Contra o neo-obscurantismo

Para quem tem horror a dogmas, fundamentalismos, nova era, astrologia e outras manifestações do moderno movimento neomedieval, recomendo veementemente o site da The Richard Dawkins Foundation for Reason and Science. Os artigos são obrigatórios para quem almeja pensar com a própria cabeça e não a partir de “livros divinos”.

Ciência e Literatura no Brasil

Alguém me pediu para escrever sobre a presença de cientistas na literatura brasileira, tanto como autores quanto como personagens. Tarefa mais do que árdua. A atividade científica me parece ser quase totalmente ignorada não só pelo brasileiro médio, mas até mesmo pela parcela formalmente educada da população. Há não muito tempo, ouvi o discurso de um político de esquerda, Fernando Gabeira (que também é escritor), atualmente recebendo muita atenção dos meios de comunicação, afirmar que não se deslumbra tanto com as conquistas da ciência porque se lembrava das bombas de Hiroshima e Nagasaqui. Não creio que fosse muito útil explicar-lhe a diferença entre ciência e tecnologia (aliás, o nome do ministério, que ele persegue com notável entusiasmo, é esse porque deve ficar bem claro que não são a mesma coisa). Numa entrevista à revista Caros Amigos, o escritor e ícone popular brasileiro Ariano Suassuna, talvez o artista mais influente e conhecido atualmente no Brasil, disse que achava a teoria da Seleção Natural uma idéia socialmente perigosa porque “pregava” a luta inclemente e a vitória do mais forte (as palavras usadas pelo escritor não foram exatamente estas, mas o sentido é exato). Claramente o artista tem uma idéia muito vaga do que seja a seleção natural e toma as interpretações capitalistas e racistas feitas por alguns mal intencionados como a teoria em si. Nada de se surpreender em um país onde um religioso de certa proeminência afirma não crer na Evolução porque ninguém presencia atualmente macacos se transformarem em homens (a não ser talvez em circos). Na própria ficção científica (da qual sou leitor assíduo), a imagem do cientista brasileiro está quase completamente ausente e quando aparece é sob a imagem distorcida, mas tristemente comum, do cientista louco ou amoral, o exemplo mais típico e maniqueísta que conheço é o de um físico personagem do livro Silicone XXI do ex-candidato à Presidência da República Alfredo Sirkis, do mesmo partido de Fernando Gabeira. Ironicamente, o único autor que conheço de ficção científica que cria uma imagem decente e plausível de um cientista de origem brasileira é o americano Orson Scott Card em seu livro Orador dos Mortos (Speaker for the Dead). Isso não é só triste, é trágico. Não creio que haja realmente uma percepção pública da ciência e do cientista no Brasil, a não ser em termos de uma certa desconfiança em relação às manipulações da natureza como uma “ofensa a Deus”, triste reminiscência de nossa herança inquisitorial ibérica perenizada pelo descaso com a educação no país. Seria na verdade paradoxal se houvesse algum tipo de abordagem do cientista na literatura e nas artes em geral no Brasil, apesar de grandes cientistas brasileiros terem se ocupado com atividades artísticas, já que os que lêem, os pouquíssimos que ainda lêem, pouco ou nenhum interesse têm pela Ciência e os cientistas interessados em Literatura são uma espécie ainda mais rara.

De fora do sistema solar

A nave Voyager I, lançada em 1977, foi o primeiro artefato humano a deixar o sistema solar. Quase 30 anos depois de lançada, a nave ainda manda informações relevantes e surpreendentes para a Terra. Confira aqui.

Seqüestro de carbono pela agricultura II

Em regiões tropicais, nas quais os solos são muito intemperizados e por causa disso quimicamente pobres, um problema recorrente para a agricultura é a acidez do solo. Em geral, considera-se que as culturas podem ter problemas com acidez quando o pH da água do solo (chamada pelos Cientistas do Solo de solução do solo) está abaixo de 6. Além de problemas decorrentes da prórpria acidez, o grande impecilho para o crescimento e desenvolvimento vegetal em solos ácidos é a presença de formas solúveis de alumínio na forma principalmente de Al3+, tóxico não só para as plantas mas para quase todos os organismos. A forma mais comum de correção da acidez do solo, ou seja, de elevação de seu pH, é a aplicação do carbonato de cálcio ou calcário (CaCO3). Já falei sobre o calcário no post sobre ciclo biogeoquímico do carbono: é uma rocha sedimentar formada quer da deposição de exosqueletos calcários quer da precipitação de carbonato de cálcio sob condições químicas e físicas propícias. A reação do calcário no solo que resulta no aumento do pH faz com que haja produção do íon bicarbonato (HCO3-) ou até mesmo de CO2. Como há esta possibilidade de emissão de gás carbônico para a atmosfera, alguns críticos rapidamente condenam a aplicação de calcário na agricultura. Esquecem, ou fingem esquecer, que o aumento do pH do solo até certos valores, proporcionado pela aplicação de calcário (calagem), quase sempre causa aumentos não só na produção das culturas mas na própria massa da cultura. Como comentei noutra parte, o crescimento vegetal ocorre pela captura do CO2 e sua conversão, mediada pela energia solar, em tecidos vegetais. Como a aplicação de calcário aumenta o crescimento dos vegetais, mais CO2 é seqüestrado pelas plantas devido à calagem. Claro, ainda há dúvidas se a quantidade de gás carbônico emitido pelo calcário reagindo no solo é menor do que a quantidade fixada pelas plantas, mas tudo indica que sim.

Artigos científicos clássicos

Esta notícia saiu ontem no Jornal da Ciência, da SBPC:

“JC e-mail 3105, de 20 de Setembro de 2006.

Artigos clássicos disponíveis na web

O material livre para os internautas inclui ainda o arquivo completo da primeira revista científica do mundo, a Philosophical Transactions, e ficará aberto até dezembro Mais de três séculos de pesquisas científicas estão agora disponíveis gratuitamente na internet.Estudos clássicos, como os feitos por Isaac Newton, que demonstrou a existência da gravidade, ou Alexander Fleming, que descobriu a penicilina, estão disponíveis no site da Sociedade Real Britânica. O material livre para os internautas inclui ainda o arquivo completo da primeira revista científica do mundo, a Philosophical Transactions, e ficará aberto até dezembro.”

Seqüestro de carbono pela agricultura

Comentei no post anterior que se tem tentado manipular o ciclo biogeoquímico do carbono. Como espero que tenha ficado claro, esta manipulação visa diminuir ou estancar o aumento nas concentrações atmosféricas dos gases de efeito estufa CO2 e CH4, principalmente o primeiro. Historicamente, das práticas humanas maiores contribuidoras de gás carbônico para a atmosfera, a agricultura se sobressai. Derrubadas e queima de florestas para estabelecimento de novos campos e práticas consolidadas como aração e gradagem dos solos contribuem enormemente com o aumento da concentração de CO2 na atmosfera terrestre. Atualmente um número considerável de técnicas agrícolas têm sido desenvolvidas com o objetivo, primeiro, de otimizar a produção agrícola mas com o efeito secundário (e desejável) de diminuir a oxidação da matéria orgânica do solo, grande depositório de carbono. As tradicionais práticas de revolvimento do solo (aração, gradagem, subsolagem…) usadas para favorecer o desenvolvimento de culturas agrícolas apresentam o inconveniente de acelerar a decomposição da matéria orgânica do solo. Estas práticas melhoram superficialmente a oxigenação do solo, quebram agregados que protegem fisicamente partículas de matéria orgânica e fracionam o material vegetal morto, o que facilita a ação dos microrganismos decompositores. As práticas modernamente utilizadas que podem auxiliar não só na diminuição desta decomposição mas até mesmo no aumento nos teores de matéria orgânica nos solos em geral envolvem a diminuição ou quase completa eliminação do revolvimento (movimentação) do solo. O exemplo típico disto é a adoção do plantio direto, em que os restos de culturas são deixados sobre o solo após as colheitas.

Ciclos biogeoquímicos

A trajetória do átomo de carbono narrada por Primo Levi em sua Tabela Periódica é um exemplo, claramente literário e muito simplificado, de um ciclo biogeoquímico. Resumidamente, a ciclagem biogeoquímica de um elemento é o caminho percorrido pelo mesmo no planeta passando por compartimentos biológicos (os organismos) e por compartimentos não biológicos (solos, sedimentos, rochas e magma) ao longo da história geológica da Terra. Obviamente, a ciclagem biogeoquímica só ocorre onde há vida (bio), senão haveria apenas uma ciclagem geoquímica, como ocorreu por uma boa parte da história da Terra, antes que os primeiros organismos surgissem. Atualmente, em tempos de aquecimento global, o ciclo biogeoquímico mais estudado e sobre o qual mais se tenta fazer manipulações é exatamente o do carbono. Os dois gases de efeito estufa mais importantes, gás carbônico (CO2) e metano (CH4) podem ser considerados como duas fases do ciclo biogeoquímico do carbono. Os combustíveis fósseis (petróleo e carvão mineral, principalmente) são basicamente compostos de carbono que hoje fazem parte do compartimento geológico mas já pertenceram ao compartimento biológico, ou seja, a energia hoje gerada pela combustão destes materiais foi energia fixada pela fotossíntese de algas unicelulares (petróleo) e de vegetais superiores (carvão) há milhões de anos. A fotossíntese é a transformação do CO2 que os organismos autotróficos (que sintetizam seu próprio alimento) absorvem da atmosfera em compostos orgânicos, principalmente açúcares (C6H12O6), e esta transformação só é possível porque os organismos fotossintetizantes conseguem capturar e utilizar a energia do sol (fotos é luz em grego). Quando estes organismos morrem ou perdem suas partes, como quando as plantas deixam cair as folhas, por exemplo, este material pode ser totalmente decomposto, e volta a se transformar em CO2, ou sofre algumas transformações e se transforma no que chamamos de matéria orgânica (do solo, de sedimentos, da água). Esta matéria orgânica é em geral difícil de ser decomposta, principalmente se levada pelas águas e depositadas no fundo de lagos ou mesmo do mar: dificilmente os microrganismos conseguem degradá-la, por isso se diz que o carbono na forma orgânica está seqüestrado, ele está temporariamente indisponível para os microrganismos decompositores retirarem a energia de suas ligações e oxidá-lo a gás carbônico. Ao longo do tempo geológico, a matéria orgânica vai se depositando no fundo de corpos d’água e sofre transformações químicas tornando-se cada vez mais resistente à decomposição e muito lentamente se transforma em petróleo ou carvão, de maneira que o material orgânico produzido por organismos vivos passa a fazer parte do compartimento geológico. Além disso, o CO2 pode ser utilizado por organismos marinhos na síntese de exosqueletos calcários (conchas e outras estruturas), compostas basicamente de carbonato de cálcio ou calcário (CaCO3). Após a morte destes organismos, este material deposita-se (sedimenta) no fundo do mar por milhões de anos até que ocorre a litificação deste material, isto é, este material, cada vez mais pesado devido às sucessivas camadas, se transforma em rocha (esta é a via biológica da formação das rochas calcárias, também há vias não biológicas), por causa principalmente da pressão: este carbono também está seqüestrado no compartimento geológico, porque não voltará à atmosfera na forma de CO2 por muito tempo.

Tabela Periódica

Este é o título do livro meio autobiográfico do químico e escritor italiano Primo Levi, judeu sobrevivente do campo de concentração de Auschwitz. Os capítulos recebem o nome de vários elementos químicos (não todos) e em geral remetem a casos vividos pelo autor em sua profissão misturados com muita filosofia e um humanismo exemplar. Recomendo principalmente o último capítulo, Carbono, em que se acompanha a trajetória de um átomo de carbono do calcário ao cérebro do escritor, passando por um copo de vinho. Muito bom.

Determinismo pedogeoclimático

Parece ser gradualmente mais comum entre geólogos, cientistas do solo e climatologistas, além de arqueólogos, a impressão de que o substrato geológico, os solos e o clima exerceram influência certamente importante e possivelmente preponderante sobre ascenção e queda de civilizações antigas e modernas. Em 2003 os geólogos G. H. Haug, L. C. Peterson e outros publicaram na Science um artigo relacionando o colapso da civilização Maia a um ciclo de secas entre os anos 750 e 950. Os autores encontraram fortes evidências de períodos secos severos e longos durante este período analisando sedimentos da Bacia de Cariaco, na costa setentrional da Venezuela. Em 2005 os dois autores citados divulgaram seus resultados na American Scientist e uma tradução deste artigo aparece na edição de setembro da Scientific American Brasil. Interessantemente, a equipe de geólogos utilizou uma metodologia não estranha aos cientistas do solo para avaliar a ocorrência de períodos secos. Os sedimentos marinhos são em grande parte oriundos dos continentes. As chuvas intemperizam (“decompõem”) as rochas fisica e quimicamente. O intemperismo físico nada mais é do que a quebra em pedaços cada vez menores das rochas sem que haja alterações químicas dos minerais: é o que acontece com o quartzo, principal componente de muitas areias de praia. No intemperismo químico há perda de elementos químicos e associadas a estas perdas há mudanças mineralógicas. Assim, os solos, formados a partir do intemperismo das rochas, possuem alguns minerais já existentes nas rochas que lhes deram origem e minerais que se formaram depois. Os solos por sua vez são erodidos (levados) principalmente pela água, mas também pelo vento. Os sedimentos depositados pelos rios no mar provêm em grande parte da erosão dos solos. Quando há mais chuvas, a erosão é maior e a quantidade de sedimentos depositados nos oceanos é conseqüentemente maior, qundo há secas a quantidade de sedimentos é menor. Como estes sedimentos se acumulam em camadas diferenciáveis de ano para ano, é possível identificar períodos de seca pela menor espessura das camadas ou pela menor quantidade de alguns elementos químicos presentes nestes sedimentos, como ferro e titânio. Foi exatamente analisando os teores de titânio nos sedimentos que os geólogos conseguiram identificar os períodos de seca coincidindo com o período de decadência da civilização Maia.

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