Reflexão sobre o aparente anti-cientificismo de Ariano Suassuna

O aparente anti-cientificismo de Ariano Suassuna, expresso em alguns textos seus e entrevistas, me incomoda muito porque me parece uma das poucas instâncias em que o Mestre se rende ao estereótipo irrefletido e ao superficialismo de opinião. Em um texto de 1962, Suassuna admite que para ele “parecerá sempre antipático esse mundo frio e ameaçador” representado pelos “objetos, invenções e ideias da ciência moderna” porque pressente esse modelo de mundo “hostil à poesia e à vida”.

Suassuna, como outros artistas, assume o que só posso chamar de subjetivismo extremo, execrando qualquer forma de distanciamento analítico, de objetivismo frio, como um aspecto do cientificismo assustador e desumanizante. Penso que Ariano deve ter uma ideia muito vaga e distorcida do que é a Ciência e o fazer científico.

O preconceito desatualizado de que o cientista, em sua prática, “disseca” a natureza, carrega a própria herança do verbo dissecar – expor as entranhas do que está morto na busca do entendimento, como se a análise científica, em algum tipo de inversão sádica, causasse a morte do objeto de estudo. Nada se diz, nessa análise pobre e superficial, das vidas salvas pela compreensão dos cadáveres, embora isso não seja de todo relevante ao que quero dizer.

Numa entrevista de Suassuna que li há alguns anos, ele comenta sobre a seleção natural e expressa sua desconfiança pelo Darwinismo porque o considera imperialista ou outra bobagem equivalente. É claro que o que ele desgosta é na verdade uma interpretação enviesada do Darwinismo feita por Ernst Haeckel e que racistas europeus convenientemente utilizaram para justificar o colonialismo e outras atrocidades. Desaprovar uma interpretação questionável de uma teoria científica consolidada é compreensível e aceitável. Tomar essa interpretação como a teoria em si e a partir daí fazer uma crítica de todo um ramo do conhecimento humano, com profundas implicações filosóficas e práticas é inesperado em um pensador do porte do criador de um Jesus preto.

O Ariano Suassuna que se aventura pelas altas e ousadas análises literárias e estéticas é meu dileto professor de alta cultura e bom gosto. Ao se arriscar a analisar a influência da Ciência na modernidade, ele quase parece um desses evangélicos criacionistas que assombram o espírito de Carl Sagan. Ou talvez, como ele já disse de outros assuntos, “opinião sobre isso propriamente eu não tenho, mas como vocês perguntaram, eu respondi.”

Mais um ano de fiascos…

O ano vai chegando ao fim e, com ele, carregamos uma sensação de frustração. Assim como já havia acontecido em Johannesburgo, na rio + 10, mais uma conferência ambiental termina como um verdadeiro fiasco. Dias de muito blá blá blá e no final, nada. Como bem disse o presidente Lula, só mesmo um “anjo do céu ou um sábio” para iluminar as cabeças dos líderes mundiais e fazer com que os mesmos tomem decisões sensatas, deixando de pensar um pouco no dinheiro e lembrando-se que existem coisas tão importantes quanto para serem levadas em consideração no ato de decidir sobre o futuro da humanidade.
Ao meu ver grande parte da falta de decisões tomadas também tem a ver com a falta de consenso sobre o tema aquecimento global. Muito já escrevi, aqui mesmo, no Geófagos, que acredito num outro rumo das discussões sobre o tema, enfocando o problema em si e não APENAS discutindo as suas causas. A discussão das causas, aliás, é uma necessidade para que haja argumentos e dados suficientes para subsidiar políticas de combate ao fenômeno. Entretanto, na atual circustância, acredito ser muito mais sensato nos preocuparmos principalmente com as consequências do fato para com a espécie humana. Aparentemente, antropogênico ou não, o aquecimento está aí e é irreversível e, portanto, é necessário nos adaptar a esse novo cenário.
Outro fato que em nada auxilia na elaboração de políticas adequadas é o catastrofismo de alguns. Após a COP 15 tenho ouvido a todo momento leigos e até mesmo especialistas dizendo sobre o pedido de socorro do planeta Terra. O planeta não pede socorro, nós é que pedimos. Nossas atitudes não afetarão as estruturas da Terra e sim, as condições nos mantêm nela. Deixemos de nos imaginar como o “centro do universo”, deixemos de ser nacisistas, pois, somos apenas parte de um grande sistema. Volto a dizer que, provavelmente, nós seremos um dia extintos e o planeta, provavelmente continuará por aqui, assim como após a extinção de várias outras espécies mais famosamente representadas pelos dinossauros há 65 milhões de anos atrás.
Em setembro desse ano um artigo denominado “A safe operating for humanity” procurou listar alguns ítens e seus limites que seriam necessários para manutenção da espécie humana no planeta. O autor ainda argumenta que durante o holoceno, por aproximadamente 10000 anos, as condições do planeta se mantiveram estáveis, permitindo o desenvolvimento da humanidade. Porém, a partir da revolução industrial o homem criou condições específicas que levaram à quebra dessa estabilidade. Essa nova era foi denominada de Antropoceno e é caracterizada principalmente pela grande interferência do homem no meio natural, levando a um desequilíbrio de consequências ainda discutíveis, mas, ao que tudo indica, extremamente danosas para a continuidade de diversas espécies, inclusive a nossa.
A lista de processos vitais à sobrevivência humana no planeta é: mudanças climáticas, poluição química, cargas de aerossóis atmosféricos, perda de biodiversidade, mudanças no uso da terra, uso global das águas, ciclos do fósforo e do nitrogênio, declínio do ozônio estratosférico e acidificação dos oceanos. O autor cita ainda que, em pelo menos três desses processos já ultrapassamos os limites planetários, é o caso das mudanças climáticas representadas pelos teores de CO2 atmosféricos, da taxa de perda de biodiversidade e da quantidade de Nitrogênio removido da atmosfera para uso humano.
Ao citar esse trabalho e os processos vitais nele listados, quero voltar a uma velha questão que há muito também tenho discutido. Os problemas ambientais são muito mais complexos do que parecem. Eles não se resumem ao desmatamento amazônico ou ao aquecimento global. Existem outras questões, talvez mais complexas e de soluções mais difíceis que constantemente são ignoradas pelos grandes meios de comunicação. Desviar o foco para apenas um ou dois problemas nos leva a esquecer os demais. Abranger demais a discussão, tornando-a não objetiva, também é uma forma de desviar o foco e não discutir-se outras questões de suma importância.
Portanto, que tal tornarmos as discussões sobre questões ambientais mais objetivas? Que tal começarmos a buscar as adaptações necessárias ao novo cenário que há por vir e focarmos na resolução de problemas solucionáveis? Que tal tornarmos a discussão mais científica e menos política?
Enfim, gostaria de desejar a todos um ótimo ano novo e que tenhamos um ano com discussões mais objetivas e proveitosas que nos anos anteriores.

Artesanato científico

Desculpem-me pela ausência. Alguns poucos leitores restantes lembrarão que há relativamente pouco tempo trabalho enfim como um pesquisador independente, sem orientador para guiar os passos, acostumo-me com a vida real, fora da universidade, e nem sempre é muito fácil dar a mesma proporção de tempo às várias atividades assumidas. Mas o Geófagos continua, apesar de alguns contratempos. Aliás, não é a primeira vez que fico um período relativamente longo sem escrever. No início de 2007, trabalhei alguns meses em uma empresa produtora de adubos e, como viajava muito, o blog ficou meio esquecido.
Estes dias estou coletando um experimento e a tarefa está sendo mais trabalhosa do que planejei. Não posso dar detalhes mas estou ocupadíssimo lavando raízes de brócolis. Interessante como há eventos recorrentes em nossas vidas. Quando entrei na iniciação científica, em 1995, um dos primeiros trabalhos que tive de fazer foi lavar raízes de girassol de um experimento com estresse hídrico. Quem não é da área deve achar estranho isso, lavar raízes. Mas a planta não se resume a caules e folhas. A maior parte das modificações ambientais afeta primeiramente ou principalmente as raízes e para observar os efeitos sobre as mesmas, é necessário antes retirar o substrato, qualquer que seja, a não ser que as plantas sejam cultivadas em solução nutritiva, que não é o caso.
É um trabalho lento, aborrecido e cansativo. Muito lento. Pessoas impacientes não deveriam sequer observar. Dependendo da espécie ou da idade, as raízes são extremamente finas e sensíveis. É o tipico trabalho de laboratório que não aparece em filmes mas tão próprio à prática científica cotidiana, árdua e ingrata. Mas nem sempre tão ingrata. Há ainda muita coisa na Ciência que se aproxima do artesanato, tarefas manuais requerendo abilidade, dedicação e atenção. Tarefas cujo resultado depende muito do posicionamento de quem pratica. Se se faz com espírito de artesão, em geral o resultado é bom, às vezes surpreende. Se se faz estabanadamente, com barulho e fúria… Não há como não lembrar de Robert Pirsig narrando o conserto de sua motocicleta por mecânicos sem atenção em uma oficina barulhenta.
O laboratório me espera, agora. Mas vou sem pressa.

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