Livro “Geoquímica – uma introdução”
Geoquímica – uma introdução
Francis Albarède
Tradução: Fábio R. D. de Andrade
Novo livro detalha os fundamentos da geoquímica moderna e sua
aplicação no estudo dos mais diversos ambientes
Relativamente nova, a geoquímica apresenta-se como a vanguarda
científica de diversas áreas de conhecimento, levando-se em conta sua
interdisciplinaridade e alcance enquanto ciência. Presente em quase
todos os campos das ciências da Terra, a geoquímica utiliza princípios
da química para explicar os mecanismos que regulam o funcionamento dos
principais sistemas geológicos.
Apesar de haver periódicos dedicados à divulgação da pesquisa na área,
ainda é pequeno o número de livros de geoquímica geral que cobrem de
modo amplo os vários segmentos da geoquímica moderna. Esta é uma das
razões que fazem do livro de Francis Albarède um livro oportuno,
direcionado aos cursos introdutórios para alunos de graduação.
Brilhantemente traduzido pelo professor de geoquímica da USP, Fábio
Ramos, o livro explica de forma didática os fundamentos da geoquímica
moderna, que atua desde a medição do tempo geológico, passando pela
origem dos magmas, pela evolução dos continentes, dos oceanos e do
manto, até a compreensão das mudanças ambientais. Com exemplos e
exercícios, a obra enfatiza os princípios gerais da geoquímica e traz
informações essenciais para estudantes de ciências da Terra e ciências
ambientais.
A partir de uma introdução sobre as propriedades dos átomos e núcleos
dos elementos químicos, o autor discute os princípios de
fracionamento, mistura de isótopos e de elementos, geocronologia e uso
de traçadores radiogênicos na caracterização de reservatórios e
fontes. Explora o transporte geoquímico por advecção e difusão, o
conceito de temperatura de fechamento, cromatografia e taxas de reação
em sistemas de larga escala, como os oceanos, a crosta e o manto.
Pela abrangência e profundidade dos temas tratados e pela excelência
do trabalho de tradução, este livro certamente será bastante útil não
apenas aos estudantes da disciplina, mas a todos os interessados nos
conceitos e aplicações da Geoquímica nas diversas áreas das ciências
da Terra.
PÚBLICO A QUE SE DESTINA
…………………………………………………………………………………………..
• Cursos introdutórios de geoquímica, alunos de graduação e
profissionais da área.
MAIS INFORMAÇÕES…………………………………………………………………………………………………….
• Preço: R$ 108,00 |ISBN: 978-85-7975-020-5 | Formato: 18X25,5
cm | Páginas: 400
Um pouco de geoquímica II
Olá amigos da comunidade geofágica, depois de algumas conversas e puxões na orelha, I’m back!
Turbulências ocorridas nas minhas tarefas diárias me levaram a perda total da administração do meu tempo e, com isso, negligenciei o Geófagos. Sinceras desculpas a todos, em especial aos meus amigos autores deste blog, os quais eu crédito toda a fama, não merecida, a mim atribuída pelos leitores.
Pois bem, agora com tudo nos devidos lugares e fazendo o tempo correr a meu favor, manterei maior regularidade nas postagens em respeito a todos vocês leitores e aos meus companheiros de jornada. Obviamente a prioridade será falar de ciência, Pilar Mestre deste blog, mas já peço desculpas no caso de algum deslize.
Assim, retornando ao trabalho, vou pagar minha dívida com vocês, respondendo ao Quiz deixado na minha última postagem: Porque, de maneira geral, se observa mais feldspatos potássicos (ortoclásio, KSi3AlO8) do que cálcicos (anortita, CaSi2Al2O8) nos solos tropicais?
Na tentativa de facilitar o entendimento, vamos adotar os dados listados na tabela abaixo:
Energia molar de formação de alguns óxidos metálicos, nos minerais silicatados
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Íon |
Grupo minerais silicatados |
Energia (kg/cal) |
Ca2+ |
|
839 |
Mg2+ |
|
912 |
Fe2+ |
|
322 |
K+ |
|
299 |
H+(na oxídrila, OH) |
|
525 |
Ti4+ |
|
2882 |
Al3+ (nos sais) |
|
1878 |
Al3+ (nos Al silicatos) |
|
1793 |
Si4+ nos MSiO4 | Nesossilicato |
3142 (18852) |
Si4+ nos MSi2O7 | Sorossilicato |
3137 (21511) |
Si4+ nos MSiO3 | Inossilicato |
3131(25048) |
Si4+ nos MSi4O11 | Inossilicato |
3127 (27290) |
Si4+ nos MSi2O5 | Filossilicato |
3123 (29981) |
Si4+ nos SiO2 | Tectossilicato |
3110 (37320) |
M = metal (Fe, Mg, Ca, Al, K, etc.);
Os números entre parênteses foram calculados fixando as quantidades de oxigênio
Como podemos observar, a energia de formação das pontes entre os metais alcalinos e alcalinos terrosos e oxigênio são menores em relação a ligação Al-O, que por sua vez é inferior as ligações Si-O.
Antes de responder ao quiz e indo um pouco mais adiante, a partir dos dados acima podemos extrair mais duas informações importantes: a sequência de cristalização e a estabilidade termodinâmica desses minerais, ou seja a maior ou menor resistência deles ao intemperismo. Por exemplo, a energia de formação para os diferentes grupos de minerais silicatados (dados entre parênteses) aumenta na direção dos nesossilicatos para os tectossilicatos, onde claramente há um aumento no número de íons silício por mol de oxigênio. Na medida em que ocorre este aumento, maior é a estabilidade do mineral. Deste modo, é por isso que observamos a grande quantidade de quartzo (tectossilicatos) nos solos tropicais.
Concluindo, na medida em há o aumento na substituição do Si pelo Al na estrutura do mineral, ele se tornará mais susceptível ao intemperismo por causa do enfraquecimento da estrutura cristalina. Como mencionado no post anterior, no ortoclásio (KSi3AlO8) a relação Si:Al é 1:1, contra 2:2 para anortita (CaSi2Al2O8). Respondido? Espero que sim e qualquer dúvida estamos ai para ajudar.
PS: Observem o valor da energia de formação dos óxidos de Ti! Agora está mais claro porque a presença do rútilo (TiO2) e da ilmenita (Fe2+TiO3) tem sido rotineiramente constatada nos solos de regiões tropicais.
Juscimar Silva
Um pouco de geoquímica
O adjetivo ‘essencial’ e suas derivações são utilizados nas diferentes áreas de estudo para qualificar algo que constitui a parte necessária ou inerente de uma coisa. Porém, a qualificação quanto ser ou não essencial depende, a meu ver, de avaliação individual. Um exemplo é a maneira na qual o alumínio (Al), metal de número e massa atômica igual 13 e 26,98154 g, respectivamente, pode ser “considerado” na Ciência do Solo. Na fertilidade do solo, por exemplo, existe o termo elementos essenciais que agrupa certos elementos químicos (N, P, K, Ca, Mg, S, Fe, Mn, Mo, Zn, Cu, Co, Cl e B) que na ausência de pelo menos um deles a produtividade das plantas é comprometida. Como adendo, existe também os elementos benéficos (Ni, Se, V, etc.) que, embora não tenham sido comprovadas suas essencialidades, pode estimular o desenvolvimento de plantas ou substituir, parcialmente, a função dos elementos essenciais. Por outro lado, o Al é considerado elemento tóxico, ou seja, ele é um dos fatores que pode limitar a produção da maioria das espécies cultivadas e, sendo assim, sua atividade na solução do solo deve ser reduzida. A calagem (uso de calcários ou outras fontes de corretivos da acidez do solo) é a prática mais simples e eficiente adotada.
Entretanto, avaliando a importância do Al em outras áreas, como na geoquímica, mineralogia e gênese do solo, este passa ter papel crucial, haja vista o papel relevante que desempenha durante o resfriamento do magma, cristalização dos minerais e, por fim, formação dos diferentes tipos de rocha. Durante esses processos, a inserção do Al na estrutura dos minerais primários ou secundários (produto de intemperismo), denominada substituição isomórfica (não há modificação da estrutura original), por um lado interfere na gênese dos minerais silicatados e por outro modifica as propriedades físicas, químicas e físico-químicas dos oxihidróxidos de Fe do solo. Vale ressaltar que tais substituições são possíveis porque o raio iônico do Al (0,50 Å) é ligeiramente maior que o íon Si (0,41 Å) e menor que o íon Fe (0,64 Å).
Recapitulando! Os minerais silicatados são classificados de acordo com as diferentes ligações do seu arranjamento estrutural básico, o tetraedro de silício (SiO4). Dentre os diferentes grupos existentes há os tectossilicatos (SiO2), que tem o quartzo como representante mais conhecido. Pertencente a esse grupo, tem-se também os feldspatos que podem ser derivados do quartzo, durante a sua solidificação (cristalização). Para isso, a substituição isomórfica do íon Si pelo íon Al é condição sine qua non. Quando isso ocorre, há um desbalanço de carga estrutural nos feldspatos (SixAlyO8)x-4 que é balanceada pela incorporação de um cátion monovalente (K+), quando a substituição Al: Si é 1:1 (ortoclásio, KSi3AlO8) ou de um cátion divalente (Ca2+), quando são 2:2 (anortita, CaSi2Al2O8). Substituições similares do Si, Fe e Mg também ocorrem nas estruturas dos outros silicatos promovendo grande variedade na composição desses minerais. Nos filossilicatos, a substituição do íon Al por íons Mg e Fe2+ PARECE ser determinante para a gênese da biotita [K(Mg, Fe2+)3(Si3Al)O10(OH,F)2] ou da muscovita [Kal2(Si3Al)O10(OH,F)2].
De maneira generalizada, pode-se inferir que a pouca reserva de nutrientes, principalmente de K, observada nos solos pobres de regiões tropicais se deve à presença intrusa do Al seja durante a cristalização do quartzo, formando os feldspatos, ou na formação da muscovita. Seria isso um tipo de seqüestro de metais alcalinos e alcalinos terrosos? Desculpe o entusiasmo, mas na ausência do Al a quantidade de quartzo nas rochas e, consequentemente, nos solos seria bem maior devido sua maior resistência ao intemperismo. Teríamos também muito pouca muscovita que é mais resistente ao intemperismo que sua “irmã”, a biotita.
Como já mencionado, o Al está presente também nos oxihidróxidos de Fe dos solos. Postula-se que a maioria dos oxihidróxidos naturais (e.g. goethita, hematita, ferrihidrita, etc.) apresenta substituição isomórfica por Al. O menor tamanho do Al em relação ao Fe altera as propriedades da cela unitária (arranjamento mais simples dos átomos ou moléculas que se repetem regularmente na estrutura cristalina), resultando geralmente na diminuição do tamanho dos cristais. No Doutorado trabalhei com amostras sintéticas de goethita sem e com substituição por Al e pude constatar, na prática, tais alterações. Por exemplo, a redução no tamanho dos cristais das goethitas com substituição teve seus valores de superfície específica aumentado de 4 a 6 vezes em relação à goethita pura. Este aumento refletiu diretamente na capacidade máxima de adsorção de arsenato (As+5), que foi em média 6 vezes superior a do mineral puro. Além disso, a presença do Al aumentou a estabilidade da goethita em condições de baixo potencial de oxirredução (Eh).
Diante do exposto, como não considerar o Al é essencial, se por um lado ele contribui para diferenciação mineralógica que garantirá reserva de nutrientes, embora pequena, em regiões onde o intemperismo atua de maneira acentuada (regiões tropicais, por exemplo) ou, por outro, sua presença nos oxihidróxidos de Fe do solo aumenta a estabilidade desses minerais sob condições redutoras e a capacidade deles em reter elementos nocivos ao meio ambiente, agindo como “filtro”.
Por fim, como iniciei este post a essencialidade é subjetiva e depende de uma interpretação conveniente.
Juscimar Silva
Quiz: Porque, de maneira geral, se observa mais feldspatos potássicos (ortoclásio, Ksi3AlO8) do que cálcicos (anortita, CaSi2Al2O8) nos solos trópicais? Deixem a resposta no campo cometários.
O fascínio da Ciência (ou Desaprendendo para ensinar)
Entre os que defendem a visão científica do mundo como a forma mais eficaz para realmente explicar o universo e todo o resto, é comum utilizarmos como argumento o fato de o conhecimento científico não ser estático, dogmático, ao contrário de outras formas de interpretação da realidade. Em meu próprio campo de estudo, acabo de esbarrar, esta é a palavra mais apropriada, com algo do tipo. Entre minhas atribuições como bolsista PRODOC-Capes está a de ministrar aulas. Estou atualmente responsável pela disciplina de Matéria Orgânica do Solo na pós-graduação e, previsivelmente, preciso ler muito para oferecer o que há de mais atual na literatura científica sobre o assunto. Quando estudei comecei a me familiarizar com as pesquisas sobre decomposição da matéria orgânica do solo, lá pelos idos do começo do milênio, foi-me ensinado que uma das variáveis mais importantes no controle da decomposição era a razão entre conteúdo de carbono e conteúdo de nitrogênio de um composto orgânico, conhecida como relação C/N: quanto maior esta relação, mais carbono em relação a nitrogênio, mais difícil de se decompor o material, maior a imobilização de nitrogênio pelas células microbianas, o que poderia afetar negativamente a nutrição vegetal. Melhor do que a relação C/N como indicadora de qualidade do material orgânico, aprendi então, era a relação lignina/N: a relação C/N era muito geral e não indicava exatamente quais compostos carbonáceos eram mais resistente à decomposição, a relação lignina/N já refinava a coisa, ao considerar que os compostos ricos em lignina eram os mais resistentes, afetando mais diretamente a capacidade decompositora dos microrganismos. Estava eu ontem me preparando para uma aula sobre nitrogênio no solo a ser dada amanhã, quando encontro este recente trecho de um texto sobre o assunto, de autoria do cientista do IAC, Heitor Cantarella: “A relação lignina/N também tem sido usada como um indicador para a mineralização de substratos orgânicos, porém a relação C/N tem se mostrado mais útil para tal” e cita uma quantidade de artigos recente apoiando a afirmação. As implicações desta mudança de visão não são pequenas: é necessário reavaliar-se práticas de manejo do solo visando não só a nutrição de plantas como o sequestro de carbono em solos tropicais. Senti-me irremediavelmente ultrapassado, mas não. Isto é a ciência em funcionamento, saudável funcionamento: fatos mais recentes e conclusivos desdizem o que antes se acreditava, oferecendo uma perspectiva mais confiável, possivelmente, dos processos naturais. Que outra forma de interpretação do mundo permite isso? O dogmatismo religioso, talvez?
Florestas, solos pobres e ciclagem biogeoquímica
O cidadão leigo deve achar estranho ou até improvável quando um especialista afirma categoricamente que a maior parte dos solos sob a floresta amazônica são solos nutricionalmente pobres, distróficos em nosso jargão profissional. Como solos pobres em nutrientes minerais poderiam sustentar vegetação tão exuberante? Pode parecer estranho, mas é a pura verdade e a Amazônia não é um caso isolado. Em meu doutorado trabalhei com solos nutricionalmente pobres, desenvolvidos sobre material de origem (rochas) também muito pobres, mas estes solos muitas vezes sustentavam comunidades vegetais exuberandtes e biodiversas. Tanto na Amazônia quanto na área de minha tese (Área de Proteção Ambiental Estadual Cachoeira das Andorinhas, em Ouro Preto, Minas Gerais), os principais solos são classificados como Latossolos e, em menor extensão, Espodossolos (logo teremos um post sobre as classes de solo do Brasil), solos normalmente pobres ou muito pobres em nutrientes minerais. A pobreza em nutrientes pode ser herdada do material de origem ou resultado de séculos de intemperismo químico. Em condições naturais, os teores mais altos de nutrientes nestes solos são via de regra observados nos horizontes (camadas mais ou menos paralelas à superfície que caracterizam um solo e permitem sua classificação) mais superficiais, mais ricos em matéria orgânica. Pela impossibilidade de depender das reservas naturais de nutrientes nestes solos, as espécies e indivíduos apresentando natural tendência de acúmulo eficiente de nutrientes no tecido vegetal e/ou com adaptações morfológicas e fisiológicas que permitem a rápida reabsorção dos ditos elementos nutrientes uma vez liberados do material orgânico decomposto, têm mais chances de dominar nestes ambientes. Assim, ao invés de depender do usual suprimento de elementos nutrientes pelo intemperismo químico de minerais primários e secundários, estas comunidades vegetais dependem da ciclagem biogeoquímica. Que é esta ciclagem biogeoquímica? Primeiro, a ciclagem geoquímica são os vários compartimentos geológicos por que passa um elemento químico: os elementos presentes nos magmas são incorporados às rochas que se formam pelo resfriamento destes, pelo intemperismo das rochas podem ser carregados pelas águas, levados por rios, armazenados em sedimentos; estes sedimento podem se tornar novamente rochas e o ciclo recomeçar. Agora acrescente-se a vida, principalmente vegetal, neste ciclo e ele deixa de ser apenas geoquímico e passa a ser biogeoquímico: o intemperismo das rochas pode dar origem aos solos, suporte principal da vida vegetal, os elementos químicos liberados podem ser absorvidos pelas plantas, quando os tecidos vegetais são depositados ao solo, podem ser decompostos, liberando novamente os elementos químicos, que podem ser perdidos, entrando novamente no ciclo geoquímico, ou reabsorvidos pelas plantas, continuando ainda por um tempo no compartimento biológico. Quando se acelera a decomposição da matéria orgânica do solo pela atividade humana, como quando se introduz a agricultura em área anteriormente florestada, perde-se grande parte dos nutrientes armazenados. Por isso, a introdução de espécies agrícolas em solos pobres em que a vegetação natural dependia grandemente da ciclagem biogeoquímica, geralmente é fadada ao insucesso ou passa a depender grandemente de fertilização química.