Antônio Lopo Montalvão e a Arqueologia Brasileira: Uma Breve História

Por Elton Luiz Valente
A história da arqueologia no Brasil e principalmente em Minas Gerais é tangenciada pela história de um lendário, ilustre e desconhecido mineiro chamado Antônio Lopo Montalvão (Nhandutiba, 1917 – Montalvânia,1992). De caráter popular, era um autodidata, idealista, arqueólogo, filósofo, historiador e visionário. Para alguns era um louco, para outros um herói.
Dono de uma biografia ímpar sob muitos aspectos, Antônio Lopo Montalvão nasceu em 1917, em Nhandutiba, distrito rural do município de Manga, no norte de Minas Gerais. Por volta dos vinte anos foi parar em Buenos Aires, fugindo de uma confusão em que se metera em Goiânia. Voltou para sua terra natal em 1949 com um projeto: fundar a cidade de Montalvânia. “Eu pensava na Nova Tróia, fadada aos descendentes de Enéias“, dizia. Construiu o centro da cidade em 1952, na confluência dos rios Cochá e Poções, afluentes do Rio Carinhanha, a 80 km de Manga e 850 km de Belo Horizonte. Consta que a infra-estrutura de Montalvânia era melhor do que a de Manga. Batizou ruas e avenidas com nomes famosos, Avenida Galileu, Rua Schopenhauer, Praça Platão, Rua Copérnico, Rua Zoroastro, e assim por diante. Candidatou-se a prefeito de Manga e foi eleito em 1959. Inesperadamente, em uma madrugada, Montalvão transferiu a sede administrativa de Manga para Montalvânia que, pouco depois, foi emancipada, passando diretamente de povoado a cidade em 1962. Certo dia, por decreto municipal, soltou na cidade um boi branco de chifres enormes, com liberdade para circular nas ruas, era o “Boi Ápis”.
Montalvão, com a ajuda de um amigo de infância e homem simples, João Elmiro Vieira, o “João Geólogo”, catalogou todas as grutas e sítios arqueológicos de Montalvânia. Denominou aquelas figuras de “A Bíblia de Pedra” e descreveu-as numa complexa mitologia greco-hidu-latino-americana com elementos de botânica, bioquímica, arqueologia, astronomia e ficção. Ficção esta nos moldes do escritor suíço Erich von Däniken, autor do best-seller “Eram os Deuses Astronautas?”, que trata de supostas influências extraterrestres em nosso planeta.
Com base em suas próprias interpretações, Montalvão batizou aquelas grutas como “Gruta da Hidra”, “Gruta de Posseidon”, “Labirinto de Zeus”, “Abrigo dos Diplodocus” etc., e uma lendária “Lapa do Gigante” onde ele acreditava haver um gigante enterrado. Mandou “João Geólogo” cavar o local e, num lance de pura sorte, para comprovar sua teoria, encontrou a ossada de uma preguiça-gigante (provavelmente um Eremotherium ou Megatherium da fauna Plio-Pleistocênica extinta). Montalvão divulgou sua interpretação daquelas figuras na sua “Revista do Brasil Remoto”. – “A pictogravura mostra o deus Shiva ou Kukulcan, o Espírito Santo cristão e o Coração-de-Rá egípcio ou Tot que chocara o ovo do mundo, o Saramangana javanês e o deus-aranha que dirigira as inseminações artificiais no Reino das Amazonas” – “As mnemônicas inscrições rupestres cochaninas mostram outras bases biológicas desconhecidas pelos nossos bioquímicos, como outros termos energéticos desconhecidos pelos nossos geofísicos.” E assim por diante.
Em meados dos anos 1970, como nos conta o Professor e Arqueólogo Franco-Brasileiro André Prous na publicação “Arquivos do Museu de História Natural”, Vol. XVII/XVIII, UFMG, 1996/1997, Montalvão volta a ser prefeito de Montalvânia e procura o Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais – IEPHA/MG para relatar a existência daquele extraordinário conjunto de sítios arqueológicos. Em 1977 iniciam-se as escavações e levantamentos arqueológicos em Montalvânia e vizinhanças. Conseqüentemente, descobrem-se novos e ricos sítios arqueológicos por toda a região, como no Vale do Peruaçu.
O Professor André Prous, que conviveu com ele durante os trabalhos de campo, nos faz um breve e sublime relato da personalidade de Montalvão: “… seu raciocínio era tão claro como o de qualquer um, quando não se tratava de arte rupestre. Ao mesmo tempo louco e consciente, visionário e racional, o Dom Quixote do Sertão sabia impor respeito e admiração. Perto dele se entendia porque o povo da região o considerava um ser sobre-humano, com corpo fechado e o poder de transformar-se em onça afugentando os inimigos de tocaia” (pg. 77 da publicação supracitada). “Foi um privilégio ter conhecido este Dom Quixote e seu Sancho – o ‘João Geólogo’ – que mereciam inspirar um moderno Cervantes” (pg. 5, idem).
Fico a conjecturar sobre qual seria o resultado de um encontro, como este do Professor André Prous, entre Montalvão e o também mineiro, escritor, médico e diplomata João Guimarães Rosa (Cordisburgo-MG, 1908 – Rio de Janeiro, 1967). Foram contemporâneos, nasceram em municípios relativamente não muito distantes um do outro. Os principais feitos de Montalvão coincidem com mais de uma década de vida de Guimarães Rosa. Talvez Montalvão fosse imortalizado em uma obra do quilate de “Grande Sertão: Veredas”. Mas, enfim, Antônio Lopo Montalvão morreu aos 75 anos, em 1992, em Montalvânia, na sede do seu “Instituto Filantropo Cochanino” e nos deixou um legado, resumido em suas próprias palavras, ditas ao Professor André Prous em 1976: “Bem, eu já contei a minha história, agora vocês que contem a sua“.
Montalvão, à semelhança de alguns ilustres e muitas vezes desconhecidos artistas populares brasileiros, como Zé Limeira da Paraíba, com gosto pelas artes, ciência, filosofia e história, deixaram o seu legado, a sua lição, a sua história na forma de uma riquíssima mistura de criatividade, mitologia, jargões científicos e culturais que João da Ana chamou de “misturismo”. João da Ana é um também ilustre e desconhecido poeta igualmente popular de minha região. Aliás, “O Misturismo” é o título de um de seus cordéis, publicado em 1971 na cidade mineira de Mantena. Se me atrevo a trazê-los ao Geófagos, não é apenas porque a história de Montalvão esbarra com a história da arqueologia brasileira, é também porque os admiro muito, e é preciso conhecer nossa história e nossos artistas populares. Esse misto de criatividade popular, filosofia e cultura, comum a João da Ana, Zé Limeira e Montalvão, poderia muito bem ser chamado de Zé-Limeirismo que eu, mineiro que sou, chamo de Montalvanismo.
CONHEÇA MAIS:
1) Visite Montalvânia, no norte de Minas Gerais.
2) Em Montalvânia, visite a sede do “Instituto Filantropo Cochanino”.

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