Fazendas verticais, rooftop farming, Z-farming… Há lugar para isso no Brasil?

Experimento de agricultura em ambiente controlado na Embrapa Hortaliças. Foto: Italo M. R. Guedes

Experimento de agricultura em ambiente controlado na Embrapa Hortaliças. Foto: Italo M. R. Guedes

Já é proverbial dizer-se que há abundância de terras no Brasil. A extensão territorial e a diversidade climáticas são sempre citadas quando se explica o sucesso da agricultura em nosso país. Se não falta espaço, por que a insistência em se estudar a viabilidade desse novo tipo de produção high-tech? Soluções como as fazendas verticais, a agricultura de teto e outras práticas do que se está chamando de “Z-farming” (z de zero, já que se usa zero de terras agrícolas) ou “agricultura indoors” não seriam mais apropriadas para países em que há escassez de terras, como Japão e Coreia? Não é bem assim. Resumidamente, sim, nós temos e continuaremos tendo muita terra, mas cada vez temos e teremos menos clima.

Por uma série de razões, a produção de hortaliças normalmente é feita próxima a centros urbanos, no que se convenciona chamar de cinturões verdes. Com o crescimento urbano desordenado, essas áreas de grande importância para o abastecimento das cidades têm sido invadidas pela especulação imobiliária, pelos loteamentos para a construção de condomínios, para a ocupação por indústrias. Um exemplo claro disso está nesse momento mesmo ocorrendo na zona rural de uma pequena cidade próxima a Manaus, na margem esquerda do Rio Solimões. A cidade de Iranduba foi durante um bom tempo um polo de produção de hortaliças responsável por boa parte do abastecimento de Manaus, contribuindo para a economia local e diminuindo a dependência por produtos vindos de outras regiões do país. Com a construção da Ponte Rio Negro, inaugurada em 2011, um número grande do que já foram propriedades produtivas está se transformando em empreendimentos imobiliários, afastando a produção de hortaliças.

O fato de as hortaliças serem produtos frágeis e facilmente perecíveis é uma das principais razões por que os plantios de hortaliças se localizam próximos aos centros de consumo. Ainda assim, as estimativas de perdas após a colheita para alguns produtos hortícolas se aproximam dos 50%, um número verdadeiramente assustador. O transporte inadequado por estradas de má qualidade é uma das principais causas de perdas. Os cinturões verdes ao redor dos centros urbanos já prenunciam a importância da aproximação dos centros produtores e da população consumidora, mas esse modelo mesmo talvez já esteja esgotado e claramente ameaçado. A tendência que começa a se desenhar não é mais de mera aproximação entre produção e consumo, mas de fusão – a utilização de espaços urbanos ociosos para a produção high-tech de alimentos, a produção agrícola utilizando-se zero hectare de terra, fazendas verticais, plant factories, crop boxes, indoor farming, agricultura de teto, z-farming. Quem guiará essa nova revolução?

Quando a agricultura brasileira começou a se modernizar, há cerca de 40 anos, a produção agropecuária do Brasil Central ocorria não no alto das chapadas, mas na “quebra” do relevo, nas áreas de desmonte das chapadas, onde o processo erosivo expunha o material de origem e permitia a ocorrência de solos um pouco mais férteis. O topo das chapadas planas, que hoje identificamos como o “Cerrado”, era mato, terra inculta e imprópria à agricultura. O grande avanço da agricultura brasileira não veio da insistência em se cultivar nas áreas tradicionais, não veio sequer da tentativa de modernizar a agricultura nessas áreas. O avanço veio literalmente de olhar para cima, para as chapadas planas com solos ácidos até então imprestáveis e pensar que aquilo poderia se tornar a nova fronteira agrícola do país.

A nova proposta para a horticultura protegida pretende ter o mesmo olhar disruptivo. O avanço não virá da tentativa já repetida de tornar estruturas mal-adaptadas ao clima tropical mais produtivas ao tentar melhorar esse ou aquele aspecto, mas de modificar completamente o que se considera agricultura protegida, claramente com um olhar para o futuro. De forma semelhante, assim como o Brasil hoje começa a exportar o know-how ganho em mais de quarenta anos de pesquisa em cultivo agrícola nas chapadas planas e ácidas antes coberta pela vegetação de cerrado, o know-how a ser ganho pela pesquisa em agricultura em ambiente protegido e controlado servirá não apenas para impulsionar a horticultura brasileira, mas para avançar a exportação de tecnologia agrícola nacional. Os compradores dessa nova tecnologia não seriam apenas os produtores agrícolas tradicionais ou países em desenvolvimento lutando contra a fome, e sim jovens empreendedores de perfil urbano e atraídos pela alta tecnologia e suas start-ups, cientes das oportunidades que se abrirão na produção de alimentos para um mundo super-povoado e de clima mudado e imprevisível.

A proposta não é da migração de toda a produção agrícola para esse tipo de estrutura, mas da produção de hortaliças, frutíferas e plantas ornamentais. A maior disponibilidade destes produtos de alta qualidade no ambiente urbano pode inclusive significar, no longo prazo, preços mais acessíveis e aumento de consumo. O uso intensivo de tecnologia permitirá sem dúvida produtividades ainda maiores em áreas muito pequenas que produzirão tanto ou mais que áreas muito maiores em campo aberto. Apenas para se ter uma ideia, com a produtividade hoje alcançada pelo tomateiro em algumas áreas de cultivo protegido tradicional em estufa no mundo, uma área de 800 metros quadrados de estufa poderia produzir o mesmo que 10 mil metros quadrados em campo aberto. É uma economia tremenda de terra, de nutrientes e de água, utilizando-se muito menos agrotóxicos.

Uma questão por vezes considerada com menor atenção é a da sucessão nas propriedades rurais. A população de produtores rurais envelhece porque os jovens migram para as cidades. Há um bom tempo escrevi um texto que discutia o fato de que a agricultura deixa de atrair os mais jovens porque ainda identificamos a atividade agropecuária com o uso  de tecnologias hoje consideradas primitivas, como enxadas, foices e arados. A agricultura em ambientes protegidos e controlados vem desconstruir completamente essa impressão e atrair cada vez mais os jovens para atividades de produção de alimentos. Em primeiro lugar será uma atividade econômica urbana e por último e não menos importante, será uma agricultura cercada e imersa em tecnologia.

Desde estruturas plásticas protegendo fisicamente os cultivos até barras de fertirrigação automatizadas, controladas por aplicativos a partir de smartphones de técnicos e produtores. Abertura automática de janelas laterais e zenitais controladas por sensores de temperatura e luminosidade. Sensores de condutividade elétrica nos substratos determinando automaticamente quando e quanto das soluções nutritivas será aplicado. Drones sobrevoando os cultivos para identificar a ocorrência de pragas, doenças ou deficiências minerais. Lâmpadas LED em cores que maximizarão a eficiência fotossintética funcionando com energia fotovoltaica. Uma agricultura para um tipo novo de agricultor e para um novo mundo. O Brasil não poderá ficar de fora dessa revolução.

Mudanças climáticas e produção de hortaliças: uma visão geral

Os efeitos das mudanças climáticas na produção de hortaliças, onde a produtividade tem que necessariamente estar associada à qualidade do produto, têm preocupado os diversos atores ligados ao setor. Elevações, mesmo que moderadas, das temperaturas médias diurnas e/ou noturnas podem ser prejudiciais à produção olerícola. Citando como exemplo o caso do tomate, diversos trabalhos têm atribuído tal fato a danos ocorridos na fase reprodutiva devido a fatores como polinização menos efetiva, maiores taxas de respiração e redução de taxa fotossintética. Trabalhos conduzidos em regiões de clima temperado têm ainda apontado prejuízos causados pelas altas temperaturas aos cultivos de espécies exigentes ao frio tais como espinafre, batata, brócolis e alface. O estresse hídrico também pode se tornar fator limitante no futuro. Esse fato pode estar relacionado com a maior demanda de água pelas plantas para que o resfriamento delas ocorra em clima mais quente e à ocorrência de períodos secos mais intensos e longos em algumas regiões. A influência de outros eventos climáticos também não pode ser negligenciada, uma vez que é provável que eles se tornem mais frequentes em determinados locais.

Por outro lado, as condições climáticas futuras também podem ser benéficas às espécies bem adaptadas ao calor, tais como batata doce, melão, melancia, abóboras e quiabo. É possível ainda que um importante nicho de mercado se abra para variedades desenvolvidas em condições tropicais e subtropicais, potencializando a participação de institutos de pesquisa especializados em agricultura tropical.

Como forma de minimizar os impactos negativos das mudanças climáticas na produção agrícola, mecanismos adaptativos têm sido propostos. No melhoramento genético, a busca por variedades adaptadas aos estresses térmicos e hídricos, a maiores níveis de radiação, com maior albedo e mais eficientes na utilização de fertilizantes são alguns dos principais pontos discutidos. Outros mecanismos adaptativos, agora associados aos sistemas de produção, podem também surtir bons efeitos. Nesse sentido, o uso do cultivo protegido adequadamente manejado permite o controle de fatores ambientais tais como temperatura e precipitação, reduz a necessidade de uso de agroquímicos e mantêm as plantas protegidas de eventos climáticos extremos, mantendo então melhor produtividade e qualidade do produto.

Em campo aberto, a utilização de mulchings artificiais com plástico branco e opaco ajuda a reduzir a temperatura do solo e do ar próximo às plantas. A palhada formada em cultivos em sistema de plantio direto (SPD) pode fornecer efeito semelhante. Trabalhos conduzidos por pesquisadores da Embrapa Hortaliças visando a adequação de SPD para o cultivo de espécies olerícolas têm mostrado o potencial adaptativo desse sistema de manejo às novas condições climáticas, bem como o poder de mitigação da emissão de gases de efeito estufa. Aspectos como redução da temperatura do solo sob a palhada, menor perda de água e solo e manutenção de maiores estoques de carbono e nutrientes no solo têm sido observados. Outras medidas relacionadas à economia e produção de água, economia de nutrientes, uso de cercas vivas, entre outras, também devem ser considerados como possíveis mecanismos adaptativos às mudanças climáticas.

Carlos Eduardo Pacheco Lima

Mudanças climáticas versus desenvolvimento

A reflexão sobre os impactos das mudanças climáticas globais sobre a agricultura e o inverso tem feito parte constantemente de minhas atividades e atribuições profissionais, principalmente desde o último ano. Tenho dedicado muito esforço intelectual e mesmo físico à questão, tendo me concentrado com um pouco mais de foco às práticas de manejo do agroecossistema que minimizem a emissão de gases de efeito estufa ou mesmo que os sequestrem, as ditas ações mitigadoras, como o plantio direto e a aplicação de carvão como condicionador de solo.
Um colega por quem tenho grande respeito e que trabalha diretamente na área de sustentabilidade agrícola me chocou um tanto hoje ao afirmar que não gostava desta ênfase excessiva nas medidas de mitigação por parte de países em desenvolvimento. Vejam bem, ele não pertence a esta espécie retrógrada que se auto-denomina de “céticos do clima” – ele não tem dúvida que as mudanças climáticas causadas pelo clima são reais. Sua opinião no entanto é de que os países em desenvolvimento, como o Brasil, não deveriam arcar com o ônus da mitigação destas mudanças em detrimento de seu desenvolvimento social e econômico. Para ele, quem deveria arcar com este ônus seriam os países ditos desenvolvidos. Antes que se lancem as pedras, ele não é agrônomo, é um biólogo com doutorado em impacto ambiental.
Não digo que seus argumentos não tenham alguma lógica, mas não posso deixar de pensar que os impactos das mudanças climáticas não se restringirão aos países desenvolvidos. Embora alguns cenários prevejam condições de relativo conforto para a agricultura no sudeste do Brasil, estes mesmos cenários, e talvez evidências atuais, prevêem condições mais que preocupantes para o semi-árido e mesmo para a Amazônia. Por nosso despreparo, talvez venhamos mesmo a sofrer mais as consequências do que os países desenvolvidos. Bem, é uma questão a se pensar, se alguem quiser opinar sobre o assunto, sinta-se à vontade.

Carvão como melhorador de solos

Muitos trabalhos de pesquisa recentes, brasileiros e estrangeiros, têm avaliado o uso de carvão de origem vegetal como condicionador de solos, com o objetivo de aumentar os teores de matéria orgânica e a capacidade de troca de cátions do solo, melhorar a eficiência no uso de fertilizantes, promover o crescimento de microrganismos benéficos ao crescimento vegetal, entre outras características agronomicamente desejáveis.
 
A possibilidade de se usar o carvão como condicionador de solos surgiu ao se observar que certas características químicas das Terras Pretas de Índio (TPI) amazônicas, como maiores teores de matéria orgânica do solo, nitrogênio, fósforo, cálcio e potássio, maior capacidade de retenção de nutrientes (CTC potencial), valores mais altos de pH devem-se à presença na fração orgânica destes solos de grandes quantidades de carvão (também chamado de carbono pirogênico ou, na literatura internacional, biochar), até 70 vezes mais do que nos solos adjacentes que lhes deram origem, predominantemente Latossolos, resultado da adição de material carbonizado por populações pré-colombianas ao longo de muito tempo. A existência das Terras Pretas sugere que, pelo menos teoricamente, solos de baixa fertilidade, como os Latossolos da Amazônia, podem ser transformados em solos férteis, não apenas pela adição de fontes minerais de nutrientes, mas pela adição de compostos orgânicos estáveis na forma de carvão

Um problema comum a tratamentos que utilizem materiais orgânicos como condicionadores de solo é a inevitável decomposição, razoavelmente rápida em alguns casos, tornando necessária a reaplicação periódica do material. A decomposição ou outra forma de oxidação levam à diminuição nos teores de matéria orgânica e conseqüente perda dos efeitos benéficos alcançados. Para que isso não ocorra, há duas saídas possíveis – a adição periódica de insumos orgânicos ou a aplicação de material naturalmente resistente à decomposição.
 
O carvão, quando incorporado ao solo, demonstra notável resistência à decomposição devida a características químicas intrínsecas, como a presença de grupos funcionais fenólicos, que permitem sua permanência no sistema solo por períodos relativamente longos de tempo, ao contrário de outros materiais orgânicos cuja persistência no solo depende da proteção conferida pelas partículas minerais ou pela continuidade da aplicação. As Terras Pretas Amazônicas têm mantido seus altos teores de matéria orgânica centenas e até milhares de anos após as populações pré-colombianas que lhes deram origem as terem abandonado. Por sua recalcitrância e alto teor de carbono, a aplicação de carvão ao solo tem sido considerada uma prática eficaz de seqüestro de carbono visando mitigar os efeitos da agricultura sobre as mudanças climáticas globais.

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