Campos cinzas e verdes cidades

Tenho um amigo, médico, que mora em Brasília, pessoa de considerável cultura, muito preocupado com os problemas atuais do mundo, um típico profissional urbano jovem. Meu amigo não lê meu blog nem gosta muito de me ouvir falando de minha vida profissional porque não consegue se interessar por agricultura nem acredita que exista algo como uma “ciência agrária”. Na verdade, notei ultimamente que meu amigo tem uma enorme antipatia por agricultores. Ele sinceramente os considera os maiores culpados pelos problemas ambientais modernos e acha perfeitamente razoável que boa parte da propriedade rural seja destinada à manutenção de áreas naturais como reservas. Também acho razoável esta exigência.
O que não consigo compreender é como a “consciência ecológica” de meu amigo possa ficar tranquila simplesmente por achar que sua antipatia pelos agricultores já o torna uma pessoa ambientalmente amigável. Também não consigo entender porque ele se sente tão bem porque comprou um apartamento no mais novo bairro chique da cidade, que se diz ecológico por ser arborizado, apesar de sua construção ter levado à destruição de uma área imensa de cerrado quase intocado.
Aliás, parafraseando o rei da França, gostaria de dar uma olhada no trecho do testamento de Adão que obriga o proprietário rural a manter reservas naturais na propriedade, e ainda assim ser considerado um destruidor da natureza, enquanto o proprietário urbano não tem nenhuma obrigação deste tipo, mas pode ser considerado um ambientalista consciente porque conhece um número grande de palavras de ordem, não gosta de agricultores e compra produtos orgânicos (presumivelmente produzidos em uma gôndula de supermercado neutra em carbono). Talvez a construção de bairros ecológicos e mercados orgânicos seja a solução, inclusive se se apropriarem de terras produtivas, evitando que os agricultores maus possam produzir comida.
Pergunto-me porque não há um Código Florestal para as cidades. Quantos metros de mata ciliar são deixados às margens dos rios que cortam nossas cidades? Para cada prédio construído, qual a porcentagem da área mantida com vegetação nativa? Serão os agricultores cidadãos de segunda categoria, cabendo-lhes exclusivamente o ônus de salvar a natureza e produzir mais e de forma ambientalmente correta em áreas cada vez menores, enquanto construtoras erguem prédios praticamente dentro do mar, desmatam, tomam terras produtivas, agravam problemas urbanos sem que se lhes exija nenhuma compensação ambiental? Ninguém vê o contrasenso?

Resolução CONAMA 420/2009

Há muito venho criticando a forma como o compartimento ambiental solo é tratado pelos órgãos responsáveis pela área ambiental não só no Brasil, mas no mundo. Minhas críticas até então vinham sendo conduzidas, principalmente, frente à falta de políticas públicas visando planejamento, conservação e até mesmo preservação desse recurso, tão importante não só como meio de cultivo de alimentos e meio de sustentação de obras, mas também como parte do ciclo hidrológico e de outros ciclos tão importantes para a manutenção da qualidade de vida e da própria existência de vida no planeta, como o do carbono, do nitrogênio, do fósforo, do enxofre, etc…
Bem, mas não é o caso de “teorizar” sobre a importância ambiental do solo. Pelo menos não nesse post. Muito menos é caso de criticar. Estou hoje aqui para elogiar e corrigir o título do meu último post, “Mais um ano de fiascos”. Confesso que até a escrita desse último eu não tinha conhecimento a respeito da publicação da resolução do Conselho Nacional de Meio Ambiente (CONAMA) de número 420. Ela foi publicada no dia 28 de Dezembro de 2009 e “dispõe sobre os critérios e valores orientadores de qualidade do solo quanto à presença de substâncias químicas e estabelece diretrizes para o gerenciamento ambiental de áreas contaminadas por essas substâncias em decorrência de atividades antrópicas“. Tal resolução mostra que o ano, apesar de muitos fiascos, não foi somente deles.
Críticas à parte, a resolução é um avanço sem tamanho para o reconhecimento da ciência do solo como, também, parte das ciências ambientais no Brasil. Bem ou mal é uma primeira tentativa oficial e nacional de propor efetivamente dados para consulta sobre degradação química de solos e suas consequências. O passo mais difícil foi dado. A partir de agora é aperfeiçoá-la e fazer com que ela, cada vez mais, se aproxime da realidade.
A resolução pode ser vista e obtida através do endereço eletrônico http://www.mma.gov.br/port/conama/legiabre.cfm?codlegi=620.
Até a próxima…

Mais um ano de fiascos…

O ano vai chegando ao fim e, com ele, carregamos uma sensação de frustração. Assim como já havia acontecido em Johannesburgo, na rio + 10, mais uma conferência ambiental termina como um verdadeiro fiasco. Dias de muito blá blá blá e no final, nada. Como bem disse o presidente Lula, só mesmo um “anjo do céu ou um sábio” para iluminar as cabeças dos líderes mundiais e fazer com que os mesmos tomem decisões sensatas, deixando de pensar um pouco no dinheiro e lembrando-se que existem coisas tão importantes quanto para serem levadas em consideração no ato de decidir sobre o futuro da humanidade.
Ao meu ver grande parte da falta de decisões tomadas também tem a ver com a falta de consenso sobre o tema aquecimento global. Muito já escrevi, aqui mesmo, no Geófagos, que acredito num outro rumo das discussões sobre o tema, enfocando o problema em si e não APENAS discutindo as suas causas. A discussão das causas, aliás, é uma necessidade para que haja argumentos e dados suficientes para subsidiar políticas de combate ao fenômeno. Entretanto, na atual circustância, acredito ser muito mais sensato nos preocuparmos principalmente com as consequências do fato para com a espécie humana. Aparentemente, antropogênico ou não, o aquecimento está aí e é irreversível e, portanto, é necessário nos adaptar a esse novo cenário.
Outro fato que em nada auxilia na elaboração de políticas adequadas é o catastrofismo de alguns. Após a COP 15 tenho ouvido a todo momento leigos e até mesmo especialistas dizendo sobre o pedido de socorro do planeta Terra. O planeta não pede socorro, nós é que pedimos. Nossas atitudes não afetarão as estruturas da Terra e sim, as condições nos mantêm nela. Deixemos de nos imaginar como o “centro do universo”, deixemos de ser nacisistas, pois, somos apenas parte de um grande sistema. Volto a dizer que, provavelmente, nós seremos um dia extintos e o planeta, provavelmente continuará por aqui, assim como após a extinção de várias outras espécies mais famosamente representadas pelos dinossauros há 65 milhões de anos atrás.
Em setembro desse ano um artigo denominado “A safe operating for humanity” procurou listar alguns ítens e seus limites que seriam necessários para manutenção da espécie humana no planeta. O autor ainda argumenta que durante o holoceno, por aproximadamente 10000 anos, as condições do planeta se mantiveram estáveis, permitindo o desenvolvimento da humanidade. Porém, a partir da revolução industrial o homem criou condições específicas que levaram à quebra dessa estabilidade. Essa nova era foi denominada de Antropoceno e é caracterizada principalmente pela grande interferência do homem no meio natural, levando a um desequilíbrio de consequências ainda discutíveis, mas, ao que tudo indica, extremamente danosas para a continuidade de diversas espécies, inclusive a nossa.
A lista de processos vitais à sobrevivência humana no planeta é: mudanças climáticas, poluição química, cargas de aerossóis atmosféricos, perda de biodiversidade, mudanças no uso da terra, uso global das águas, ciclos do fósforo e do nitrogênio, declínio do ozônio estratosférico e acidificação dos oceanos. O autor cita ainda que, em pelo menos três desses processos já ultrapassamos os limites planetários, é o caso das mudanças climáticas representadas pelos teores de CO2 atmosféricos, da taxa de perda de biodiversidade e da quantidade de Nitrogênio removido da atmosfera para uso humano.
Ao citar esse trabalho e os processos vitais nele listados, quero voltar a uma velha questão que há muito também tenho discutido. Os problemas ambientais são muito mais complexos do que parecem. Eles não se resumem ao desmatamento amazônico ou ao aquecimento global. Existem outras questões, talvez mais complexas e de soluções mais difíceis que constantemente são ignoradas pelos grandes meios de comunicação. Desviar o foco para apenas um ou dois problemas nos leva a esquecer os demais. Abranger demais a discussão, tornando-a não objetiva, também é uma forma de desviar o foco e não discutir-se outras questões de suma importância.
Portanto, que tal tornarmos as discussões sobre questões ambientais mais objetivas? Que tal começarmos a buscar as adaptações necessárias ao novo cenário que há por vir e focarmos na resolução de problemas solucionáveis? Que tal tornarmos a discussão mais científica e menos política?
Enfim, gostaria de desejar a todos um ótimo ano novo e que tenhamos um ano com discussões mais objetivas e proveitosas que nos anos anteriores.

A riqueza, a hipocrisia e o fim do mundo

Tenho notado que, após a mudança para a plataforma ScienceBlogs, alguns textos meus que considero essenciais deixaram de aparecer nos mecanismos de busca. Creio que a republicação dos mesmos, eventualmente revistos e ampliados, contribuirão para resgatá-los do inevitável esquecimento na enormidade assustadora da internet e para manter atuais algumas discussões que já fizemos e pelas quais somos insistentemente cobrados. Inicio esta série de reedições com um texto meu um tanto polêmico, que desagradou alguns, agradou a muitos e incitou uma rica discussão.

Querem saber qual é o problema ambiental mais grave do planeta? Não titubeio em dizer: a riqueza, ou melhor, o “desenvolvimento”. Os padrões ocidentais de riqueza e desenvolvimento. E não me refiro apenas à riqueza dos países desenvolvidos com seus padrões de consumo irresponsáveis. Em países “em desenvolvimento” também há o tipo de riqueza a que me refiro. Não queremos todos alcançar um nível de vida típico de classe média americana, nós da classe pensante brasileira? Sentimos, satisfeitos, que fizemos nossa parte quando adquirimos produtos ecológicos, “verdes”, ambientalmente amigáveis, mas convenientemente esquecemos ou ignoramos que uma das grandes causa da situação ambiental atual é o próprio consumo.
Até onde posso ver, é comum o desejo de possuir pelo menos um automóvel. Para aplacar a consciência, exigimos carros flex, ou a álcool, ou doravante movido a qualquer biocombustível, mas ignoramos tranqüilamente as montanhas de minério de Minas Gerais e do Pará literalmente transportadas para as siderúrgicas para retirada de ferro e alumínio para a fabricação destes mesmos veículos. Alguém tem idéia do impacto disto? Alguém se predispõe a protestar contra o desejo de possuir um carro? Bastam os biocombustíveis, aliás cultivados utilizando-se insumos agrícolas produzidos com o uso de combustíveis fósseis ou de recursos minerais não renováveis. Sim, porque pouquíssimos estariam dispostos a pagar por biocombustíveis totalmente orgânicos (alguém já viu os preços de hortaliças orgânicas?).
Um outro grande desejo humano é ter casa, e a classe média bem informada prefere apartamentos, talvez na beira da praia, tirando a vista dos outros para o mar. Uma surpresa para os que acham que só os grandes empresários e os agricultores do mal produzem gases de efeito estufa: a produção do cimento de seu apartamento comprado a suadas prestações é feita a partir da calcinação do carbonato de cálcio: CaCO3 → CaO + CO2. Este CO2 aí no final é o dióxido de carbono, principal gás de efeito estufa. Alguém se propõe a combater a construção de casas?
A vaquinha que produziu a picanha que entusiasticamente queimamos no fim de semana produz uma quantidade não desprezível de metano, um gás de efeito estufa mais poderoso que o CO2, imaginem quanto metano produzem vaquinhas para alimentar 6 bilhões de bocas. Ah, você não come carne? Um dos maiores produtores de metano no planeta são os plantios de arroz inundado. Você é um ambientalista ativamente preocupado com a possibilidade de construção de usinas nucleares? Orgulhoso porque o Brasil produz energia a partir da água, um recurso natural renovável? As hidrelétricas estão bem, obrigado, produzindo quantidades nada desprezíveis de metano.
Creiam-me, pouquíssimos estão dispostos a realmente fazer as mudanças necessárias para que vivamos numa sociedade realmente sustentável. Modernizando a imagem que Cristo utiliza no Novo Testamento para descrever os hipócritas, parece que preferimos ser sepulcros caiados exalando metano pelas mal disfarçadas rachaduras.

“Contra os Agro-intelectuais”

Acabo de ler um texto excelente sobre as bobagens modernas ditas acerca da agricultura, principalmente por aqueles que dela nada entendem. O texto, escrito pelo agricultor americano Blake Hurst e publicado no The American, pode ser lido aqui. Alguém que tenha acompanhado alguns posts meus verão a afinidade. Traduzo um trecho:
“Cultivos transgênicos na verdade fizeram diminuir o uso de agroquímicos e aumentar a segurança dos alimentos. Serão as pessoas que se recusam a usá-los moralmente superiores a mim? Os herbicidas diminuíram a necessidade de se cultivar mecanicamente o solo, fazendo com que a erosão dos solos decrescesse em milhões de toneladas. O maior dano que causei ao ambiente como agricultor foi o solo (e os nutrientes) que costumava mandar pelo Rio Missouri abaixo até o Golfo do México antes de adotar o plantio direto, tornado possível apenas pelo uso de herbicidas. A combinação de herbicidas e sementes geneticamente modificadas tem tornado minha agricultura mais sustentável, não menos, e realmente reduz a poluição que lanço ao rio.”
Um bom texto para se meditar e elevar o nível da discussão. Já prevejo o desagrado dos fundamentalistas ambientais, revoltados porque o dogma da boa agricultura orgânica esteja sendo hereticamente questionado.

Extensão rural: o elo que falta entre ambientalistas e produtores rurais

Alguém me perguntou recentemente quais seriam os principais problemas atuais da agricultura brasileira. São muitos problemas para se adotar este ou aquele mais premente. Mas como já disse e insisto em dizer, gosto de pensar por mim mesmo, sem dar muita atenção ao que os formadores de opinião-manipuladores de mente desejariam que eu, juntamente com a massa, pensasse.

O problema principal da agricultura no Brasil é a escandalosa e escandalosamente ignorada inexistência de uma política e um órgão nacional de assistência técnica e extensão rural. O visionário “estadista” Fernando Collor de Mello, com todos os Ls que a elitóide aprecia, teve a genial idéia de extinguir, durante seu grotesco mandato, a Empresa Brasileira de Assistência Técnica e Extensão Rural, Embrater, transferindo para os Estados a responsabilidade pela manutenção das atividades de extensão.

Para se começar a ter uma idéia de a quantas anda o setor no país, tenho a informação de que os abnegados agrônomos da Emater em Minas Gerais, por exemplo, ganham mensalmente um salário em torno de R$ 1.200,00. Minas Gerais, que é dos estados mais ricos da federação. Seiscentos dólares mensais para um profissional de nível superior, para atender enormes áreas, uma gama ampla de culturas, para resolver problemas que vão do projeto de irrigação ao preparo de compotas. Muitas vezes sem o mínimo necessário, como o salário para abastecer o carro da empresa. Como exercício de imaginação, sugiro ao leitor tentar adivinhar quanto ganhará um extensionista no estado que Sua Excelência o ex-presidente Collor de Mello representa  no Senado da República. Nem sei se há um órgão de extensão rural em Alagoas.

E o que faz um extensionista? Idealmente, orienta os produtores quanto às técnicas e tecnologias mais apropriadas às práticas agropecuárias locais, tendo em vista a situação do produtor, a região etc. Deveria ser o intermediário entre o setor de pesquisa e os produtores rurais. Os ambientalistóides urbanos deveriam se preocupar mais com a ausência de assistência técnica eficiente no país, porque enquanto ela não existir, não há em minha opinião muita esperança de que a maioria dos agricultores adotem práticas produtivas menos nocivas ao ambiente e ao homem. Estas práticas devem ser ensinadas, mas onde estão os professores?

Imagine o leitor que alguem se lhe dirija agressivamente, um dia, reclamando que está fazendo tudo o que sempre fez de forma incorreta, mas se negue a lhe ensinar o certo. É exatamente isto o que se tem feito com o “malévolo” agricultor brasileiro. Há algum movimento ambientalista exigindo a recriação de uma empresa de assistência técnica rural de qualidade, com orçamento decente para que possa atrair técnicos qualificados para seu quadro? Creio que não.

O vazio da extensão rural é parcialmente ocupado por consultores privados, caros e limitados, e pelos técnicos de empresas de insumos agrícolas, compreensivelmente mais interessados em vender seus produtos e cumprir metas do que em educar os agricultores. Algumas ONGs, mas não todas, sofrendo da Síndrome do Colonizador Amargurado, estão mais interessadas, de forma politicamente correta, em valorizar os “saberes tradicionais”, uma forma moderna e eminentemente urbana de se reviver o mito romântico do bom selvagem, do que resolver o problema de se alimentar sete bilhões de ávidas bocas e mais ávidos corpos.

Uma velha parente minha, ao saber que eu estudava Agronomia, perguntou-me sarcasticamente se era necessário estudar por cinco anos para se saber plantar. Algum dos poucos que me leem poderá imaginar um profissional, no mundo de hoje, que possa prescindir de um preparo relativamente longo para exercer sua atividade de forma eficiente e correta? Os produtores rurais em geral serão preparados para exercer profissionalmente suas atividades? Serão educados para isto? Ao consciente ecologista de apartamento isto não parece importar. O que se deseja é que se produza comida barata e sem sem estragar o ambiente. Se o agricultor não faz isso, é porque é uma encarnação do mal. Educação, assistência técnica para este? Não, para o agricultor – cadeia e a antipatia eterna do ambientalista motorizado (em geral, com a barriga bem cheia, presumivelmente com comida, cara, produzida em comunidades tradicionais usando técnicas orgânicas, que não agride o ambiente nem chega à mesa dos pobres).

A extensão rural, que poderia sanar esta falha educacional, ainda que parcialmente, não existe, não é recompensada, não é mesmo reconhecida como ausente. Seu papel na resolução de boa parte dos problemas técnicos e ambientais da produção agropecuária brasileira deveria ser óbvio. Esta situação não deveria perdurar.

Água, recurso renovável ou não?

Participei essa semana de um concurso onde fui questionado se a água é um realmente um bem renovável, ou se por outro lado, haveria alguma situação onde essa classificação não corresponderia à realidade. Confesso que a princípio, naquela situação de tensão, pensar sobre o tema e dar uma resposta firme e adequada não é fácil. Mas depois de algum tempo e, hoje, depois de alguns dias passados, a resposta se torna mais clara e creio que seria um assunto interessante a ser, aqui, tratado.
Pode-se entender por recurso algo (nesse caso um componente do ambiente – a água) que a que possa ser destinado um uso e/ou valor. Já a classificação como renovável ou não renovável está relacionada à capacidade e facilidade de se regenerar ou serem regenerados num curto espaço de tempo, ou não, respectivamente.
A água, comumente, é classificada como um recurso natural renovável. Literaturas sobre o tema são muitas. Entretanto, algumas ressalvas, muitas vezes, deixam de ser feitas. A questão aqui é se tais ressalvas, em alguns casos, podem “mudar” essa classificação. Essa talvez seja uma questão sem uma clara resposta, sem, contudo, comprometer a possibilidade e a necessidade de uma discussão mais aprofundada sobre o tema. É só por meio dela que um maior entendimento é conseguido e, consequentemente, esforços mais efetivos no combate à degradação do recurso podem ser realizados.
A Terra pode deve ser vista como um sistema fechado quando se trata do ciclo hidrológico. Em outras palavras, a quantidade de água no sistema permanece próxima da constância, globalmente. Dessa forma, também globalmente falando, a qualidade da água é que seria o maior problema à capacidade desse recurso se renovar. Mas algumas questões aqui devem ser consideradas. A qualidade da água, após comprometida, é facilmente recuperada? E localmente, essa manutenção da quantidade de água também é verdadeira? Ambas as respostas dependem das situações em questão. Dependem do grau de degradação do corpo d´água, dependem também do grau de degradação da área de recarga do mesmo, da condição climática em questão, das modificações da mesma, enfim, de um conjunto complexo de fatores.
Baseado em algumas situações fictícias, mas de ocorrência frequente no mundo real, procurarei basear minhas colocações a partir daqui.
Imagine o caso de uma microbacia hidrográfica cujo o entorno foi extremamente desmatado e cujo relevo é forte ondulado a montanhoso, situação comumente encontrada nos mares de morros florestados do estado de Minas Gerais. Nesse caso, a mata representa um importante fator cujas funções são várias, manter o solo estruturado, a ciclagem biogeoquímica, a infiltração de água no solo, reduzir as taxas erosivas, entre outros. A remoção da mata, pode então, levar a situações graves, localmente, reduzindo as taxas de infiltração e consequentemente a quantidade de água disponível para “reabastecer” superficialmente e subsuperficialmente a rede hidrográfica. Além disso, as taxas erosivas elevadas podem levar a um intenso assoreamento dos rios regionais, levando à uma séria mudança na configuração, localização e vazão dos mesmos. Dessa forma, pode-se ter uma situação onde a capacidade de renovação do recurso pode ser comprometida.
As mudanças climáticas globais também vêm sendo frequentemente citadas como responsáveis por mudanças na distribuição do recurso água mundo afora. Locais antes com abundantes reservas hídricas estão enfrentando significativa redução das mesmas, enquanto outros não acostumados com intensos índices pluviométricos, hoje os enfrentam. Naqueles locais onde a redução dessas reservas é extrema, dificilmente elas serão repostas no curto prazo. O conceito de recurso renovável, então, também estaria comprometido.
Falando agora em termos de contaminação hídrica, percebe-se um grande número de possibilidades de ocorrência. Seja por meio de atividades agrícolas intensivas com, o uso de agroquímicos descontroladamente, de despejos industriais e urbanos, entre outras atividades, a qualidade dos recursos hídricos podem ser severamente comprometidas. O comprometimento pode ser tal que não existam técnicas suficientemente adequadas para a recuperação desses recursos ou, mesmo, tais técnicas sejam extremamente caras, inviabilizando o processo. Nesses casos, o recurso continua sendo renovável?
Enfim, sem prolongar esse texto, acredito que em situações específicas os recursos hídricos podem perder o “status” de renovável. Afinal de contas, caso isso não fosse verdade, por que estaríamos tão preocupados com a disponibilidade de água ou, melhor dizendo, com a possibilidade de falta da mesma? É importante salientar que essa é uma opinião pessoal, mas que, apesar disso, nos dá uma real dimensão da importância do recurso e da necessidade de conservação do mesmo, bem como de todos os aspectos que positivamente possam influenciar sua qualidade e a quantidade.

Crescimento econômico, sustentabilidade e ascetismo fradesco

O excelente ensaio publicado anteriormente pelo amigo Elton Luiz Valente suscitou uma discussão interessantíssima no âmbito dos leitores e dos autores do Geófagos. Um comentário feito pela Flávia Alcântara, também Geófaga, ao post de Elton, leva-me agora a escrever umas impressões. A questão levantada pelo Valente Elton, da qual a Flávia parece discordar, é quanto à possibilidade de haver crescimento econômico ambientalmente sustentável.
Embora concorde com a Flávia quanto ao papel do ser humano nas condições mundiais atuais advindo do fato de ter consciência, correndo voluntariamente o risco de ser incluído entre os megalomaníacos ingênuos, concordo com o Elton quanto à incompatibilidade do que se chama crescimento econômico e sustentabilidade. O que eu entendo como crescimento econômico é o aumento no número de consumidores e em seu poder de consumo. Esse é o crescimento econômico que o capitalismo deseja e almeja. Se vivêssemos em um mundo de cem milhões de habitantes, poderia concordar que talvez houvesse espaço para um “consumo consciente” ou algo do tipo, não porque o hábito consumista fosse ser menos danoso ambientalmente, mas porque o impacto de uma sociedade consumista relativamente pequena seria muito menor.
Junto-me aos que acreditam que, em um mundo com quase sete bilhões de bocas vorazes, mesmo hábitos relativamente frugais talvez já fossem impactantes, em termos de sobrevivência confortável da espécie. Acredito que conceitos como consumo consciente e crescimento econômico ambientalmente sustentável são mitos úteis à manutenção do statu quo capitalista voluntariamente míope e irremedialvelmente cruel. Mas essas são opiniões típicas de um sertanejo familiarizado com a escassez e a hostilidade ambiental, com tradicionais tendências “ascéticas e fradescas”, no dizer de Ariano Suassuna.

Depois da Serra do Cipó: Ensaio Sobre a Pedogênese

Sobre minhas “andanças” pela Serra do Cipó, durante os trabalhos de doutorado, já publicamos algumas coisas aqui no Geófagos, como esta aqui, que no geral trata das adaptações daquela vegetação a ambientes oligotróficos.
A Serra do Cipó tem muito a nos revelar e ensinar. Durante os trabalhos que realizamos lá, tive a oportunidade de encontrar algumas referências práticas interessantes sobre a pedogênese. Coisas que eu ainda não havia encontrado nos livros.
Há um entendimento de que os Latossolos, em geral, são uma espécie de “ápice da pedogênese”. No caso dos Latossolos do Domínio dos Mares de Morros, por exemplo, trata-se de solos bastante intemperizados (daí o seu nome), envelhecidos, oxídicos, profundos, muito lixiviados, com baixa capacidade de troca de cátions, baixos teores de minerais primários facilmente intemperizáveis e etc. Ou seja, são solos submetidos a intensos processos de intemperismo.
Mas é preciso ter cuidado com esta afirmativa. Se fossem mantidas as condições climáticas atuais ad aeternum, os Latossolos seriam realmente uma espécie de “ápice da pedogênese” neste sistema. Acontece que, considerando o tempo geológico, o clima da Terra é cíclico. Ora mais seco, ora mais úmido; ora mais frio, ora mais quente (independentemente das ações e vontades do Homo sapiens). Some-se a isso a deriva continental, o movimento de placas tectônicas e a orogênese. Portanto, os Latossolos, ainda que sejam relativamente pobres do ponto de vista químico, têm muito a perder. Dentre outros elementos, podemos citar coisas muito importantes como as argilas. Sob condições de umidade excessiva e em fluxo contínuo (entrada e saída de água) promove-se, dentre outras coisas, o aumento da acidez no sistema e a destruição das argilas. E aí o solo “se desfaz” sobre si mesmo. O limite final desse processo é muito bem exemplificado pelos Espodossolos da Amazônia, na região do Rio Negro.
Quando as argilas são destruídas, sobra o que ainda resiste ao intemperismo, ou seja, o Quartzo, as areias que caracterizam os Neossolos Quartzarênicos e os Espodossolos. Portanto, em determinadas circunstâncias, os Espodossolos podem ser considerados também como ápice da pedogênese, em ambientes de solos submetidos a processos intensos (extremos) de intemperismo. O que leva a uma observação interessante: a primeira idéia, intuitiva, que temos do intemperismo é de sua ação sobre um substrato primário, geralmente uma rocha ou saprolito, promovendo a gênese de um solo. No caso em questão, que aqui coloco, o “substrato” é um solo, um Latossolo por exemplo, que será destruído pelos processos de intemperismo, promovendo a gênese de outro, o Espodossolo.
Alguém pode questionar esta afirmativa, argumentando que podemos encontrar Espodossolos formados por processos pedogenéticos diretos, a partir do intemperismo de rochas como o Quartzito e, portanto, são solos cronologicamente jovens quando comparados aos Latossolos dos Mares de Morros, ou pelo menos contemporâneos destes. Correto! Um bom exemplo deste fato foi encontrado por nós na Serra do Cipó. É bom lembrar também que a “velhice” no caso dos solos não é necessariamente cronológica, ela está ligada principalmente à intensidade dos processos de intemperismo aos quais o sistema foi submetido. Portanto, é preferível a expressão “solo envelhecido” no lugar de “solo velho”.
A Serra do Cipó é uma cadeia montanhosa, que pertence à seção meridional-sul da Serra do Espinhaço, cuja matriz geológica é formada principalmente de Quartzito. Este Quartzito é, por sua vez, resultante do metamorfismo de arenitos que se formaram no Proterozóico (cerca de 2 bilhões de anos atrás). Estes arenitos foram formados por acumulações de areias marinhas, ou seja, as areias que se acumularam ali eram (são) o resultado final de processos de intemperismo anteriores. Em outras palavras, aquele sistema está produzindo solos das sobras do passado, areias (Quartzo) que restaram dos processos de intemperismo de tempos anteriores a 2 bilhões de anos.
Portanto, os Espodossolos da Serra do Cipó são solos cronologicamente jovens, mas já nasceram envelhecidos em razão de seu material de origem, o Quartzito, que foi arenito, que foi areia sedimentada, que por sua vez foi o produto final do intemperismo anterior. E, para finalizar, lembremo-nos de que mesmo a areia pura ainda tem o que perder, o seu próprio elemento constituinte, a sílica, que pode sair lentamente do sistema na forma de sílica solúvel. Então, no fim deste processo pode não sobrar nada? Depende! Mas parafraseando o saudoso e inesquecível “filósofo” Tim Maia, poderíamos dizer que, para o intemperismo, tudo é nada, e nada é tudo!

Agricultores maus, ambientalistas bonzinhos e cientistas loucos

Acredito que qualquer pessoa preocupada com a utilização prática do conhecimento científico e tecnológico saberá que a geração do conhecimento, em si, a produção de dados, nada tem de bom ou ruim. O conhecimento gerado a partir do estudo da estrutura dos átomos pode levar tanto à bomba atômica quanto à raditerapia para tratamento de câncer. Posso estar errado, mas creio que o mal uso do conhecimento científico se deve mais à ação de políticos do que à vontade de cientistas, o que não quer dizer que não haja cientistas ideologica e politicamente engajados.
O assunto em voga hoje nos meios preocupados com a questão ambiental brasileira é uma audiência pública convocada pela presidente da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), senadora Katia Abreu (DEM-TO). A audiência faz parte de uma discussão acalorada entre ruralistas e ambientalistas sobre a ocupação de terras pela agricultura em detrimento de áreas de preservação ou conservação natural de variada natureza. O encontro contará com a participação do pesquisador da Embrapa Monitoramento por Satélite, Evaristo Eduardo de Miranda, que apresentará resultados de um estudo concluindo que, após descontadas as áreas de conservação e reservas indígenas, sobrariam 29% da área agricultável não utilizada no Brasil. Nas entrelinhas está a mensagem de que os ruralistas utilizariam esta informação para tentar abrandar a legislação ambiental brasileira visando mais terras para a agricultura.
Ora, como afirma um outro pesquisador da Embrapa, estes 29% correspondem a 240 milhões de hectares, o que é muita terra. Como já discutimos aqui no Geófagos, dizer que o aumento de áreas naturais protegidas comprometem a produção de alimentos de um país é um argumento falacioso. Existe uma diferença entre produção e produtividade agrícola. A primeira é o total produzido e contabilizado, por exemplo, o Brasil produz x toneladas de soja. Produtividade é a capacidade de produção de determinada área, geralmente um hectare, que corresponde a dez mil metros quadrados. O aumento da produção agrícola de um país pode depender ou do aumento da área plantada ou da elevação da produtividade pela adoção de melhores tecnologias agrícolas. Assim, o aumento na produtividade não está diretamente associado ao aumento na área sob agricultura. Nem o aumento da área plantada siginifica que a produção agrícola total será aumentada. Aumento de produtividade é aumento de eficiência. A abertura de novas áreas agrícolas é simplesmente uma solução mais fácil de se aumentar a produção sem que obrigatoriamente se implemente ou se adote mais tecnologia.
A Embrapa, conceitualmente, existe para gerar conhecimento científico e tecnológico para aumentar a produtividade no campo. Obviamente, haverá grandes produtores que utilizarão tecnologia gerada pela empresa. Mas vejo agora que existe uma tendência de demonização da empresa pelos meios eco-idiotas e eco-fundamentalistas. Um exemplo didático é esse texto, constrangedor de tão tendencioso, do novo blog Laboratório, da Folha de São Paulo. De forma insidiosa, em minha opinião, o autor do texto transfere a suposta maldade dos ruralistas para a Embrapa, que fica parecendo ser o braço letrado dos fazendeiros maus. Não houve competência sequer para checar fatos, como quando afirma que a Embrapa não se propõe a recuperar áreas degradadas, ignorando trabalhos importantes na área feitos em unidades como a Embrapa Agrobiologia, Embrapa Meio Ambiente, Embrapa Cerrados, entre outras (afinal de contas, a ausência da checagem de informações e de imparcialidade não é uma crítica dos jornalistas de ciência aos blogueiros de ciência? Ah, não é uma crítica, é o que alguns deles fazem quando escrevem blogs). Mas é óbvio que é mais interessante atacar a Embrapa, que junta em si as nefastas figuras do cientista e do agricultor, do que cumprir a desagradável tarefa de pesquisar e de ouvir o lado oposto. Não é coisa que a imprensa brasileira anda fazendo muito.
Ao mesmo tempo, ao equacionar a Embrapa e o interesse dos agronegociantes, o jornalista arquetípico convenientemente ignora o trabalho feito, por exemplo, na própria Embrapa Hortaliças (aos ambientalistas do asfalto informo que a esmagadora maioria dos horticultores brasileiros é composta de pequenos agricultores), na Embrapa Semi-Árido e muitas outras. Mas isso não importa aos jovens ambientalistas urbanos hipócritas e aos mocinhos manipuladores de informação do Greenpeace. O que importa é combater o mal.

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