas de combate ao fenômeno. Entretanto, na atual circustância, acredito ser muito mais sensato nos preocuparmos principalmente com as consequências do fato para com a espécie humana. Aparentemente, antropogênico ou não, o aquecimento está aí e é irreversível e, portanto, é necessário nos adaptar a esse novo cenário.
Outro fato que em nada auxilia na elaboração de políticas adequadas é o catastrofismo de alguns. Após a COP 15 tenho ouvido a todo momento leigos e até mesmo especialistas dizendo sobre o pedido de socorro do planeta Terra. O planeta não pede socorro, nós é que pedimos. Nossas atitudes não afetarão as estruturas da Terra e sim, as condições nos mantêm nela. Deixemos de nos imaginar como o “centro do universo”, deixemos de ser nacisistas, pois, somos apenas parte de um grande sistema. Volto a dizer que, provavelmente, nós seremos um dia extintos e o planeta, provavelmente continuará por aqui, assim como após a extinção de várias outras espécies mais famosamente representadas pelos dinossauros há 65 milhões de anos atrás.
Em setembro desse ano um artigo denominado “A safe operating for humanity” procurou listar alguns ítens e seus limites que seriam necessários para manutenção da espécie humana no planeta. O autor ainda argumenta que durante o holoceno, por aproximadamente 10000 anos, as condições do planeta se mantiveram estáveis, permitindo o desenvolvimento da humanidade. Porém, a partir da revolução industrial o homem criou condições específicas que levaram à quebra dessa estabilidade. Essa nova era foi denominada de Antropoceno e é caracterizada principalmente pela grande interferência do homem no meio natural, levando a um desequilíbrio de consequências ainda discutíveis, mas, ao que tudo indica, extremamente danosas para a continuidade de diversas espécies, inclusive a nossa.
A lista de processos vitais à sobrevivência humana no planeta é: mudanças climáticas, poluição química, cargas de aerossóis atmosféricos, perda de biodiversidade, mudanças no uso da terra, uso global das águas, ciclos do fósforo e do nitrogênio, declínio do ozônio estratosférico e acidificação dos oceanos. O autor cita ainda que, em pelo menos três desses processos já ultrapassamos os limites planetários, é o caso das mudanças climáticas representadas pelos teores de CO2 atmosféricos, da taxa de perda de biodiversidade e da quantidade de Nitrogênio removido da atmosfera para uso humano.
Ao citar esse trabalho e os processos vitais nele listados, quero voltar a uma velha questão que há muito também tenho discutido. Os problemas ambientais são muito mais complexos do que parecem. Eles não se resumem ao desmatamento amazônico ou ao aquecimento global. Existem outras questões, talvez mais complexas e de soluções mais difíceis que constantemente são ignoradas pelos grandes meios de comunicação. Desviar o foco para apenas um ou dois problemas nos leva a esquecer os demais. Abranger demais a discussão, tornando-a não objetiva, também é uma forma de desviar o foco e não discutir-se outras questões de suma importância.
Portanto, que tal tornarmos as discussões sobre questões ambientais mais objetivas? Que tal começarmos a buscar as adaptações necessárias ao novo cenário que há por vir e focarmos na resolução de problemas solucionáveis? Que tal tornarmos a discussão mais científica e menos política?
Enfim, gostaria de desejar a todos um ótimo ano novo e que tenhamos um ano com discussões mais objetivas e proveitosas que nos anos anteriores.

Uma breve introdução à gênese dos solos…

A ciência do solo é relativamente recente, datada do século XIX, quando o geólogo russo Dokuchaev elaborou seus pilares. Os solos, até então vistos como “restos” de decomposição das rochas e que, consequentemente, apresentavam grande relação com o corpo rochoso de origem, passaram a ser entendidos como corpos dinâmicos, com características e propriedades próprias, cuja relação com o material originário dependeria de todos os aspectos relacionados à sua formação, refletindo os fatores a ela relacionados e o modo como eles se interagem. Entende-se por fatores de formação dos solos aqueles que, de alguma forma, são capazes de atuar de maneira significativa na pedogênese. Já os processos de formação dos solos podem ser entendidos como o modo de atuação desses fatores.
A lista de fatores de formação dos solos até hoje estudadas não é fruto apenas dos estudos de Dokuchaev, mas também de outros importantes estudiosos, como o suíço Jenny. Segundo esses autores, os solos podem ser entendidos como função de cinco fatores de formação, quais sejam, material de origem, tempo, relevo (topografia), clima e organismos. Esses fatores refletem muito bem a relação da pedosfera com as outras esferas planetárias (geosfera, hidrosfera, atmosfera e biosfera) e, podem ser divididas em fatores ativos, passivos e controladores.
Entende-se como fatores ativos de formação dos solos aqueles que, de alguma forma, atuam sobre o material de origem fornecendo ou exportando matéria, além de gerar energia. São aqueles fatores que ativamente atuam na pedogênese e que, isoladamente, mais contribuem para a mesma. Clima e organismos são os melhores exemplos de fatores ativos.
Os fatores passivos, por sua vez, são aqueles que não fornecem ou exportam matéria, ou ainda, não geram energia. Dentre os fatores acima referidos, material de origem e tempo são classificados como tais.
Já o relevo atua como agente controlador da pedogênese. Apesar de não atuar diretamente, ele pode definir menores ou maiores graus de desenvolvimento do perfil. De modo geral, relevos acidentados favorecem a erosão em detrimento da pedogênese, favorecendo então a formação de um solo menos desenvolvido, que guarda relação estreita com o material originário. Já relevos suaves e planos favorecem a ocorrência de processos como a lixiviação, levando a taxas elevadas de pedogênese e, consequentemente, gerando solos mais maduros.
Nos próximos posts, detalharei, um por um, os fatores de formação dos solos aqui citados. Procurarei também, à medida do possível, mostrar as implicações práticas de tais fatores.
Até a próxima…

Pedido de desculpas a alguns leitores

Alguns leitores, entre eles o colega blogueiro de ciência Osame Kinouche, talvez tenham notado que alguns de seus comentários foram apagados de meu post anterior. Gostaria de pedir-lhes sinceras desculpas e afirmar que isto foi feito sem meu conhecimento e certamente sem minha permissão. Infelizmente não há como recuperar estes comentários. Pelo menos um post intitulado “Blogosfera” foi também apagado, junto com os comentários, presumivelmente na mesma ocasião. Garanto-lhes, no entanto, que este tipo de evento não mais se repetirá.
Cordialmente,
Ítalo Moraes Rocha Guedes.

Notas de Um Brasil Profundo

Este ensaio, embora não tão profundo como o Brasil, ou nada profundo, me foi inspirado por três pessoas importantes ao Geófagos, Ítalo, Manuel e Sibele. Foi a partir de seus comentários em alguns textos meus que fiquei “ruminando” estas coisas.
Nas minhas últimas andanças, ou peregrinações, tive a oportunidade de ver alguns lugares que eu ainda não conhecia desse Brasilão Imenso e rever outros por onde passei faz tempo. Mas a impressão é sempre a mesma: o Brasil é muito mal utilizado e muito mal administrado. Todo mundo sabe disso, né? Mas, enfim… Como o texto ficaria muito grande, resolvi fazer um comentário rápido contendo minha impressão sobre cada ambiente por onde passei (nada científico ou estatístico), são apenas impressões, que podem sim virar textos mais elaborados depois.
Na região do Médio Araguaia, nas redondezas de Conceição do Araguaia, no Pará, onde fui faz um tempo, o problema relacionava-se, previsivelmente, ao mal uso das pastagens, correndo o risco de se tornarem áreas degradas, à semelhança do Médio Rio Doce (deste falarei mais adiante). Lembro-me que certa vez um produtor rural, cliente da Emater MG no município onde eu trabalhava, discutia comigo estas questões da degradação das pastagens e das dificuldades que ele enfrentava. Num dado momento da conversa ele disse que sua solução era, talvez, ir embora para “o norte” (Tocantins, Pará, etc.), como muitos estavam fazendo. Foi quando eu disse a ele, em tom de seminarista para não ofendê-lo, que se muitos de nós fôssemos para o norte, mas não mudássemos nossos hábitos com o uso das terras, nós iríamos transferir os problemas de um lugar para o outro. Ele concordou comigo (e continuou meu amigo e cliente da Emater).
No Planalto Central, observei áreas de veredas com acesso direto do gado, bem como extensas plantações chegando à borda das áreas alagadas. O Código Florestal proíbe isso. Mas, infelizmente, no Brasil há uma distância muito grande entre o que prevê a legislação e o que se encontra na prática. Considero o agronegócio importante, pois precisamos usar, com racionalidade, os recursos naturais de que dispomos. E eis aí a Extensão Rural fazendo falta! Em cultivos extensivos, de milhares de hectares, deve-se prescindir de explorar estas áreas de reservas, que estão previstas em lei (embora não sejam fiscalizadas). Diferentemente da Zona da Mata Mineira, a seguir.
No Domínio dos Mares de Morros, principalmente na Zona da Mata Mineira, se a legislação e o código florestal forem aplicados à risca, nós vamos expulsar os pequenos e médios produtores de suas terras. Entre outros “problemas ambientais”, suas áreas cultiváveis estão praticamente restritas aos terraços que em grande parte, naquela área e conforme a lei, deveriam estar preservados com a vegetação nativa que margeia as coleções de água. Portanto, na Zona da Mata a coisa é um pouco mais complicada. Nós não podemos simplesmente, pela letra fria da lei, tirar essa gente de suas terras (ou as terras dessa gente, o que é mais comum, infelizmente). É preciso conciliar a manutenção dessa população em suas propriedades, mas de forma digna, observando critérios sócio-econômicos, ambientais e critérios técnicos de manejo e conservação do solo e da água. O que é perfeitamente possível. Eis aí a Extensão Rural fazendo falta de novo!
No Médio Rio Doce, a pecuária extensiva, entre outras atividades, pelo uso constante do fogo como técnica de manejo de pastagens e outros métodos inadequados de uso e manejo do solo, promoveram os altos índices de degradação que encontramos por lá. Em geral são Argissolos Eutróficos muito degradados. Em determinados locais os índices de degradação, considerados alto e muito alto, ultrapassam 80% destas áreas. Estes dados são de minha dissertação de mestrado (disponível em pdf na página da Biblioteca da UFV). O problema, embora possível de ser solucionado com tecnologias relativamente simples, é grave, e dada sua extensão, demanda um maior volume de recursos financeiros. Boas opções, neste caso, são a recuperação das pastagens nas áreas baixas e o cultivo de espécies florestais nas áreas mais declivosas. Aqui, mais que nos outros ambientes considerados, é preciso utilizar, de forma mais intensiva e em conjunto, as práticas mecânicas e vegetativas de controle da erosão hídrica e recuperação de áreas degradadas.
Na transição da Mata Atlântica para a Caatinga, entre Minas Gerais e Bahia, no Médio Jequitinhonha, encontra-se uma razoável diversificação de uso dos solos, com culturas anuais, culturas perenes e pastagens. Embora se trate de uma área aparentemente um pouco menos degradada do que o Médio Rio Doce (por menor precipitação e tipo de solo?), as práticas inadequadas de uso e manejo do solo são uma constante. Mas neste caso a adequação dessas práticas aos critérios técnicos e a recuperação de suas áreas degradadas, aparentemente, demandam menor tempo e menor volume de capital do que no Médio Rio Doce.
Na região da Caatinga, trata-se do óbvio, é preciso incentivar o uso de alternativas adaptadas às condições edafoclimáticas (solo e clima) da região. Para esta área, bem como para a Zona da Mata, Médio Rio Doce e Jequitinhonha (e outros específicos), imagino um programa para pequenos, médios e grandes produtores rurais, que contemple cursos de qualificação e requalificação profissional, em administração rural e atividades diversas. Com assistência técnica presente, recursos de crédito faciliatado e incentivos fiscais. Mas tal programa deve vislumbrar um momento em que os produtores não sejam mais altamente dependentes destes incentivos. É o paradigma do extensionista: o ótimo de desempenho de suas funções é o momento em que seus clientes não precisem mais dele.
Mas esta é apenas uma proposta de um (ex-) extensionista agropecuário. Passível de críticas e sugestões.

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